A noite de medo no Museu Imperial, onde 35 pessoas dormiram no dia da chuva
Claudia Costa estava espantada com o volume da chuva. No final da tarde da última terça-feira (15), quando o Museu Imperial, no Centro Histórico de Petrópolis, preparava o encerramento das atividades, sua coordenadora técnica decidiu encerrar uma reunião para checar a situação no prédio principal, onde estão as joias do acervo. Era tanta água que Claudia precisou usar um carro para percorrer menos de cem metros entre os prédios.
Diante da tempestade, decidiu garantir a segurança dos visitantes e da equipe. Apesar da insistência de Claudia para que todos esperassem a chuva passar, alguns decidiram ir embora. Um grupo de 35 pessoas, entre funcionários e turistas, porém, permaneceu. As horas seguintes foram de tensão.
"Às oito da noite, quando o pior da chuva já tinha passado, vimos do pátio que o nível do rio que passa em frente à instituição, na Rua da Imperatriz, já tinha baixado, mas o entorno estava muito destruído. Seria arriscado seguir entre o barro e o lixo trazidos pela enxurrada. Não havia outra opção senão passar a noite no museu", conta ela.
Para acomodar os hóspedes inesperados, Claudia levou o grupo para a biblioteca da instituição, onde ajeitou móveis e cortinas. Para tranquilizar as crianças, puxou assunto sobre o filme norte-americano "Uma noite no museu". E, para aliviar a fome do grupo, lançou mão dos pacotes de biscoito que guardava no escritório.
"Falar sobre o filme foi a forma que encontrei para acalmar as crianças, mostrar a elas que estávamos em segurança e que logo aquela situação inesperada ia acabar bem", diz.
Claudia conta que, mesmo seguros, os adultos estavam ansiosos diante das notícias que chegavam pelo celular. Às 3 da manhã, com as crianças dormindo e adultos mais tranquilos, Claudia conseguiu ir até sua casa, em um bairro não muito distante. Tomou uma ducha e voltou. Deixou para trás os calçados cobertos de lama.
"Ao sair, presenciei um cenário de guerra. Era tudo muito pior do que eu imaginava. Havia carros virados, pontes destruídas, árvores caídas, lama e muito lixo no caminho", lembra.
Com o dia claro, funcionários e turistas começaram a deixar o Museu. Alessandra Nogueira, seus filhos Luiz Otávio, 13, Antonella, 4, e a prima Isabela, 13, porém, só saíram ao meio-dia. Foram os últimos a deixar o lugar. O carro da família de turistas de Curvelo (MG) tinha sido destruído pela enxurrada.
Destruição em sítio arqueológico
A lama também cobriu parte de uma história que voltava à luz depois de mais de um século de esquecimento. A enxurrada, que traz um luto frequente à cidade, também tomou um sítio arqueológico descoberto recentemente nos jardins do Palácio de Cristal, a um quilômetro de distância do Museu Imperial.
"Nada se compara à perda de vidas humanas, mas esse tipo de dano não pode ser subestimado", resume Giovani Scaramella, diretor da Grifo Arqueologia, empresa contratada para a investigação histórica no entorno do palácio construído em 1884.
O trabalho de arqueologia teve início em maio de 2021 com uma descoberta quase casual. Em 2019, o Palácio de Cristal fora fechado ao público para uma série de reformas, que a princípio não tinham sido autorizadas pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Quando as obras pararam, a equipe acabou notando pedaços de telhas, tijolos, vidros, louças e outros vestígios do século 19 no sítio.
Até a tempestade da última terça-feira (15), 350 m³ — o equivalente a 60 caminhões de terra — já haviam sido peneirados no lugar. O trabalho de arqueologia desvenda o contorno do jardim original, criado provavelmente por Auguste François Marie Glaziou, conhecido como "o paisagista do imperador".
Pedras e contornos dos jardins do palácio estão 40 centímetros abaixo das valas abertas. "Mas veio a chuva e, com ela, a inundação. E tudo virou lama", diz Scaramella.
Orgulho da cidade e palco de festas e exposições, o Palácio de Cristal fica na Praça da Confluência, assim chamada por ser o ponto geográfico de união entre os rios Quitandinha e Palatinado. Com o temporal, os rios transbordaram e a água invadiu o palácio. Os operários precisaram se proteger sobre o palco. Nos jardins, as marcas da água chegam a 1,5m de altura.
Não se sabe sequer o que será feito do sítio arqueológico encontrado. Responsável técnico pelas obras no Palácio de Cristal, Claudio de Carvalho, da empresa Engeprat, afirma que, com os estragos, é impossível fazer qualquer previsão. "Não sabemos quando retomaremos. Existem outras prioridades no momento, mas é certo que a obra não ficará abandonada."
O impacto ainda não foi mensurado. Mais de 48 horas após o temporal, o Iphan ainda não havia mandado representante técnico ao local tombado. Em nota, a assessoria de comunicação do Iphan-RJ afirmou que, "diante das consequências do desastre para áreas tombadas na cidade, o corpo técnico do Instituto está promovendo vistorias para avaliar o impacto das chuvas para o Patrimônio Cultural local. Teremos informações mais precisas nos próximos dias e semanas, conforme as vistorias se encaminharem".
A poucos metros do Palácio de Cristal, ainda impressionam as marcas da força da correnteza. Na Casa da Princesa Isabel, o muro de tijolos e as grades de ferro fundido foram derrubados como se fossem papel. As camélias brancas deram lugar à lama e escombros.
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