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De Faustão a Gugu: caravanista já foi a mais de mil programas de auditório

Maria do Carmo leva caravanas da região do ABC para programas de auditório da Band e Globo - Marcelo Justo/UOL
Maria do Carmo leva caravanas da região do ABC para programas de auditório da Band e Globo Imagem: Marcelo Justo/UOL

Colaboração para o TAB, de Santo André (SP)

17/07/2022 04h00

Tente se lembrar de todos os programas de auditório que você conhece e saiba que a pernambucana Maria do Carmo Pinheiro, 63, muito provavelmente já esteve lá. Ela não precisa se preocupar com a rivalidade entre emissoras. Onde tem plateia, encontra as portas abertas: Globo, SBT, Band, Record, RedeTV!, Multishow e até Netflix. Maria vive todos os dias o sonho de aparecer na televisão e conhecer famosos e ainda ganha um dinheirinho para isso. "Fui a muito mais que mil programas de auditório."

São 7h na Vila Leopoldina, na cidade de Santo André, na Grande São Paulo. Maria do Carmo está sorridente mergulhada no smartphone, organizando pelo WhatsApp um grupo de 45 pessoas que irão com ela para a plateia do "Faustão na Band". Na mesa da cozinha, a filha Tatiana Morais, 26, se maquia em silêncio. Está quase pronta para ir junto — foi por sua causa, inclusive, que a mãe se tornou caravanista.

Maria chegou em Santo André aos 18 anos, porque queria sair da sua cidade pequena, Belo Jardim (PE). Era apaixonada pelo primo, Antônio Rodrigues, que já morava no ABC. Ambos são casados há 45 anos. Além de Tatiana, têm mais duas filhas de 43 e 39 anos, mas essas não vivem o universo das caravanas diariamente.

Tatiana sempre foi muito fã do Rodrigo Faro, lembra a mãe. Quando o via na televisão, ficava encantada. Aos 14 anos, em 2010, pediu para conhecê-lo. E lá foram elas atrás da realização do pedido. O cunhado da Maria, que era contrarregra na Record, conseguiu colocá-las como convidadas em uma das plateias do "Vai Dar Namoro", que Faro apresentava na época. "Ela chorava tanto... pensei que a menina ia desmaiar", diz. Depois de descobrir o caminho das pedras, era óbvio que a Tati iria querer ver o ídolo mais vezes.

Continuaram indo quando dava, levando mais pessoas e formando pequenos grupos. Essa movimentação chamou atenção de uma caravanista de Santo André, Maria de Lourdes Correa, a "Lourdona", que a convidou para organizar caravanas. Na época, Maria era costureira de confecção, mas começou a conciliar as duas funções numa rotina que durou oito anos.

Aos poucos, foi assumindo as funções da amiga até substitui-la quando ela faleceu, em abril de 2019. Outra pessoa que também ajudou muito nessa caminhada foi Anderson Rodrigues, que é caravanista de São Bernardo do Campo, também na Grande São Paulo. Ele a apresentou para produtores de plateia na Globo e RedeTV!.

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Maria do Carmo e a caravana, no almoço em uma churrascaria com a caravana do dia
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Mais um dia, mais uma plateia

Com o corte de custos da Band naquela segunda-feira (4), a caravana que antes participava da gravação de apenas um programa, participaria de dois. Se o clima era de tensão e demissões no programa do lado do palco, a missão do grupo seria animar o auditório do "Na Pista do Sucesso", que tem apresentação de cantores famosos, e o "Churrascão do Faustão" que teria a dupla Chitãozinho e Xororó. Cada gravação tem pouco mais de 2 horas, com intervalo entre elas para o lanche. A previsão de saída da emissora é às 20h.

A viagem começa às 7h30, em direção o estúdio da Bandeirantes, que fica no Morumbi, na zona sul de São Paulo. As emissoras enviam o transporte, que é feito por empresas terceirizadas. Ali havia três vans de 14 lugares. Maria diz que quando vem ônibus, é mais fácil: "Você leva todo mundo junto, organiza melhor".

A galera que estava na caravana tinha em média 40 anos, a maioria mulheres. Uma das vans foi com 14 alunos de uma escola estadual de Paranapiacaba (SP). A faixa etária aceita pelas emissoras varia: pode ser a partir dos 14 ou 16 anos, sempre com autorização por escrita dos responsáveis, até 50 anos. Para as atrações do SBT, a indicação é levar mulheres jovens, especialmente para o programa do Silvio Santos.

Esse, aliás, é um dos mais disputados, porque premia a plateia em dinheiro ou com eletrodomésticos nas dinâmicas do programa.
Recentemente, Silvio Santos voltou a gravar e a disputa para ir ao estúdio aumentou. Sua possível aposentadoria fez a procura crescer. Uma das mulheres que estavam na van, Bernardete Gargantini, Miss Simpatia de Santo André em 2019, recentemente conheceu o apresentador, e contou que se emocionou muito. Ela é muito amiga de Maria e marca presença em diversas caravanas.

A única que recebe cachê é a caravanista, por organizar e gerenciar toda essa dinâmica: cerca R$ 300 por plateia, pagos na hora em dinheiro vivo. Ela também participou de dinâmicas no Silvio Santos, já que também fica no auditório, e levou para casa uma TV de 42 polegadas um pouco antes da pandemia.

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Maria do Carmo na van: quando vai de ônibus é mais prático: 'Você leva todo mundo junto, organiza melhor'
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Plateias vazias na pandemia

Com a pandemia do covid-19, os programas de auditório pararam de receber as caravanas. Sem plateia, muitos profissionais ficaram sem fonte de renda. Como Maria já era aposentada, não sofreu tanto, mas conta que recebeu ajuda financeira da emissora SBT e cestas básicas do Luan Santana. Eles pagaram alguns cachês de plateia adiantados, e assim, com o retorno, compareciam aos programas e iam quitando estes pagamentos.

As plateias retornaram mesmo há oito meses, com exigências sanitárias. Inicialmente eram realizados testes de covid na casa dos caravanistas e chegando nas emissoras. Hoje é exigido o esquema vacinal completo, considerando quantas doses foram liberadas para cada faixa etária. Sem vacina não entra.

Uma lista de gente famosa

Quando ela lista os programas que já foi, a dimensão da coisa toda se desenha um pouco melhor. Tem até atrações que não existem mais, como "Hoje Em Dia", "Legendários", "Sabadaço", "Iron Chef", "The Masked Singer" e "Domingo Legal", ainda apresentado pelo Gugu Liberato. Ela inclusive estava na plateia do programa uma semana antes do falecimento do apresentador. "Inacreditável, estávamos gravando com ele e logo depois aconteceu aquele acidente."

Participa atualmente das plateias de "The Noite", "Programa do Ratinho", "Casos de Família", "Domingão do Huck", Raul Gil, Teleton, "Vai Dar Namoro", "Encontro com Patrícia Poeta" e "Faustão na Band". Seus apresentadores favoritos estão na ponta da língua: Rodrigo Faro, Celso Portiolli e Marcos Mion e menção honrosa para Ana Hickmann e Pedro Bial. Inclusive está organizando uma caravana para ir até o Rio de Janeiro participar do "Caldeirão com Mion".

Muitos vão para realmente conhecer os famosos, o ambiente da televisão e presenciar aquele universo que parece tão distante. "As pessoas choram, se emocionam, ficam muito felizes e voltam. É muito legal realizar sonhos, por isso sempre dou oportunidade para gente que nunca veio poder vir. Se não for animado, não seguir as instruções de quem orienta a plateia, melhor não voltar. O retorno depende deles mesmos".

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O segredo para voltar é mostrar-se animado, conta a caravanista veterana
Imagem: Marcelo Justo/UOL

O dever de encher a plateia

O caravanista tem alguns deveres, como encontrar o número de pessoas certo para a plateia, garantir os horários, alinhar transporte, endereços, conferir documentos e esquema vacinal, distribuir camisetas, voucher de lanche e conversar com as emissoras para entender onde e quando eles precisam de plateia.

Para isso, usa intensamente as redes sociais, como Facebook e WhatsApp. Recebe diversas mensagens ao longo do dia, e muitas vezes consegue completar número de participantes um dia antes da gravação.

Até expandiu os negócios, já que experiência em organização de grandes grupos não faltava. Agora ela também gerencia excursões de viagem pelo Brasil. Já foram para o Norte, Nordeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E quando tira férias, ela também viaja, mas conta que não organiza nada, prefere comprar o pacote prontinho.

Sua filha Tati se formou em Rádio e TV recentemente pela faculdade Campos Salles. Dá para perceber que as duas encontraram muito mais do que Rodrigo Faro naquele passeio ao auditório há 12 anos.