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Na Batista da Lagoinha, saída de culto é hora do 'feirão' de 'santinhos'

20.set.2022 | Distribuição de "santinhos" com foto de membros da família Valadão, na calçada próxima à Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte - Alexandre Mota/UOL
20.set.2022 | Distribuição de 'santinhos' com foto de membros da família Valadão, na calçada próxima à Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte Imagem: Alexandre Mota/UOL

Leandro Aguiar

Colaboração para o TAB, de Belo Horizonte

28/09/2022 04h00

Trajando um colete de inverno e calças justas, tênis brancos e óculos aro de tartaruga, o barbudo pastor Isaías Fernandes, 31, cabelo cortado "na régua", falava a uma plateia jovem como ele sobre o adultério do rei Davi.

Importante para a história dos judeus e no Antigo Testamento bíblico, Davi cometeu seus pecados. Na passagem em questão, o monarca se furta a ir à guerra, preferindo se envolver com uma súdita. O esforço para se redimir é parte do que faz dele um símbolo de contornos cristãos, e disso tratava o pastor da Igreja Batista da Lagoinha no bairro da Concórdia, região central de Belo Horizonte.

"A responsabilidade pela autoliderança espiritual é nossa, irmãos. Nós devemos nos liderar", disse, com animada convicção. Um dos sinais do "comodismo espiritual" é quando outros temas que não a batalha espiritual tornam-se prioritários. "Quem tem que lutar pelo seu casamento é você, quem tem que lutar pela sua família é você. Se prepara pra batalha, crente. Bora, Bill!", disse, arrancando risadas dos ouvintes. O meme-bordão tem sido usado por candidatos bolsonaristas.

Com mais de 500 igrejas espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, a Lagoinha conta com cerca de 95 mil membros cadastrados. Duas semanas antes do primeiro turno, a política, como em outros dos oito cultos acompanhados em BH pelo TAB, era tema lateral. No púlpito que recebeu o presidente Bolsonaro e sua esposa em 7 de agosto, os recados têm sido sutis, e ouvem-se, às vezes, leves puxões de orelha.

"Meu sonho é digitar no WhatsApp a Bíblia e enviar nos grupos, em vez de ficar mandando figurinha de política", continuou o pastor, em sua fala sobre prioridades cristãs.

Mas, se a política não entra no templo, ela aguarda os fiéis na saída. Lá, diversos "santinhos" eram distribuídos, todos de candidatos de direita, alguns fotografados ao lado do pastor Márcio Valadão. Liderança máxima da Lagoinha, o pastor participou de um evento de campanha junto de Bolsonaro em um hotel em Contagem, em 23 de setembro, quando orou para que os brasileiros "sintam o peso de seu voto" nas eleições.

Num deles, o pastor André, filho de Márcio que vive na Flórida, nos Estados Unidos, recomenda o voto num postulante do partido Novo à Câmara; noutro — um jornal que comemora os 50 anos de Márcio à frente da Igreja —, vinha o número de um candidato do Progressistas. Dois aspirantes que contavam com panfleteiros, uma filiada ao Cidadania que tenta vaga na Assembleia de Minas Gerais, e um candidato do PRTB que almeja o Senado, são pastores na Lagoinha. A defesa dos "valores da família" é uma constante.

Fachada da Igreja Batista da Lagoinha, às vésperas da eleição presidencial, na região central de BH - Alexandre Mota / UOL - Alexandre Mota / UOL
Fachada da Igreja Batista da Lagoinha, às vésperas da eleição presidencial, no bairro da Concórdia, região central de BH
Imagem: Alexandre Mota / UOL

Esquerda, direita e centro

A empreendedora Maura Luíza, 49, que preferiu não dar seu sobrenome, era uma das que distribuíam santinhos. Ela é voluntária na Igreja da Lagoinha, auxiliando recém-convertidos a se integrarem ao dia a dia da religião, que inclui grupos de estudos bíblicos, núcleos específicos para crianças, mulheres, universitários, solteiros e casados e uma intensa programação de encontro de louvores.

"Mostro que ser crente não é ser engessado. Somos pessoas normais, que temos um relacionamento genuíno com Deus. Não precisamos de intercessores, a gente conversa direto com o Pai", explica.

Ela faz questão de esclarecer que distribui panfletos como cidadã, não como voluntária da igreja, e que prefere que não se discuta política da porta do templo para dentro. "Cada um tem sua opinião. A casa aqui é pra falar de Jesus, não de candidatos", defende Luíza, que afirma ser imune à polarização ideológica. "Ainda estou no centro."

Para muitos frequentadores da Lagoinha, no entanto, o alinhamento à direita é natural. A advogada Flávia Said, 33, que desde a infância frequenta a Lagoinha, apresenta seu ponto de vista. "Alguns princípios que norteiam a esquerda, como a relativização da família e da liberdade, muitas vezes confrontam nossa fé."

Said integra o "Grupo de Ação Política" da Batista da Lagoinha, com página no Instagram e Facebook. Com o objetivo de "despertar, mobilizar e capacitar estrategicamente a igreja sobre ações políticas", o grupo tem um programa na Rede Super, o canal televisivo da Lagoinha, publica textos no site da igreja e organiza atos como o de 17 de setembro — quando, à porta do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), fiéis oraram para "clamar a Deus para que tudo corra bem" nas eleições, conforme explicou Said.

20.set.2022 | Distribuição de 'santinhos' com foto de membros da família Valadão, na calçada próxima à Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte - Alexandre Mota/UOL - Alexandre Mota/UOL
20.set.2022 | Distribuição de 'santinhos' com foto de membros da família Valadão, na calçada próxima à Igreja Batista da Lagoinha
Imagem: Alexandre Mota/UOL

'Valores da família'

Nos panfletos dos candidatos, há poucos detalhes sobre quais seriam os "valores da família". Mas eles se encontram especificados nas redes sociais de muitos pastores, nos grupos virtuais em que fiéis debatem política e nos programas da Rede Super. Nesses ambientes, fica claro o porquê da adesão de parte dos evangélicos ao bolsonarismo, embora essa adesão, nem sempre explícita, tampouco seja unânime.

No programa "Chá das 4", transmitido em agosto e disponibilizado nas redes da Lagoinha, a pastora Ângela Valadão explica o que entende por "doutrinação ideológica", um dos temas que aproximam a igreja liderada por seu irmão a Bolsonaro.

"É algo que tem sido imposto, uma desconstrução dos princípios da moral, da ética, do que a palavra de Deus ensina, da família e até da noção de pátria. Não é algo local, mas mundial. Uma inspiração vinda de quem dirige as nações, lá da ONU, trazendo orientações para os ministérios de Educação", diz Ângela.

Entre as supostas orientações, estaria o ensino da teoria da evolução, que, segundo Ângela, partidária do criacionismo, "já está em descrédito pela própria ciência". A afirmação é equivocada: não há "descrédito" no âmbito científico sobre a teoria da evolução.
Outra pauta cara ao bolsonarismo, a "ideologia de gênero" foi abordada no "Congresso Gerações", realizado entre 17 e 18 de setembro na sede.

A palestrante Juliana Ferron sustentou que, em tenra idade, crianças supostamente seriam "convidadas a entregar sua identidade a uma identidade de gênero". E prosseguiu: "Transgenerismo [sic] é sobre autorrejeição. Não estou falando da pessoa transgênero, isso é uma condição psicológica. Estou falando do movimento ideológico, que está sendo enfiado goela abaixo".

No dia seguinte, o pastor Marcos Coty delineou, no púlpito da Lagoinha, a sua noção de família. "Qualquer união pode dar certo, desde que seja entre um homem e uma mulher", disse, sorrindo. "É isso que constrói nações saudáveis."

Em suas contas no Instagram, onde o evento era transmitido, ambos os palestrantes declaram voto em Bolsonaro.

Na mesma rede, membros do clã Valadão são bastante presentes. Em geral, porém, apoiam o governo com discrição. Nos últimos meses, nenhuma postagem de Ana Paula (3,2 milhões de seguidores no Instagram) fez referência a Bolsonaro. Na página de Márcio, acompanhada por meio milhão de pessoas, o apoio à reeleição do presidente foi manifestado apenas num story, que não deixa registros. Já André costuma expor aos seus 5,3 milhões de seguidores onde está ideologicamente: "A esquerda é demoníaca", postou recentemente, afirmando "orar" para que Lula (PT) seja preso e Bolsonaro vença as eleições no 1º turno.

Postagens como essas semeiam a discórdia nos grupos de conversa virtual dos fiéis. "É isso aí, pastor, Bolsonaro presidente", concorda uma jovem, compartilhando a publicação de André; "quem acredita em Deus não vota no demônio do Bolsonaro", rebate outro cristão.

A discussão só finda muitos memes depois, quando uma das moderadoras do grupo lança panos quentes. "Vamos falar do amor de Jesus que é melhor!". Em resposta, vários emojis com as mãos juntas, orando, demonstram aprovação às palavras.