'Odeio ver homem dormindo': Miriane orienta mulheres, mas rejeita feminismo
Às 16h de uma quarta-feira, a advogada Miriane Ferreira, 36, parece recém-saída de um dia de noiva. Vestindo um look sóbrio de couro preto, ostenta pele, cabelos e unhas impecáveis enquanto abre a câmera com pontualidade britânica e mostra a que veio nas redes sociais: seu carisma chega ainda mais rápido do que a imagem ou o som da chamada.
Emoldurada por um escritório que lembra os cenários de novelas de Manoel Carlos, Miriane vai descrevendo, cheia de eloquência, os caminhos que a levaram ao estrelato na internet. Com mais de 680 mil seguidores no Instagram, a advogada de Londrina (PR) responde a perguntas cabeludas sobre direito de família em vídeos curtos e em lives que abordam temas como heranças, partilha de bens, traição e pensão alimentícia.
Em dois momentos deste ano, Miriane viralizou e ganhou fama de "kinga" (gíria para "rainha") nas redes sociais. "Tomei um susto, achei que estavam me chamando de quenga", relembra. Já o apelido de "a Legalmente Loira de que o Brasil precisa" foi bem recebido desde o começo, mas ela esclarece que não começou a advogar por amor à profissão. Miriane queria ser juíza, só que a vida tinha outros planos para ela.
Do caos à fama
Filha de mãe solo que criou três filhos como pôde — a advogada conta que o pai foi-se embora com outra família quando ela ainda era pequena —, ela sentiu na pele a revolta contra os homens que desamparam suas parceiras. Enquanto terminava a graduação, acabou aconselhando amigas em processos de divórcio aqui e ali.
"Sou a amiga rebelde, sempre fui. Aquela que falava 'não aceita essas coisas de homem', 'larga ele!', 'não abaixa a cabeça'. Não tive exemplo de mãe submissa dentro de casa, então acho inadmissível", explica.
Quando começou suas práticas jurídicas, Miriane conta que se envolvia mais do que o esperado em casos de mulheres carentes que passavam por apertos legais na separação. "O que o homem falou que vai dar, tá falado. Elas não discutem. Eu pegava o telefone e falava 'não, você tem que vir aqui!'. Não me conformava, tinha vontade de investigar a vida da pessoa — e às vezes fazia isso mesmo, para ajudar", afirma. Pouco a pouco, os planos do magistrado evaporaram e Miriane prosperou como advogada de família. Atualmente, uma consulta online de 40 minutos com a especialista sai por R$ 600.
Durante 2020, grávida de seu terceiro filho e recolhida por causa da pandemia, Miriane passou a consumir vídeos de coaches e mentores. Veio o estalo: "Olha, gente, que bacana. Acho que tenho muito o que falar também", pensou. Seu perfil no Instagram ganhou forma há um ano, com o propósito de atrair clientes — mas só deslanchou quando a advogada começou a responder às perguntas da audiência com uma pitada de opinião.
A rede tem servido para trazer mais consulentes e ampliar sua reputação. Ela relata que ainda não fez publicidade porque nenhuma marca ofereceu parcerias em que ela acredite por um valor que valha a pena. Pretende também ministrar um curso online para advogados e está cursando um mestrado em direito e tecnologia.
Feminista, eu?
Aos nove minutos de entrevista, Miriane já havia afirmado por três vezes que não se identifica como feminista. Já sobre a forma como defende os interesses das clientes nas redes, esclarece seu posicionamento. "Não acho que a mulher tem que pegar o papel do homem." E qual seria o papel do homem? Para a advogada, o de provedor.
"Por mais que a mulher trabalhe — e acho que tem que trabalhar —, a responsabilidade tem que ser deles. Se não, você inverte papéis e não dá certo no futuro. Aquele homem que tem uma mulher que faz tudo pelo parceiro tira toda a masculinidade dele, e ele vai virar um filho da companheira. Não vai tratá-la bem, não vai respeitá-la", reflete.
Miriane acredita que as mulheres precisam ser tratadas de forma diferente por serem mais vulneráveis. "Eles se aproveitam disso para passar por cima da gente. A mulher tem que ser muito bem tratada. Eu não quero ter direitos iguais, mesmo porque isso nunca vai existir", lamenta, e afirma que já esteve em relacionamentos abusivos quando era mais jovem.
"Os 'princesos' acham que a mulher tem que pagar metade das contas, mas eles querem chegar em casa e ter jantar pronto, as crianças arrumadas, e em nenhum momento vão pensar 'não, ela está dividindo a conta, então eu vou fazer o serviço de casa'. Se a mulher não deixar tudo impecável, ela é a porca. Eu falo que as mulheres foram atrás dos direitos delas, mas não deram mais deveres para os homens. Pegaram os deveres que eram deles e ficaram sobrecarregadas. Se estão pagando a conta agora, então que elas exijam mais dos parceiros para serem homens diferentes, para que eles lutem ainda mais pela família porque elas estão lutando também."
Nessa reflexão, sobrou até para o ator Caio Castro, que recentemente virou meme na internet reclamando de pagar jantares para parceiras. "Vê, um homem rico daqueles, querendo dividir uma conta. A gente está vendo uma inversão mesmo. As mulheres indo pra frente — o que é maravilhoso — e os folgados, os princesos, ali encostados. Quando eu falo que o homem deve ser provedor, parece que eu tô falando que lugar de mulher é na cozinha. Não é."
Por causa desse limbo entre ser e não ser feminista, a advogada vem sofrendo ataques de grupos masculinistas na internet.
"Eles me chamam de feminista e eu descobri coisas de que nunca tinha ouvido falar, uns negócios de red pill, blue pill, MG-não-sei-das-quantas", diz, referindo-se ao grupo masculinista MGTOW. "Antes eu nem acreditava tanto na ideia de feminicídio, mas tem mesmo homem que odeia e mata mulher por ser mulher", constata.
Miriane diz que foi justamente um perfil masculinista de TikTok que a tornou famosa: o grupo espalhava vídeos da advogada entre os haters de mulheres. "Agora, vira e mexe chegam comentários dizendo que estou instruindo golpistas. Me encontrei na produção de conteúdo e acho que estou ajudando, porque agora estão surgindo haters. Quando vem um homem revoltado, vejo que meu trabalho está chegando onde deveria, sabe?"
Legalmente loira
Quando o assunto é autoimagem, Miriane confessa que o sucesso de suas falas nas redes foi uma espécie de libertação: pela primeira vez na vida, está sendo reconhecida pelo que pensa, não apenas por sua aparência.
"Na faculdade, eu via os professores falando por tanto tempo de um assunto e pensava que, se eu fosse falar de algum assunto assim por muito tempo, acho que seria de cabelos. Não tinha nada que eu gostasse. E agora minhas lives de direito de família duram duas horas, o que é maravilhoso, é um sonho".
Talento à parte, a advogada diz que sente fome 100% do tempo para não engordar. E que, desde muito jovem, segue o mesmo estilo: usa apliques loiros, faz dieta regularmente, não gosta de malhar e já realizou procedimentos de maquiagem definitiva porque não sabe se maquiar — e não gosta de perder tempo com isso. Também faz terapia há 10 anos, mas não tem certeza sobre qual é a linha do psicólogo.
Todas as manhãs, recebe o cabeleireiro em casa antes de sair para deixar as crianças na escola e seguir para o escritório. Conta que trabalha até as 23h e não gosta quando um parceiro faz menos esforço do que isso. "Se tem uma coisa que me irrita é homem dormindo. Eu odeio homem dormindo. Se me liga às onze da noite porque ainda tô no escritório, já aviso: 'Tô trabalhando. Eu tenho tudo o que queria na vida? Não. No dia em que eu tiver, ou que você me der, aí você pode me dizer para ir pra casa".
E para que tanta ambição? A mulher que já viu muitos filhos dando golpes em pais responde, sem meias palavras, que seu objetivo com tanto esforço é ser muito rica. Em benefício dela mesma — não dos herdeiros. "Esse exemplo de trabalhar com prazer é bom para as crianças. Mas não quero dar tudo para eles, porque filho acomodado é igual a homem acomodado. A gente não pode dar tudo pra eles. Dou muito estudo, amparo psicológico, e se algum filho me agradar muito assim, posso dar uns presentinhos".
Questionada sobre seu último casamento, Miriane revela que não assinou a tão recomendada partilha universal de bens com um homem rico. Em casa de ferreiro, o espeto é de pau? "Não. É que casei com pobre. Pobre não, remediado, como eu. Jamais casaria com um rico sem a partilha universal".
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