'Vão surgindo': os cortes 'toscos' de Susan, estrela das tesouras em SP
Susan tem o cabelo raspado. Parece até incongruente, piada feita por quem está acostumado a deixar o cabelo dos outros tudo, menos raspado — talvez um pouco raspadinho dos lados, só. O cabeleireiro, que também atende pelo codinome Cortes Brabos, faz a cabeça de jovens no Brasil com sua estética braba. Do grosseiro ao angular, passando por cores berrantes e estampas excêntricas, Susan tem feito seu nome encabeçando uma cena que enxerga nos cortes de cabelo parte essencial de identidades várias.
"Me considero um artista", diz o jovem de 23 anos em mais uma tarde no salão de cortes em que trabalha, o Pelo Tosco, no bairro de Santa Cecília, no centro de São Paulo. Por ali, a lista de atendimento já virou lista de espera. É questão de semanas para encontrar lugar na agenda de Susan e deixar a cabeça virar moldura. Hoje, o cabeleireiro mal tem tempo em meio a tantas reservas de quem quer dar um tapa na peruca. "Sempre gostei da estética agressiva, coisas fora da linha, com cara de bagunçada", explica.
O método de Susan é também bagunçado — uma bagunça organizada. O corte começa com uma conversa. Papo vai, papo vem, cliente e cabeleireiro se decidem por quais caminhos seguir. Tesoura na mão e uma ideia na cabeça, Susan começa a aparar pontas, encontrar entradas e saídas, puxar daqui e dali, navalhar um teco e usar a maquininha em outro. Pode levar uns 50 minutos, e se for tingimento leva mais tempo. "O corte vai surgindo na hora", diz Susan.
Como na pintura, o estilo do artista se revela ao se mirar a obra por inteiro. Há dois formatos que se destacam, diz Susan: o shaggy, um corte desgrenhado com pontas em direções aleatórias, e o mullet, aquele velho conhecido oitentista — batidinho dos lados e longo atrás. "Esses cortes representam uma volta, é algo retrô", explica Susan. "E esses cortes também são curtos e longos ao mesmo tempo."
A recusa por um modelo predeterminado é, de certa forma, essência do salão de Susan. Parte do seu público é formada por jovens LGBTQIA+, pessoas que buscam dar vazão a suas formas de existir também no cabelo. A DJ e performer Eric Oliveira, que acabara de sair das mãos de Susan, disse: "O corte ficou mais do que eu esperava!". O penteado em vermelho com retas oblíquas e linhas tribais na cabeça era registrado por Susan pelo celular. "Vai tudo pro Instagram", disse o cabeleireiro.
As redes sociais são um espaço privilegiado para seu trabalho. Por ali, o jovem artista encontra clientes, se conecta a outros cabeleireiros que andam nesse mesmo fio de corte e, claro, busca inspirações. "O movimento punk, o glam rock e o grunge são referências pra mim", diz Susan. "Mas minha maior referência visual hoje em dia é a cena techno de São Paulo." É comum encontrar Susan em festas de música eletrônica e performances pouco ortodoxas, como Mamba Negra e ODD. Também é comum encontrar cabeças que passaram por ele nessas mesmas festas. "Sempre lembro os cortes que faço."
Corta cabelo, cresce influência
Susan chegou a São Paulo há pouco menos de um ano. Após algumas idas e vindas entre Rio e a capital paulista, decidiu ficar na cidade. Nasceu em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro. A mãe também é cabeleireira. "Cresci num ambiente de salão, um ambiente que certamente me inspirou."
Apesar da criação, os primeiros cortes foram uma descoberta — e uma necessidade. "Comecei a cortar meu cabelo em 2014, 2015, porque não me encontrava em lugar nenhum", diz ele, que também se descobriu um homem trans em meio a essa jornada. "Sempre quis estar fora da binariedade."
Na faculdade, Susan passou a cortar cabelo de amigos no prédio do curso de ciências sociais da UFF (Universidade Federal Fluminense), onde estudava. O passatempo foi se transformando em ofício e, via internet, o jovem começou a ganhar renome. Antes mesmo de terminar a graduação, recebeu convite para atuar em um salão no Rio de Janeiro. E foi.
A experiência foi útil para que Susan se visse, pela primeira vez, como um cabeleireiro profissional. Já longe das asas da mãe, afiava seu estilo sem abrir mão do traço autoral. "Mas trabalhar em salão é foda", diz ele. "Às vezes, é só 30%, 40% do valor do corte que fica com o cabeleireiro."
Por volta de 2020, Susan voltou ao corte independente já como Cortes Brabos. Em São Paulo, ele encontrou em São Paulo o grosso da sua clientela e uma comunidade. Susan é um dos nomes entre outros jovens cabeleireiros e coloristas que fogem aos cortes e cores de sempre — aqueles que estampam os recortes de revista colados nos espelhos dos salões de beleza.
Nomes como Susan, Cocoloko ou Leticia Pepper arrastam alguns milhares de seguidores no Instagram e pulam de cidade em cidade vendendo seu trabalho, mais ou menos como artistas mambembes ou tatuadores cobiçados. "Eu me sinto como parte de um movimento, como cabeleireiro e artista", diz.
Pelo Tosco também nasceu para Susan do misto de descoberta e necessidade: a identificação com outros profissionais estimulou o cabeleireiro e amigos de corte a abrirem um salão em que todos pudessem trabalhar. A localização veio bem a calhar — a Santa Cecília é o atual canto descolado de São Paulo —, e na sobreloja próxima à igreja do bairro pessoas entram com o cabelo normal para ressurgirem na rua com o cabelo tosco.
"Reformamos tudo por conta própria e estamos aqui desde outubro. Somos oito residentes, todo mundo faz tudo, e vem cabeleireiros de outras cidades também pra fazer temporadas aqui. E cada profissional tem seu estilo."
Quando a agenda permite — são entre 10 e 18 cortes por semana —, Susan volta a Campos para visitar a mãe. "Ela não gostava no começo, mas hoje tem muito orgulho do meu trabalho", conta Susan, que hoje é referência de tesoura e tinta, queridinho das cabeças inquietas que dá lições de estilo que servem da cabeça aos pés: "você precisa saber usar o corte, e meu movimento é ir contra o que se espera do cabelo, porque cabelo é identidade, é mais um jeito de se expressar".
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