'Vontade de deixar a unha encravar': o sucesso do podólogo de Goiás

Todos os dias antes de dormir, a mineira Aline Rodrigues, 30, tem um ritual. Deita na cama, pega o celular e abre o YouTube para ver cenas e sons que lhe transmitam tranquilidade nas horas finais da rotina com seu bebê. Em vez de perder tempo com vídeos ao redor das hashtags #relax e #sleep, como os que mostram aquários ao vivo, imagens zen com barulho de chuva ou práticas "estranhamente relaxantes" de limpeza e organização, seu alvo é outro.

"Olha, algumas pessoas acham que sou doida por ver esses vídeos, mas é extremamente relaxante para mim", confessa ela, antes de especificar o conteúdo. "Sinto verdadeiro alívio e satisfação ao ver unhas sendo desencravadas, calos removidos e pus saindo de dedos machucados. Comecei há dois anos e não parei mais."

O grande responsável pela obsessão de Rodrigues trabalha em um consultório na cidade de Catalão (GO). Caso os 113 mil habitantes do município fossem multiplicados por dez e se inscrevessem todos no canal do podólogo Maurélio Neto no YouTube, ainda assim não bateria o número de 1,2 milhão de seguidores que, como Aline, se regozijam com o dia a dia do profissional de pés e mãos.

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Neto virou um tipo específico de influenciador digital, quando passou a publicar vídeos de procedimentos de consultório em 2017. As imagens feitas pelo celular iam parar no YouTube sem pretensão alguma — ele jamais imaginava a repercussão que teria. Hoje, não é incomum que o reconheçam na rua e peçam foto com o goiano de Rio Verde, que já foi chamado de "Michelangelo das unhas" pelos fãs. Seu canal é o terceiro maior do mundo na área de podologia — o conteúdo também tem conquistado espaço no Instagram e TikTok.

"Olá, querida, tudo bem? Muito obrigado pela indicação, pode deixar que vou cuidar direitinho dela, viu?", disse Maurélio numa manhã de segunda-feira ao celular apontado de uma nova cliente, que se mudara há pouco de Rondonópolis (MT) para a cidade. A mensagem era direcionada a sua ex-podóloga que, mesmo sem conhecer o homem de 41 anos, fez questão de indicá-lo a partir do trabalho nas redes.

"Isso tem acontecido toda hora de um tempo para cá", revela Maurélio, que já recebeu clientes vindos de distâncias superiores a 500 km para um atendimento. "Esses dias teve uma mulher do Rio de Janeiro passando na cidade que veio aqui só para tirar foto comigo, não foi nem para ser atendida", lembra ele, que não cogita se mudar para uma cidade maior, mesmo já tendo recebido convites.

'Foi só pegar num pé'

Não são só unhas desencravadas, mas um rol de procedimentos médicos fazem parte do conteúdo disponibilizado no canal "Podólogo Maurélio". De manhã, o comum é que os atendimentos privilegiem limpezas, cortes de unha e controle de fungos - essa última a situação da paciente mato-grossense. De tarde, no entanto, costumam ser atendidos os casos mais urgentes e que demandam mais cuidado como calos, bichos de pé, unhas encravadas, ferimentos que soltam grande quantidade de pus, granulomas e outros.

São esses casos que o podólogo costuma gravar, sempre com o consentimento do paciente, no consultório que conta com luzes de estúdio e um suporte especial para o celular. Falando em voz baixa, som de água caindo ao fundo e com movimentos delicados, Neto vai explicando o problema e retirando resíduos da unha com uma espécie de formão — certa feita, interrompe a fala para ajustar a câmera e dar um pouco mais de zoom, como pedem (e adoram) seus inscritos. Foi assim, com tranquilidade e sem dor, que uma cliente da parte da tarde viu sair a parte encravada da unha. "Vou levar para casa e mostrar para minha manicure depois", disse ela, exibindo o ex-apêndice na mão, com orgulho e alguns risos.

Antes de se formar podólogo e começar a atender em 2010, Maurélio largou o curso de agronomia em Uberlândia para se dedicar à área, só regulamentada no país em 2018. Foi incentivado pela esposa, Tatiana, e seu sogro, ambos podólogos de longa data. Lembra ele que os dois insistiam na realização do curso e "foi só pegar num pé pela primeira vez para eu me apaixonar".

A ideia de gravar os atendimentos veio pelo que diz ser uma antiga "má fama" da profissão. Não é raro que manicures ou os próprios pacientes tentem tratar seus problemas sem ajuda profissional, o que fez o cuidado com essas áreas serem associadas a dor, sangue e sofrimento prolongado, afirma ele. Se alguns comentários no canal apontam uma suposta "lentidão" nos vídeos, Maurélio Neto afirma que tudo se resume ao cuidado — além de que não suporta sangue.

Maureletes

Como uma das mais ativas na caixa de comentários do canal, Rodrigues é o que alguns seguidores chamam extraoficialmente de "maurelete", ou fã incondicional do podólogo. Ela afirma gostar principalmente de vídeos com ferimentos com pus, excreção que não raramente é comparada a "leite condensado" - "meus olhos chegam a brilhar", escreve ela em uma das respostas. Os comentários são outra atração do canal. "Cada um com o seu ASMR, esse é o meu", diz uma seguidora, enquanto outra revela "vontade até de deixar encravar a unha!". Outro aponta receptividade no gosto pelos vídeos: "Achei que eu não fosse normal. Agora vejo que sou."

Rodrigues explica que enquanto muitos acham "nojento", anima-se com a possibilidade de tratar pessoas. Maurélio também associa o relaxamento ao cuidado, já que a temática dos vídeos é a de alguém que chega sentindo dor e tem um alívio depois de ser atendido. Os dados do seu canal também apontam que grande parte de seus inscritos também assiste a vídeos de extração de cravos e espinhas, além de cera de ouvido, outros gêneros que ganharam apelo enorme na TV e nas redes sociais.

Cerca de 70% do seu público no YouTube é formado por mulheres, a grande parte de entre 25 e 64 anos. Antes da fama ele atendia das 6h às 21h. Hoje, consegue trabalhar menos (faz 6 atendimentos por dia, em média), focando no conteúdo digital — ele mesmo é responsável pela edição e postagem.

A equipe conta com mais quatro pessoas: uma recepcionista, um designer, uma responsável pela moderação e atendimento aos clientes da loja online, além de um tradutor para o inglês. Quase 10% da média de 1 milhão de visualizações diárias do canal vêm dos EUA e são vários os pedidos por legendas.

Maurélio Neto afirma que a quantia feita na plataforma já superou o que ganha nos atendimentos (consulta simples custa R$ 250; desencravar unhas, R$ 500) e chega aos cinco dígitos por mês, pagos em dólar. A remuneração seria ainda maior se a maioria dos seus vídeos não tivessem a monetização limitada, já que o YouTube costuma classificar as gravações como conteúdo sensível, exibindo o aviso de que as imagens podem ser "impróprias para alguns usuários".

Com a fama, vieram as brincadeiras sobre a "voz de locutor" e a vontade que alguns fãs têm em ser chamados de "coração" por Maurélio, que costuma tratar assim suas clientes. Ele não leva para o lado pessoal. "Meus fãs sabem que eu sou casado", diz com seriedade. Os elogios sobre "lindos pés" de pacientes também podem movimentar os comentários dos vídeos e ao menos uma vez um fã entrou em contato pedindo o telefone de uma pessoa cujos pés foram destaque de uma gravação - obviamente, ele não conseguiu.

Muito mais comum, no entanto, é ver pessoas parabenizando o podólogo, principalmente nos vídeos com idosos, bebês e problemas mais sérios. Em grande parte deles, o especialista tem sua própria forma engraçadinha de terminar: pega o dedão do paciente, balança-o levemente e, como se estivesse acenando, diz um "tchau" alongado.