Topo

Inspirado em Van Gogh e Monet, gaúcho fez mil quadros pintando com a boca

Jeferson Luis Hoffmann, artista que pinta com a boca, em Nova Petrópolis (RS), já fez cerca de mil pinturas a óleo - Luciano Nagel/UOL
Jeferson Luis Hoffmann, artista que pinta com a boca, em Nova Petrópolis (RS), já fez cerca de mil pinturas a óleo Imagem: Luciano Nagel/UOL

Luciano Nagel

Colaboração para o TAB, de Nova Petrópolis (RS)

18/07/2022 04h01

O gaúcho Jeferson Luis Hoffmann, 36, de Nova Petrópolis (RS), agarra o pincel para pintar suas telas. Já fez cerca de mil quadros usando a técnica de pintura a óleo. Gosta de Van Gogh e Monet e, inspirado em campos, casas, jardins floridos e animais, cria quadros coloridos, esbanjando alegria. Tudo com o pincel na ponta da língua, literalmente.

Tetraplégico, Jeferson é o único artista no Rio Grande do Sul a integrar a APBP (Associação dos Pintores com a Boca e os Pés), fundada em 1956 pelo artista alemão Erich Stegmann, que pintava com a boca. Com sede na Suíça, a instituição reúne 800 artistas de 75 países — no Brasil, atualmente há 55 pintores com deficiência que produzem suas obras com auxílio da boca e dos pés.

Jeferson nasceu prematuro, pois a mãe, Clair Hoffmann, hoje com 71 anos, precisou de uma cirurgia de apendicite urgente. Ele foi transferido para o Hospital São Lucas, em Porto Alegre, onde ficou internado por dois meses, dentro de uma incubadora. Fragilizado e com imunidade baixa, acabou contraindo meningite e perdeu os movimentos do tronco, pernas e braços.

Clair conta que eles tentaram de tudo, levaram o filho para passar por cirurgias em São Paulo e Brasília, mas não foi possível recuperar a mobilidade dele. Na infância, Jeferson frequentou a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e, depois de muita insistência dos pais, conseguiu ser incluído em uma escola para concluir os estudos. Até os 18, fez equoterapia e hidroterapia para fortalecer a musculatura e incentivar a capacidade motora. Fisioterapia ele faz até hoje.

Jeferson Hoffmann, artista que pinta com a boca, em Nova Petrópolis (RS) - Luciano Nagel/UOL - Luciano Nagel/UOL
Jeferson e a amiga Marta, que o ajuda na mistura das cores das tintas e alcança os pincéis
Imagem: Luciano Nagel/UOL

Da Vinci, não

O interesse pela pintura surgiu em 1998. Jeferson saiu de uma sessão de fisioterapia e passou em frente a uma galeria de arte de Nova Petrópolis na companhia da mãe. Viu obras de um artista plástico gaúcho e, de tão fascinado que ficou, quis procurá-lo para ter aulas de pintura, uma vez por semana, 3 horas por dia. Foi assim que aprendeu a arte.

A professora e amiga Marta Liana Buhs, 48, é quem o ajuda atualmente. Eles se conheceram na APAE em 1994. Ela o alfabetizou e até hoje o acompanha, ajuda na mistura das cores das tintas, alcança os pincéis e os posiciona na boca do artista.

"O esforço dele é muito grande, mas ficar com o rosto muito perto da tela prejudica um pouco a visão, então ele precisa ter uma pausa durante as pinturas'', conta Marta.

Pintar com a boca ou os pés já é difícil. Reproduzir "A Última Ceia'', uma das obras mais emblemáticas do pintor renascentista Leonardo Da Vinci, imagine. Jeferson fez uma versão num quadro de 60 cm por 90 cm, um trabalho que levou três anos. "Nunca mais", diz o artista, com bom humor.

O quadro foi arrematado pelo empresário gaúcho José Luis Diel, 57. "Jeferson estava fazendo uma exposição de suas obras em Picada Café, aqui na região da Serra [Gaúcha]. Comprei a obra em 2010 e fiquei impressionado", conta. O valor da tela não foi revelado.

Obras de Jeferson Hoffmann, artista que pinta com a boca, em Nova Petrópolis (RS) - Luciano Nagel/UOL - Luciano Nagel/UOL
Obras de Jeferson, na sua casa em Nova Petrópolis, cidade de 21 mil habitantes no RS
Imagem: Luciano Nagel/UOL

Van Gogh, sim

Vincent Van Gogh, o pintor holandês conhecido por seu gênio difícil, é o artista preferido de Jeferson. "Muita gente que entende de arte afirma que tenho traços de pintura parecidos com os dele. Digo brincando: ele que pintava igual a mim'', brinca.

Jeferson também pintou uma tela para a Sicredi (Sistema de Crédito Cooperativo) na América do Sul, um quadro com o monumento do padre suíço Theodor Amstad, patrono do cooperativismo brasileiro, que viveu no país entre 1885 e 1938. A Sicredi de sua cidade encomendou a obra para presentear o diretor da cooperativa, Márcio Port, 49, pelos 25 anos de trabalho dedicados à instituição, em 2017. O trabalho levou seis meses.

Port foi vizinho de Jeferson por 12 anos na cidade de cerca de 21 mil habitantes. "Sabia das habilidades dele, da sua pintura", diz. "A riqueza de detalhes desse quadro é significativa, são os principais pontos turísticos do cooperativismo da cidade'', conta ele, que guarda o quadro no escritório. "Tem uma simbologia muito grande, tanto pelos aspectos retratados na obra quanto pelo carinho e a forma de como foi pintada. Representa muito para mim.''

Jeferson visitou um ponto na cidade que abrigaria o festival Esculturas Parque Pedras do Silêncio, em 2018. Fotografou as esculturas dos imigrantes alemães ali retratados e, na abertura da festa, deu um quadro inspirado nas artes de presente para o amigo Valmor Reckler, 57. "Jeferson sempre me causou muita admiração e surpresa com o trabalho dele por todas as limitações que tem", comenta. "O trabalho é fantástico, não só pela parte artística, mas pela superação para fazer essas maravilhas.''

Todos os anos, as telas pintadas por Jeferson são fotografadas e mandadas para a filial da APBP em São Paulo. Depois, as obras dos artistas são transformadas na Suíça em cartões de Natal, calendários, postais e outros produtos. A verba adquirida vai para a associação, e os autores das obras recebem uma bolsa para comprar materiais de pintura e manutenção artística. O gaúcho gostaria de um dia poder visitar a sede suíça e fazer novas amizades.