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Escola de samba carioca celebra vitória de Lula com samba-enredo

Membros da Lins Imperial pareciam ansiosos com o resultado das eleições - Daniele Dutra/UOL
Membros da Lins Imperial pareciam ansiosos com o resultado das eleições Imagem: Daniele Dutra/UOL

Daniele Dutra

Colaboração para o TAB, do Rio

31/10/2022 11h14

O público ainda estava tímido por volta das 18h de domingo (30), mas algumas pessoas já dançavam e cantavam na quadra da Lins Imperial, escola de samba carioca da Série Ouro, na zona norte do Rio. A divulgação do enredo para o Carnaval de 2023 aconteceu no mesmo dia do segundo turno das eleições entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) e, por mais tensa que estivesse a contagem de votos, o clima já era de festa.

Enquanto uns aproveitavam o show, outros não tiravam os olhos do celular para acompanhar a apuração. Se as cores na rua eram verde, amarelo ou vermelho, na quadra as cores que prevaleciam eram as da escola de samba -- rosa, verde e branco, mas Eduardo Gonçalves, 53, disse que as opiniões políticas variam por ali.

"Aqui tá bem dividido, assim como todo o país. Acho que tem muita gente que apoia o Lula, só que eu já vi uma pessoa que está com a bandeira do Brasil, por exemplo. Mas confesso que acho importante ter essas coisas, isso é democracia. Quando não tiver mais é que vai ser preocupante", disse ao TAB o carnavalesco da escola há seis anos.

A quadra da Lins Imperial omeçou a encher por volta das 19h - Daniele Dutra/UOL - Daniele Dutra/UOL
A quadra da Lins Imperial começou a encher por volta das 19h
Imagem: Daniele Dutra/UOL

Embora o tema do samba fosse político, Lula e Bolsonaro não foram inspirações na hora da composição. O tema da escola para 2023 será Madame Satã, nome pelo qual João Francisco dos Santos é conhecido. Negro, nordestino, de família humilde, símbolo LGBTQIA+ e figura emblemática da boêmia carioca, ele foi a escolha para o samba.

"Transformamos o enredo em manifesto. Falar de Madame Satã é falar de corpos invisibilizados, é falar das pessoas transsexuais, das travestis, dos nordestinos", explica Eduardo Gonçalves.

Sentada em uma mesa, de olho no celular e com uma bandana estampada com o símbolo da bandeira do Brasil na cabeça, uma adolescente que preferiu não se identificar disse que sabe que a maioria é pró-Lula, mas isso não a impediu de se manifestar politicamente.

"Até que eu estou bem tranquila em relação à contagem de votos, até porque não foram apurados nem 70% das urnas, mas a gente sabe que no mundo do samba a maioria é petista. Eu ainda não voto, mas acompanho. Gosto do Bolsonaro, a minha mãe é bolsonarista e acabo acompanhando, vendo tudo junto com ela", disse a estudante que aguardava sua apresentação.

A poucos metros da jovem, a diretora cultural da escola aguardava esperançosa e apreensiva o resultado das eleições, ao lado dos amigos. "Os bolsonaristas estão muito calmos. Nós, lulistas, é que estamos nervosos. A maioria é Lula, quem é Bolsonaro fica meio intimidado. Carnaval tem tudo a ver com esse momento. Carnaval é político. Começou político, vai acabar político, e confesso que nunca vi um enredo tão politizado como esse", disse à reportagem Érica Modesto, 42, que trabalha na direção cultural da Lins Imperial há quatro anos.

Eduardo Gonçalves e Érica Modesto, na quadra da Lins Imperial, no Rio - Daniele Dutra/UOL - Daniele Dutra/UOL
Eduardo Gonçalves e Érica Modesto, na quadra da Lins Imperial, no Rio
Imagem: Daniele Dutra/UOL

'A ordem vai imperar'

Conforme a hora passava e a apuração chegava ao fim, a quadra ficava mais cheia. Ao som de samba, Jota Quest e "Whisky a go-go", de Roupa Nova, as pessoas se divertiam, dançavam e cantavam em coro com a banda.

Integrante da Lins Imperial há mais de 20 anos, a diretora social Lucia Gomes Frigoles, 62, contou à reportagem que votou em Bolsonaro, mas não pareceu se abalar em caso de derrota.

"Eu era petista, mas tive uma decepção muito grande e mudei para Bolsonaro. Como fiquei sem opção, não queria desperdiçar o meu voto, então votei nele. Só isso. Mas se o Lula ganhar, temos que rezar para ele fazer um bom governo, não tem jeito. Sou uma das poucas que apoiam o Bolsonaro aqui na escola, mas sempre fui muito respeitada, nunca tive problema com ninguém", disse Frigoles.

Segundo o presidente, cria da comunidade do Lins, membro da escola desde criança e gestor há quatro anos, a data para a divulgação do samba acabou coincidindo com o segundo turno das eleições não por questões políticas, mas sim de agenda.

"A ideia inicial foi uma questão de prazo. Nesta segunda temos que fazer a gravação do samba para Liga -- órgão responsável pelos desfiles das Escolas de Samba, da Série Ouro --, aí optamos em fazer isso hoje, mesmo que seja eleição. Aqui é uma escola de samba, temos carinho e respeito por todos. Acreditamos que todos serão bem-vindos e respeitados, sem nenhuma problemática. A ordem vai imperar, com certeza", disse Flávio Melo, 47, ao TAB.

A lulista Crea Pereira dos Santos e o genro Wallace Barreto, bolsonarista, fizeram aposta para o segundo turno das eleições - Daniele Dutra/UOL - Daniele Dutra/UOL
A lulista Crea Pereira dos Santos e o genro Wallace Barreto, bolsonarista, fizeram aposta para o segundo turno das eleições
Imagem: Daniele Dutra/UOL

'Brasil melhor para as minhas netas'

Com 97% das urnas apuradas, a vitória de Lula (PT) já era dada como certa pelos eleitores que festejavam na quadra. Emocionada, Crea Pereira dos Santos, 64, carregava uma bandeira do Lula e abraçava os amigos na quadra, com os olhos marejados.

"Eu quero um Brasil melhor para as minhas netas. Tenho duas, uma de 7 e de 18. Sou pobre, mas consegui conquistar minhas coisas, consegui comprar minha casa, Lula me ajudou muito. Estou muito feliz e quase infartando nessa quadra", disse a coordenadora de ala e integrante da escola há mais de 20 anos.

Crea conta que fez uma aposta com o genro bolsonarista. Se caso o Lula ganhasse, ele iria ter que beijar a bandeira estampada com o rosto do petista. Faltando 3% para encerrar a apuração, Wallace Barreto, 40, ainda acreditava em uma virada.

"Ainda faltam 3% para acabar, tenho esperança. Eu sou minoria da ala dos bolsonaristas, mas nunca fui desses extremistas e sempre fui respeitado na escola. Sou nascido e criado aqui e não perdi parente por conta da minha escolha política, graças a Deus", brincou o rapaz.

O técnico em segurança do trabalho conta que votou na Simone Tebet (MDB) no primeiro turno, mas como não queria votar em Lula no segundo, optou por Bolsonaro.

"Cheguei a votar no Lula na reeleição, mas não votei na Dilma, preferi o Aécio. Não sou contra o Lula e o PT, mas não posso votar em uma pessoa para tudo continuar na mesma. Lula foi liberado, inocentado por causa de interesses pessoais de terceiros. Se fosse eu, negro, de periferia, isso jamais iria acontecer. A liberação dele foi imoral e fora da lei. Votei na Tebet no primeiro turno e agora no Bolsonaro", contou Wallace, que aceitou tirar uma foto com a bandeira de Lula ao lado de Crea, sua sogra.

Rejane Ferreira conta que seu casamento ficou balançado por discussões políticas nos últimos anos - Daniele Dutra/UOL - Daniele Dutra/UOL
Rejane Ferreira conta que seu casamento ficou balançado por discussões políticas nos últimos anos
Imagem: Daniele Dutra/UOL

Assim que a cuidadora saiu do trabalho, foi direto para a quadra da Lins Imperial para celebrar a vitória no novo presidente do Brasil, eleito com 50,9% dos votos. Rejane Ferreira, 41, conta que seu casamento ficou balançado por discussões políticas nos últimos anos.

"Quase perdi meu marido por causa de Bolsonaro. Meu casamento estava em crise, não podia falar nada que tudo era motivo de briga. Ele botava o Bolsonaro lá no alto. Eu questionava, dizia que tinha que votar no Lula porque é ele que faz alguma coisa pelos pobres. Ele dizia que eu tinha que ir na casa da mãe, minha sogra que é petista, e que eu nem precisava voltar. Agora, com a vitória do Lula, vou ter paz no meu casamento", celebrou a integrante da escola há mais de 15 anos.

Às 19h57, antes de apresentar o novo samba, o intérprete Tinguinha anunciou do palco que Lula se tornara o novo presidente do país. No microfone, ele puxou o coro "Olé olé olé olá, Lula, Lula", que foi cantado em coro pelas pessoas que estavam ali. "É Lula campeão, a favela está em festa", comemorou.

Enquanto cantavam, as pessoas se abraçavam e comemoravam a mudança de governo. Em seguida, o novo samba-enredo foi cantado com a bateria da escola. A festa estava completa.