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Colapsologia: o que preveem os 'profetas do fim do mundo' na França

Bombeiros tentam conter fogo na Floresta Nacional de San Bernardino, na Califórnia (EUA), em setembro de 2020 - Kyle Grillot/The Washington Post via Getty Images
Bombeiros tentam conter fogo na Floresta Nacional de San Bernardino, na Califórnia (EUA), em setembro de 2020 Imagem: Kyle Grillot/The Washington Post via Getty Images

Edison Veiga

Colaboração para o TAB, de Bled (Eslovênia)

01/02/2022 04h01

Os colapsologistas estão chegando, estão chegando os colapsologistas. Eles vêm junto com o fim do mundo — ou, ao menos, com o fim do mundo como a humanidade o conhece. São tempos de aquecimento global, poluição, pandemias, destruição sistemática do meio ambiente e tudo isso você já sabe.

O termo define uma linha de pensamento, um modo de ver as coisas ou mesmo um movimento. Começou a aparecer de forma recorrente a partir de 2015, na França. De lá, vem ganhando adeptos em todas as partes do esfacelado globo.

A popularização veio com livros publicados em francês: "Comment tout peut s'effondrer" (como tudo pode desmoronar, em tradução livre do francês), lançado em 2015 pelo engenheiro agrônomo Pablo Servigne e pelo cientista holístico Raphaël Stevens; e "Devant l'effondrement: Essai de collapsologie" (Diante do colapso: ensaio de colapsologia, de 2019), do matemático e político Yves Cochet.

"Colapsologia é uma ciência multidisciplinar que estuda as causas e os efeitos dos riscos de colapsos da civilização industrial", define ao TAB o especialista em relações internacionais Thomas Chatelard, vice-presidente da associação Adrastia e proprietário de uma empresa que oferece "coaching, aconselhamento e acompanhamento".

O problema começa aí: para muitos ambientalistas, colapsologia não é um campo científico e precisa ser encarada com cuidado. "Ciência é aquilo que passa pelas melhores revistas científicas, caracterizadas por revisão rigorosa de pares. Como eles procuram fundamentar conclusões em trabalhos científicos, é algo que faz parte do debate", argumenta o sociólogo e cientista político Ricardo Abramovay, professor da USP (Universidade de São Paulo) e colunista do TAB.

Também professor da USP, o agrônomo e economista José Eli da Veiga diz que a colapsologia "não é, nem nunca será, uma ciência com C maiúsculo". Mas pondera que, hoje em dia, "há muitos exemplos de áreas do conhecimento cujos pesquisadores convencionam chamar sua especialidade de ciência".

"Nesse sentido, o conjunto de pesquisas históricas sobre sociedades que colapsaram pode ser entendida, sim, como um campo científico", diz ele, citando o trabalho do biogeógrafo norte-americano Jared Diamond, em contraposição aos colapsologistas do "eixo Paris-Genebra", como ele classifica o movimento atual.

Em seu site oficial, a Adrastia lembra que "não pode ser excluída" a hipótese de que a crise da humanidade possa nos levar a um "fim do mundo". "Admitindo a inevitabilidade de um declínio ou mesmo de um colapso da sociedade no curto prazo, a Adrastia pretende promover o intercâmbio de informações e competências para melhor antecipar esse declínio, tentar evitar a degradação excessiva ou repentina das estruturas vitais das nossas sociedades e preservar as melhores condições de vida para o maior número possível [de pessoas]". A organização congrega mais de 400 membros.

É quase um "carpe diem" responsável, sob o entendimento de que a Terra está desenganada, respirando por aparelhos.

Chatelard afirma que "a recomendação é desenvolver a resiliência individual e local. Ser capaz de aceitar as mudanças quando elas ocorrem permite que o indivíduo siga em frente".

Há princípios claros. Um deles é apoiar pequenos produtores de alimentos, em vez de privilegiar grandes cadeias. Outra é fazer com que a própria casa seja cada vez menos dependente das conexões exteriores — seja instalando placas de energia solar, seja cultivando vegetais em hortas no quintal. "Algumas pessoas também param de usar carros e usam mais transporte público. Alguns se comprometem a não voar mais, mas a utilizar trens em viagens de longa distância", acrescenta ele.

Greta Thunberg - Yves Herman/Reuters - Yves Herman/Reuters
Greta Thunberg, ativista ambiental sueca de 19 anos
Imagem: Yves Herman/Reuters

E depois?

Alguém aí se lembrou da ativista Greta Thunberg? Sim, a pauta dos colapsologistas é muito semelhante a dos ambientalistas contemporâneos.

A principal diferença parece ser no "e depois?". Os colapsologistas são mais pessimistas — vêem um futuro para o planeta, mas não necessariamente um futuro para a humanidade.

"Sim, essa turma do eixo Paris-Genebra talvez possa ser encarada como extremista, 'ambientalista pessimista'", analisa Veiga. "Mas nem sempre são 'ambientalistas'."

Nessa perspectiva, como os colapsologistas pensam no futuro? É possível ter filhos, por exemplo? Chatelard diz que deixar descendentes é uma decisão privada. Ele próprio tem uma filha de 5 anos e diz ensinar a ela a cultivar "seus próprios vegetais", porque "a humanidade precisa de uma nova geração capaz de encontrar a felicidade nas pequenas coisas, mais do que em fazer vídeos com filtros de orelhas de cachorro".

"Se temos de parar de fazer planos para as próximas gerações, a resposta depende", diz ao TAB o economista e geógrafo colombiano Alejandro Balentine Guevara, membro do grupo Colapsologia América Latina.

"Se os planos são para um futuro tecnológico baseado em inteligência artificial, energia renovável e poder computacional, sim, é por aí. Devemos é parar de fazer planos absurdos, que são mais como distopias totalizantes."

Para o economista, se a sociedade contemporânea realmente estivesse preocupada com o futuro, os investimentos não seriam em tecnologias que automatizam demais a vida, de tal forma que nós "nos libertamos daquilo que nos faz humanos".

"Não se trata de dizer às pessoas para parar de ter filhos. Mas, pelo menos se é isso que se busca, uma leitura materialista da realidade e da trajetória atual pode informar esses casais para que o façam com conhecimento de causa", aponta ele.

Deficiência metodológica

Acadêmicos sérios costumam torcer o nariz para a colapsologia por uma razão simples: eles partem de uma modelagem artificial para prever uma problemática séria — ou seja, os riscos crescentes de extinção da vida humana.

O filósofo e engenheiro francês Jean-Pierre Dupuy explicou isso em uma palestra realizada na USP no início de 2020. Ele se incomoda inclusive porque Cochet se apropria de alguns conceitos de sua obra, descontextualizando-os.

Uma analogia que pode ser feita é com a célebre teoria malthusiana. No início do século 19, o economista Thomas Malthus (1766-1834) previa que faltaria alimento no planeta porque a população crescia em progressão geométrica, enquanto a produção, em progressão aritmética. Ele não atentou para o fato de que a tecnologia de produção de alimentos seria aprimorada.

"Se você pegar os dados atuais e projetar numa linha do tempo, considerando que tudo vai continuar do mesmo jeito, os colapsólogos teriam razão, já que as coisas estão em num rumo muito negativo", afirma Abramovay. "Mas não sabemos se iremos assistir ao surgimento de tecnologias que sejam suficientemente robustas para se contraporem às tendências atuais", explica. "Eles também não levam em conta o papel dos movimentos sociais."

Outro ponto importante é que o discurso acabaria desestimulando a chamada capacidade de mobilização.

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Imagem: vchal/iStock

Fazer do limão uma limonada

Consultora em inovação para a vida urbana, a jornalista e urbanista brasileira Santosha Natália Fontes Garcia, autora do livro "Sete Dias no Butão", tem estudado o movimento.

"A colapsologia é uma lente que serve para enxergar o colapso que estamos vivendo ou prestes a viver", define ela ao TAB. "Sou adepta da colapsologia por um lado, porque entendo que esse colapso sistêmico e generalizado está se apresentando e tende a piorar", explica. "Por outro, eu não encaro isso como algo ruim, porque me parece que apenas algo dessa magnitude pode abrir espaços mais orientados para o bem estar humano real. Isso serve para pararmos de tapar o sol com a peneira."

Ela lembra que há uma série de comportamentos insustentáveis hoje, como o sujeito que precisa se deslocar 3 horas por dia para chegar ao trabalho, ou mesmo aquele que exerce uma profissão que não lhe dá prazer.

"Os sistemas que criamos estão desconectados do bem-estar humano. É inevitável que isso gere a extinção da humanidade, tamanho o grau de depressão, de ansiedade, de diversos distúrbios. Vivemos uma situação de desencaixe. E tudo tem a mesma raiz: a ruptura com o bem-estar humano. Nesse ponto, essa ciência é útil ao nos mostrar isso."

Mas Garcia vê problemas na colapsologia por sua posição que "para no colapso", "não oferece uma solução". "Quando, na minha concepção, o cenário deveria ser de abertura para a possibilidade de uma nova forma de organização social", diz.

"A colapsologia não traz perspectivas de futuro. São pessoas desiludidas que entendem que tudo vai acabar e aí, que pelo menos, possamos nos encontrar, estar juntos para viver esse fim, se divertir, algo nessa linha. Essa teoria não me inspira. Eu procuro ir além", pondera.

Guevara defende que, mesmo entre os colapsologistas, "não há consenso". Ele cita o escritor e cientista político espanhol Carlos Taibo Arias com suas seis recomendações básicas: destecnologizar, despatriarcalizar, descolonizar, diminuir, desurbanizar e descomplexificar as sociedades.

Quase um control+alt+del nas ideias básicas que acabaram criando a civilização. Resta saber como vai ser o processo de reinicialização dessa máquina planetária.