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Novo Love Story terá tango nu, motel e performance de fetiche de balões

Lily Scott, Facundo Guerra e Cairê Aoas, os novos donos da antiga Love Story - Eduardo Knapp/Folhapress
Lily Scott, Facundo Guerra e Cairê Aoas, os novos donos da antiga Love Story
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Danila Moura

Colaboração para o TAB, de São Paulo

10/10/2022 04h01

Foi durante um almoço no subsolo do Theatro Municipal de São Paulo que Lily Scott, 33, soube da vontade de Facundo Guerra, 48, de concorrer ao leilão do Love Story. De cara, a produtora cultural não deu trela. Soou como maluquice um dos maiores empreendedores da noite paulistana arrematar uma casa falida dos anos 1990 que figurou nas páginas do noticiário policial com brigas e prostituição.

Somada ao contexto da pandemia de covid-19, quando a maioria dos clubes fechou as portas por falta de clientela, a ideia era ainda mais inusitada. Mas, durante o almoço, o telefone tocou. Junto, subiu um frio na barriga: o martelo bateu a favor de Facundo, que fez uma proposta irrecusável a Lily. "Não imagino outra pessoa nesse projeto que não seja você entrando de sócia comigo", afagou.

Hoje, Lily luta para desconstruir a memória de um espaço que teve muitas vidas desde 1991. Foi de "a casa de todas as casas" a set do filme "Bruna Surfistinha" (2011), lembrada pelas festas frequentadas por prostitutas e policiais, playboys e manos.

Também foi a casa que por muito tempo objetificou o corpo feminino, onde homens pagavam R$ 100 de entrada e mulheres eram VIP como se estivessem ali apenas para embelezar o recinto. Nesta nova vida, rebatizada de Love Cabaret, diz a empresária, são elas que estão no poder, desde a diretoria até a base.

Responsável pela programação do clube, que terá sete shows por noite, de terça a domingo, num palco de cabaré estilo retrô futurista, ela tem a agenda tomada por entrevistas e audições com artistas que não costumam ter espaço para atuar. Ali, "corpos divergentes" são bem-vindos.

"Uma dançarina linda e talentosíssima de pole dance já se apresentou dizendo que imaginava ser enorme a chance de não ser aceita por ser gorda, mas queria mesmo assim a oportunidade de mostrar o trabalho dela. Mas é justamente por ela ser como é que nos atraiu. Quando ela terminou, fiquei maravilhada com o show", relata.

Lily Scott, Facundo Guerra e Cairê Aoas na antiga Love Story -  Eduardo Knapp/Folhapress -  Eduardo Knapp/Folhapress
Após o leilão, o trio pegou a casa 'parada no tempo' -- até camisinha no teto tinha
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Spoilers

Considerado um "parque de diversão para adultos", com inauguração prevista para janeiro de 2023, o Love Cabaret pretende trazer apresentações que estimulam o desejo, em rituais de fetiche que antecedem o sexo. A programação final segue guardada a "sete chaves", mas alguns spoilers dão pinta do clima ideal para quem é cabeça aberta.

Nas mesas haverá sinalizadores semelhantes aos vistos em rodízios de churrascarias. Verde será o sinal aberto para receber intervenções dos shows de pertinho, como uma "degustação" da sessão de podolatria, para quem tem fetiche por pés, ali na mesa, de leve. Se a empolgação aumentar, um motel da rede Lush estará disponível para os frequentadores a um lance de escada, reforçando o mote de "templo do prazer".

Um desejo da curadoria artística é incluir uma sessão de tango com corpos nus em "video mapping", com projeções pelas paredes. A certo ponto, os crushes mais saidinhos serão convidados a fazer uma "sessão de sexo artística" em uma sala reservada, onde somente suas sombras e gemidos serão compartilhados com os convidados da casa.

Bondage, podolatria, poesia sensual, pole dance, experiência com bonecos fazendo kama sutra e o que mais aparecer de novo nas audições podem entrar no line-up.

Gama Higai, host do Love Cabaret, faz performance 'living-doll' e 'looner' - Divulgação - Divulgação
Gama Higai, host do Love Cabaret, faz performance 'living-doll' e 'looner'
Imagem: Divulgação

"Gosto mais de bondage porque amo 'shibari'. Não tenho uma relação sexual com a prática, mas acho sensual, lindo e delicioso, é como um processo meditativo guiado e diferente", diz a empresária Mayumi Sato, 39, colunista do UOL e uma das curadoras da casa. "Não é sexo, mas é gostoso (quase) igual."

Um dos poucos confirmados até agora é Gama Higai, 34, que também é host do Love Cabaret. Após uma temporada de três anos no Oriente Médio, ele veio ao Brasil em 2018 quando ganhou uma máscara de "dogplay" e começou a performar como "matilha" em festas underground de São Paulo.

Os adeptos da prática utilizam máscaras e focinheiras de cachorro, são conduzidos por coleiras, latem e agem como os bichos de verdade. Outra linha de atuação de Higai é a "living-doll", nas suas palavras, "um fetiche e cultura em que se usa uma máscara humana ou de boneca, ambas super-realistas".

O mais impressionante, porém, é a performance com balões: Higai utiliza técnicas de respiração e alongamento para ficar envolto em uma bexiga gigante — sim, existe fetiche por balões de látex, e os adeptos se identificam como "looners".

Também estão confirmados o designer de som Hugo Frasa, a artista visual Elka Andrello e a drag queen Ikaro Kadoshi.

Projeto em 3D da nova Love Story; boate deve reabrir em janeiro de 2023 - Todos Arquitetura/Divulgação - Todos Arquitetura/Divulgação
Projeto em 3D da nova casa, o Love Cabaret, que deve abrir em janeiro de 2023
Imagem: Todos Arquitetura/Divulgação

'Sextech'

A artista Ikaro Kadoshi, 41, uma das apresentadoras do reality "Drag Me As a Queen", está na empreitada de curadoria ao lado de Lilly e Mayumi, que sente o peso da carga de responsabilidade de ir contra o recurso fácil da exposição nível "mulher-objeto" em clubes de sexo.

Para Mayumi, estar nos lugares e lutar pelo que acredita é o que vale. "Expor meus pontos de vista, exigir uma escuta realmente ativa de quem está ao meu lado", define ela. "Ocupar esses espaços é importante porque se não ocuparmos outros vão ocupar e talvez reproduzam o que desejamos evitar. A diversidade faz parte da estrutura do nosso trabalho."

Empresária, DJ e produtora de festas, Lily Scott é relações públicas do Orfeu e do Riviera Bar, e sócia gestora da Agência Bioma e do Ilha 360. No Love Cabaret, divide a sociedade com Facundo Guerra e Cairê Aoas, um dos sócios da Fábrica de Bares, que comanda Bar Brahma, Bar Léo, Bar dos Arcos, Blue Note e Riviera.

Após arrematar o Love Story por R$ 200 mil, o trio pegou a casa como se tivesse "parado no tempo". Camisinhas no teto, chão grudento e até garrafas de bebidas cheias com nome de clientes estavam intactas. A energia estava tão carregada que eles contam que chamaram dois pais de santo e um padre para dar uma renovada no ar.

Pelo jeito, a reza foi das boas. Num crowdfunding, o projeto levantou uma rodada de R$ 1 milhão com 62 investidores, que levaram 100 cotas de R$ 10 mil cada (que dão direito a descontos, área VIP e palpites no direcionamento da casa). Os investidores são de áreas diferentes, de profissional liberal até proprietário de doceria, como Edward Davies, da Éclair Moi, que arrematou dez cotas.

Lily Scott, Facundo Guerra e Cairê Aoas na antiga Love Story - Eduardo Knapp/Folhapress - Eduardo Knapp/Folhapress
Bondage, podolatria, poesia sensual e pole dance podem entrar no line-up
Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

No primeiro ano, eles preveem um faturamento bruto de R$ 3,4 milhões; no sexto, deve subir para R$ 11 milhões. A fim de escalonar o negócio, também querem lançar uma plataforma de conteúdo digital erótico dos shows e workshops feitos na casa, além de um marketplace voltado ao prazer.

Sexo vende. E o mercado de "sextech" está em forte ascensão — a previsão é que o segmento ultrapasse US$ 950 milhões no mundo todo em 2025, segundo dados da Sextech & Sexual Wellness da Juniper Research — e Facundo viu uma boa história a ser contada com a startup do Love Cabaret.

"Uma vez que você fala de corpo e desejo sem vínculo com a pornografia, mas do prazer com outro campo de atuação, você consegue entrar dentro da história de formação de comunidade", diz ele. "Todas as 'femtech' ou 'sextch' são muito coesas, se veem como aliadas. Não há essa união em outras indústrias. É uma revolução. Utilizar esse 'estado de formação de comunidades' é algo inerente às startups."

"O antigo Love Story vira um grande símbolo de transmutação do que era espaço de prazer por prazer. Torna-se espaço dedicado ao desejo. Assim, já começa o negócio com uma narrativa estruturada. Hoje, todos os negócios são sobre narrativa e transformação. Começar ali é uma vantagem muito grande de contar uma história que tem passado, que tem presente, que terá futuro."