'Você merece': vivência tântrica com influencer tem choro, nudez e uivos
Não passava das 9h de um domingo ensolarado em Perdizes, na zona oeste de São Paulo, quando as portas de um requintado estúdio de pilates se abriram. Mais de 60 mulheres usando saias ou vestidos longos, carregando cangas em ecobags e um ar apreensivo no semblante, enfileiravam-se e sorriam apenas com os olhos enquanto assinavam a lista de presença do encontro "I Love My Pussy" ("eu amo minha buceta", em tradução livre).
Algumas delas circulavam com mais desenvoltura e cumprimentavam calorosamente velhas conhecidas de vivências anteriores. Pouco a pouco, o gelo se quebrava na fila do brunch com opções veganas e vegetarianas. No menu, o destaque era o pão de beijo, a versão sem queijo do tradicional quitute mineiro.
O ambiente ajudava no entrosamento das participantes: o casarão com decoração rústica e plantas exóticas parecia um portal para a Mata Atlântica em plena capital paulista. Compartilhando mesas e bancos espalhados pelo jardim, as colegas trocavam impressões sobre o lugar, o que buscavam no encontro e a enorme expectativa de conhecer a idealizadora do evento, Carol Teixeira, 42, que se apresenta a seus 179 mil seguidores no Instagram como filósofa, escritora, sacerdotisa tântrica, mestra espiritual e idealizadora dos encontros "Heartchakra Tantra" e "I Love My Pussy".
O ingresso para a edição de outubro, uma vivência de cerca dez horas de duração, custava R$ 2.000.
Dias antes do encontro, um grupo de WhatsApp com todas as shaktis (sinônimo de Devi, a deusa indiana suprema), como são tratadas as participantes, serviu como esquenta para a vivência tântrica. Por lá, as mulheres eram orientadas sobre como chegar ao estúdio, o que levar e, mais importante de tudo, irem "com coragem e de coração aberto".
A saudação de Carol no grupo do zap provocou uma chuva de emojis de corações e figurinhas com a foto da sacerdotisa dizendo "você merece", mote de seus retiros e palestras sobre apropriação do prazer feminino. A chegada da mestra ao estúdio de Perdizes não foi diferente: provocou comoção geral das shaktis, que lhe pediam fotos e contavam as muitas histórias de vida que as conduziram até lá.
Observando que quase todas as participantes eram mulheres brancas, foi difícil não pensar em uma analogia entre a Xuxa dos anos 1990 e as paquitas — algumas das shaktis parecem desejar, acima de tudo, ser, um dia, uma Carol Teixeira. Outras pareciam buscar, do fundo do coração, um caminho para curar feridas de autoimagem que castigam a todas as mulheres, de fato.
Com sua bata esvoaçante que parecia dançar pelo corpo esculpido e tatuado, Carol flanava pela sala de uns 40 m² até se sentar no altar cercado por flores e velas de onde conduziria o ritual. Faz sentido: Carol trata suas seguidoras como "deusas" e performa, sentada de pernas cruzadas entre oferendas e almofadas, também uma imagem de divindade.
Olhos nos olhos
Enquanto uma música indiana soava ao fundo, Carol usava um microfone para orientar as shaktis a circular pelo salão sem evitar os olhares umas das outras. Logo, recomendou que não evitássemos de nos esbarrar suavemente durante a caminhada. Ato contínuo a algum esbarrão, as mulheres passaram a se abraçar espontaneamente — o que, de certa forma, remetia ao momento da missa em que os fiéis dão a "paz de Cristo" uns aos outros.
Já com algumas participantes chorando de emoção depois dos abraços embalados pelas palavras de Carol, a sugestão era formar um par com a mulher mais próxima, ambas frente a frente, trocando um olhar contínuo e silencioso, contemplando a história da pessoa que por acaso parasse diante de nossos olhos. As duas shaktis que fizeram dupla comigo choravam copiosamente. Ninguém parecia sentir constrangimento, nada além de comoção sincera; eu só consegui padecer de dor no maxilar pelo nervoso de encarar estranhas olhando dentro dos meus olhos (e demandando uma emoção que eu era incapaz de entregar). Passei dias com essa dor bucofacial.
O exercício seguinte envolvia meditação abraçada com a dupla escolhida. Primeiro, pélvis com pélvis, em exercícios respiratórios que, conforme duas organizadoras do encontro demonstraram, poderiam provocar gritos, gargalhadas e uivos. Minutos depois da demonstração, muitas das duplas repetiam não só os movimentos como as vocalizações (inclusive os uivos) que as organizadoras sugeriram. Ao cabo de alguns minutos, fez-se o caos sonoro no salão. Era como se além de buscar algo muito profundo e escondido em si mesmas, as shaktis buscassem se fazer notar pela performance de corpo e gogó num baile caótico.
Depois de fazer respiração em dupla peito com peito, testa com testa, abraçadas, nuca com nuca e grito com grito, era chegada a hora de "cortar cabeças".
Somos todas Kali?
Circulando pelo salão e contando que poucas vezes sentiu uma conexão tão forte com um grupo assim, Carol compartilhou um pouco de sua história pessoal — de como foi duro o processo de ver a mãe padecer de um câncer terminal e de como o tantra ajudou na ressignificação do corpo, do espírito e da vida.
A sacerdotisa lembrou que é formada em filosofia e citou um texto de Marilena Chauí, também filósofa, sobre o crime perfeito do patriarcado na repressão dos corpos femininos. Então, Carol contou sobre a deusa indiana Kali, conhecida por cortar cabeças dos inimigos.
A tarefa seguinte para as shaktis era fechar os olhos e, após um exercício respiratório intenso, mexer os braços como quem cortava cabeças com uma espada. Carol usava bastante a palavra "potência" ao longo do ritual e explicava que tudo é permitido no plano simbólico: cortar cabeças de familiares no exercício seria apenas uma prática de libertação psíquica e, obviamente, não era o mesmo que desejar mal a eles.
Ao cabo de uns dez minutos de decapitação imaginária e muito esforço jornalístico para não abandonar a vivência, ouvi Carol nos pedir para ajoelhar e fazer os mesmos gestos de quem se banha em um lago feito de sangue do inimigo para, depois, se banhar em uma água purificada de emoções ruins. Finda a dinâmica, partimos para uma pausa com almoço tão leve e natural como o brunch.
Despindo ressentimentos
Na volta do almoço, folhas de papel sulfite cor-de-rosa e canetas foram distribuídas entre as mulheres ali presentes. A orientação, dessa vez, era escrever uma carta para a própria mãe, não importando se ela era viva, boa ou má. Nesse momento, o choro de muitas participantes era dolorido, geralmente acompanhado por suspiros e soluços.
O passo seguinte era virar a folha e escrever uma resposta imaginária da mãe para a carta que acabávamos de escrever. Algumas shaktis foram convidadas a ler suas cartas, provocando mais choro e comoção geral. De forma quase unânime, as mães retratadas eram mulheres fortes e guerreiras, que abdicaram de muitos sonhos, e que liberavam as filhas para serem mulheres livres em todas as suas escolhas — tudo ao contrário do que elas foram ou ainda são.
Após algumas leituras de cartas e respostas imaginárias de mães, Carol explicou que passaríamos para o exercício tântrico de massagem e que, então, ficaríamos nuas enquanto duas colegas fariam carinhos suaves e respeitosos em nossos corpos.
Antes que alguém fizesse objeção à ideia de se despir entre quase 70 pessoas para revezar as posições de quem faz e quem recebe carinho em cada trio, a sacerdotisa deixou no ar uma provocação. "Se alguém aqui não quiser tirar a roupa, não precisa tirar, é claro. Mas convido vocês a refletirem sobre qual ferida patriarcal faz com que o corpo de vocês tenha essa carga negativa."
Uma das participantes se ofereceu para ficar nua enquanto Carol demonstrava como deveriam ser as suaves carícias pelo corpo, com as unhas e pontas dos dedos, dos pés à cabeça. Convidada a dizer "não" a alguma coisa enquanto tirava cada peça da roupa, a modelo tirou o top "em nome de todos os 'nãos' que deixou de dizer na vida" e a calcinha "por todas as plásticas que havia feito para agradar aos outros".
Durante a massagem, a sacerdotisa pediu que nós todas, ainda vestidas e ao redor da moça despida, erguêssemos os braços emanando amor a ela. De forma misteriosa, a cena remetia ao que se vê na série "O Conto de Aia", quando alguma delas entrava em trabalho de parto — e todas as outras, em volta, diziam em coro: "Respire! Respire! Respire!".
Os instantes seguintes prometiam dinâmicas em que todas estaríamos completamente nuas e praticaríamos técnicas de massagem para experimentar orgasmos intensos. Como a nudez total não estava no meu script (e como não consegui chegar com o coração suficientemente aberto ao sagrado), abandonei o barco com a certeza de que nem toda mulher está preparada para o tantra grupal.
Mais tarde, no grupo de WhatsApp do encontro, abundavam mensagens emocionadas de agradecimento por todo o aprendizado do dia. Uma participante contava que entregou as cartas escritas na vivência para a mãe; outra compartilhava que na fase de menopausa que atravessava, o evento era um bálsamo.
A maioria das shaktis, com idades entre 20 e 30 anos, se diziam tocadas para sempre e perguntavam quando seria o próximo encontro. Segundo a organização, muitos dos retiros de Carol Teixeira têm lista de espera e — como se comprovou naquele dia — as participantes consideram o evento inesquecível. Para quem estiver disposta a despir corpo e coração na vivência tântrica, talvez seja. Para quem tem mais ceticismo do que fé no plexo solar, é altamente desaconselhável.
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