Ofício que constrói calçada com pedra portuguesa se renova no Rio

Em seu primeiro dia de trabalho como calceteiro, Eduardo Pontes, 52, saiu do terminal do BRT Transoeste, em Santa Cruz, às 4h50, chegou ao terminal Alvorada, caminhou mais 15 minutos para então chegar à Barra da Tijuca, às 7h. Tomou um café na gerência de conservação da prefeitura, pôs seu uniforme e então saiu para fazer a manutenção do trecho em frente ao ponto 2 da praia da Barra.
Da última terça-feira (22) em diante, a rotina de Eduardo será sempre essa. O calceteiro é um dos 56 profissionais da nova geração de trabalhadores de um antigo ofício, contratados para pavimentar calçadas com pedra portuguesa no Rio de Janeiro.
Em dias de manutenção, como este, um calceteiro trabalha retirando e recolocando as pedras de calcário e basalto; nos de pavimentação, tem que estudar o desenho estampado em um molde para compreender como lapidar, cortar e encaixar as pedras. "No começo, eu me questionava como montá-las, já que são irregulares, mas na prática foi até fácil. Não há sequência, é como um quebra-cabeça", diz.
Sentado em um banquinho de madeira sob o sol carioca de 30º, Eduardo escolhe as pedras e as encaixa para avaliar o tamanho. Então, corta a aresta, lapida e dá, ao menos, oito batidinhas para ajustá-las na massa de concreto no chão. "As brancas, de calcário, são mais fáceis de manusear, já as bálsamos, pretas, são mais duras", conta.
Da prisão à orla da praia
Antes de começarem a trabalhar no local, a dupla, calceteiro e ajudante, posicionou cones e placas na calçada, na ciclovia e na rua, tirou as pedras e preparou a "farofa", como é chamado o material que fixa a pedra no chão. Enquanto o ajudante mistura a massa em uma caixa na areia da praia, o calceteiro começa a assentar as pedras, uma por uma. O trabalho, minucioso, precisa de atenção, detalhe e cuidado para não causar acidentes com o martelinho ou errar na hora de quebrar o calcário.
A história desse tipo de calçamento é antiga. A "calçada portuguesa" é também chamada de "mosaico português" ou "calçada-mosaico". Comum em países de colonização lusitana e com uma tradição de pelo menos seis séculos, foi apenas em meados do século XIX, em Lisboa, que ganhou o formato que tem hoje -- com desenhos feitos em molde e pedras de cores diferentes.
De acordo com o site Lisboa Secreta, "os primeiros calceteiros conhecidos foram presidiários", em 1842, e "a primeira calçada de calcário [foi feita] dentro do Castelo de São Jorge, que na altura servia de prisão".
Inicialmente as pedras foram levadas nos navios para fora de Portugal como peso, para não correr o risco de tornar a navegabilidade instável, já que as embarcações voltariam carregadas de mercadorias, ouro e tudo que os exploradores encontravam nas colônias. Em terras estrangeiras já povoadas pelo europeu, jesuítas e militares passaram a aplicar as pedras que chegavam em calçadas, praças e obras de arte.
Brincando com concreto
No Brasil, há relatos de que o primeiro calçamento deste tipo feito é o desenho "Mar Largo", em Manaus, no entorno do Teatro Amazonas, no início de 1900. No Rio, o maior entusiasta foi o prefeito da então capital do Brasil, Pereira Passos, que à época reformou a cidade inspirado na arquitetura urbana europeia. Inicialmente na hoje Av. Rio Branco, antiga Av. Central, e depois em Copacabana, no famoso calçadão da orla.
Obra de Burle Marx, o calçadão da praia é hoje tombado pela Unesco e a capital carioca, considerada a cidade com mais calçadas em pedra portuguesa do mundo. Até este ano, quando a Prefeitura do Rio decidiu promover um curso de calceteiro, a cidade carecia de profissionais. O mais velho, Gedião Azevedo, deu palestras para repassar aos novatos os seus conhecimentos de mais de quatro décadas.
Pedreiro desde os 11, Eduardo percebeu a falta de profissionais e viu ali uma oportunidade de se especializar. Em um mês e uma semana de curso, de segunda a sexta, aprendeu junto com os demais colegas desde a história, até como montar uma caixa de areia. Os novos calceteiros visitaram locais históricos e conheceram o trabalho de seus antecessores.
Finalizado o período de treinamento, Eduardo foi chamado a participar do novo corpo de trabalhadores que prestam serviço à Prefeitura. Com o sucesso da iniciativa, a secretaria de Conservação do município pretende investir em outros cursos do gênero.
Apaixonado pela construção civil, Eduardo é neto e filho de pedreiros e agora pretende incentivar mais o irmão mais novo a buscar uma vaga no ramo. "Depois de ver uma obra finalizada, dá uma sensação boa de orgulho", diz. Com um sorriso no rosto de satisfação, ele conta que, antes do novo emprego, a construção mais honrosa que fez foi a casa da irmã — para a qual contratou até um arquiteto para desenhar o projeto. "É uma casa enorme e trabalhei da fundação à laje", orgulha-se.
De volta para casa
Perto das 17h, a equipe se prepara para ir embora. Neste dia, não foi possível finalizar o trabalho como previsto e Eduardo preocupa-se em não deixar um buraco na calçada entre a rua e a ciclovia. Os trabalhadores finalizam então com farofa, água, rejunte e dão uma limpeza final.
Exausto, o calceteiro se diz feliz com a estreia. Após bater o cartão, chega ao Terminal Alvorada, às 17h25, e pega o BRT para casa, em Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio. Com trânsito, Eduardo já sabe que não chegará em casa antes das 20h30, onde a esposa o aguardava com o jantar na mesa.
O calceteiro chega, toma banho e o janta com a mulher, antes de se sentar no sofá para assistir ao telejornal. O sono vai bater durante a novela das nove. No dia seguinte, será tudo igual. Acordar 4h30, chegar no trabalho às 7h e começar a bater pedra na calçada às 8h. No entanto, o primeiro calceteiro da família Pontes não se queixa, e repete: "Vou convencer meu irmão a seguir o mesmo ramo."
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