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Em Maceió, mulher teme que auxílio menor faça a família passar fome

Sandra da Silva e a filha Thaynara da Silva, 20, mãe de Silas, 3, na frente de casa em Benedito Bentes, periferia de Maceió - Jean Albuquerque/UOL
Sandra da Silva e a filha Thaynara da Silva, 20, mãe de Silas, 3, na frente de casa em Benedito Bentes, periferia de Maceió Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Jean Albuquerque

Colaboração para o TAB, de Maceió

20/11/2021 04h01

Um muro sem reboco pintado de verde, interrompido pelo portão de ferro. É aqui que vive Sandra Rodrigues da Silva, 41, com uma das filhas e dois netos — "as minha bença".

Desempregada, ela aguardava a reportagem do TAB na segunda-feira (15) para falar de incertezas. A família teme o que virá com o fim do Bolsa Família. "Se for confiar nesse auxilio novo, piorou. Dizem que vai chegar outro cartão."

A casa simples do Conjunto Cidade Sorriso I, em Benedito Bentes, na periferia de Maceió, tem piso de cimento batido. Na entrada é possível ver o carrinho de mão feito com a carcaça de uma geladeira — meio de transporte usado para catar recicláveis e complementar a renda, combinada com o que ganhava no programa, substituído agora pelo Auxílio Brasil.

Dentro da casa, chama atenção a caixa d'água sustentada por uma parede, acima da entrada do banheiro. As panelas penduradas ao lado da geladeira e potes de sorvete com um pouco de mantimento compõem o cenário. Duas catitas (ratos pequenos) passam do quintal para um dos quartos da casa.

A chefe de família mora no bairro mais populoso da capital alagoana (população de cerca de 88.084 habitantes) e também o que concentra o maior número proporcional de beneficiários do Bolsa Família. Dados da Semas (Secretaria Municipal de Assistência Social de Maceió), obtidos pela reportagem do TAB, dão conta que 29.585 moradores do Benedito Bentes dependem do auxílio para sobreviver. Significa dizer que, a cada mil habitantes, 335 são beneficiários.

O valor que Sandra recebia era R$ 204 mensais. Com o auxílio emergencial criado em abril de 2020, passou a receber R$ 1.200. O último saque foi de R$ 375, dinheiro que durou até outubro. Depois de dezembro, quando o vencimento se encerrar (mês de aniversário), não há ideia de como vai manter o lar.

Com o pouco que recebe compra cuscuz, arroz, macarrão, mortadela ou ovos — não lembra quando foi a última vez que botou carne na mesa. A conta de energia está no nome do ex-marido, falecido há uns anos. O funcionário da companhia de energia elétrica já foi realizar o corte algumas vezes. "Pedi para ele não cortar, não posso ficar sem energia. Eu nem ligo a televisão, só ligo o rádio para ouvir louvor e deixo a geladeira na tomada."

Sandra Rodrigues da Silva e a filha Thaynara, ao lado do carrinho de mão feito com a carcaça de uma geladeira - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
Sandra e Thaynara, ao lado do carrinho de mão feito com a carcaça de uma geladeira
Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Da lagoa para o asfalto

Sandra nasceu no Bairro dos Pimentas, em Guarulhos, na Grande São Paulo. A mãe mudou-se para Maceió quando ela tinha cinco meses. Antes de herdar a casa própria que está no nome do ex-marido, fruto de um projeto de realocação de famílias da favela Sururu de Capote, Sandra tinha como principal fonte de renda o molusco que é patrimônio imaterial de Alagoas.

A ex-marisqueira de voz calma e fala vagarosa prefere não lembrar dessa época, assim como tenta apagar da memória a enchente em que perdeu todos os documentos. "Eu catava muito sururu, com eles [os filhos] pequenos, essa daí [a filha Thaynara] pequenininha. A gente passou dois anos por lá e viemos para cá faz um tempo." As datas se confundem em seu relato.

Sandra só recuperou os documentos com o auxílio de uma líder comunitária, que também ajudava as mulheres recém-chegadas ao bairro para procurar emprego. Ela chegou a fazer cursos de culinária, de artesanato, além de outras capacitações. Após ter em mãos os registros, conseguiu realizar o cadastro para ser beneficiária do Bolsa Família. "Quando não tinha o sururu, eu fazia uma faxina. Mas não apareceu mais nada."

Incertezas e desencontros

Desde o anúncio da medida provisória que criou o Auxílio Brasil, beneficiários do Bolsa Família vêm lotando as unidades dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) em algumas cidades do Brasil para saber se têm direito ao benefício.

Em Maceió, não foi diferente. Muitos pensaram ser necessário fazer novo cadastro ou atualizar o que já tem. A Semas afirmou que a migração é automática e o prazo para a atualização do Cadastro Único seria prorrogado por 180 dias. O benefício começou a ser pago nesta quarta-feira (17), com valor médio de R$ 217,18 mensais, e seguirá o mesmo calendário do Bolsa Família.

O valor de R$ 400, prometido pelo governo federal, está condicionado à aprovação da PEC dos Precatórios.

A reportagem do UOL publicada na quarta-feira (17) visitou uma unidade do CRAS em Benedito Bentes, onde Sandra vive. Por lá não havia filas. A ex-marisqueira não quis procurar o centro por ter como garantia o pagamento do auxílio emergencial até o fim do ano.

Na casa humilde, a maior preocupação de Sandra é conseguir a alimentação do dia seguinte - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
A maior preocupação de Sandra é conseguir a alimentação do dia seguinte
Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Futuro incerto

A mãe de quatro filhos diz que encara com preocupação a chegada do novo benefício. Ela sonha em ter o básico em casa — alimentação para todos, gás de cozinha, energia elétrica. Não quer ter de escolher quem vai se alimentar no dia seguinte.

Já colocou currículo em uma cooperativa de catadores e não foi selecionada. A desempregada vê minguarem as oportunidades. Às vezes pede dinheiro emprestado aos vizinhos ou compra fiado no pequeno mercado em frente à sua casa. "Estou até devendo para o vizinho de frente. Quando receber meu auxílio, vou lá e pago. Mas é luta, e assim vou vivendo, graças a Deus."

Além dos problemas enfrentados, ela também se preocupa com o filho de 16 anos que é dependente químico e está morando na rua. Nesse momento, o olhar fica distante e a fala, embargada.

A catadora não tem esperança de que o novo auxílio vá melhorar sua vida, não sabe o que precisa fazer para ter acesso ao programa, e vai aguardar para ver se há alguma mudança — na expectativa de que alguma carta chegue à sua casa ou quando tentar sacar dinheiro e tirar o extrato da conta. "É sempre a mesma coisa. Só há mudança quando a gente expõe na mídia."