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'Las Vegas in SP': por dentro do cassino para jovens ricos no Itaim Bibi

No rooftop, quatro ambientes, música com DJ e gente bem-vestida e abonada, capaz de apostar nas mesas de R$ 10 mil a R$ 30 mil - Gabriela Burdmann/UOL
No rooftop, quatro ambientes, música com DJ e gente bem-vestida e abonada, capaz de apostar nas mesas de R$ 10 mil a R$ 30 mil Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

Juliana Faddul

Colaboração para o TAB, de São Paulo

13/01/2023 04h01

Mari, uma jovem administradora de quase 30 anos, chorava copiosamente no chão do banheiro feminino de uma casa de eventos no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo, sem se importar muito se a lingerie estava aparecendo, se os paetês do vestido da Bobô estavam desgastando ou se o lápis preto no olho borrava.

Ao seu lado, duas morenas igualmente magras, altas e bem-vestidas a consolavam. "O que é teu está guardado", disse uma. "Mais cedo ou mais tarde ele vai voltar, você vai ver", completou outra.

Foi nessa hora que Mari decidiu ir atrás dele: pediu emprestado R$ 10 mil para a segunda mulher (a que falou que "ele" iria voltar) e, após fazer o Pix, voltou ao local principal da festa: a mesa de roleta.

Ele, no caso, era o dinheiro que havia perdido apostando em jogos de azar naquela noite. A quantia já ultrapassava R$ 70 mil quando a jovem se jogou no chão.

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Mulheres de decotes amplos circulam - e saem acompanhadas de homens vitoriosos ou derrotados a consolar
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

'Cassino party'

Mari é uma das integrantes do grupo de WhatsApp "Las Vegas in SP", que reúne casas de evento em bairros de alto padrão da capital paulista nas quais se oferecem jogos de azar. O rooftop é dividido em quatro ambientes: pista de dança inteira de vitral para a cidade de São Paulo, mesas de jogos (pôquer e roleta), caça-níqueis e salão de bingo onde há também jantar. O bar fica entre a pista e a mesas de jogos.

As "cassino parties", como os organizadores chamam esses bingos clandestinos, se parecem mais com uma balada de playboy: um DJ toca hits da música pop, funk e sertanejo, a bebida é liberada (há toda espécie de drinque e cerveja, além de água e refrigerantes), assim como o jantar (que oferece de canapés com presunto de parma e queijo brie a escondidinho de carne-seca e lagosta).

A aposta mínima é R$10 mil, mas não raro participantes jogam nas mesas quantias em torno de R$ 30 mil. As mulheres sentadas às mesas de apostas são altas, magras e elegantes. A todo momento passa um garçom oferecendo vinho ou espumante. Há também outras, tonificadas e curvilíneas, com vestidos mais justos e decotes amplos, que apenas circulam — e quase sempre saem acompanhadas de algum homem vitorioso ou consolando outro que perdeu dinheiro.

Entre os frequentadores da jogatina, que ocorre de uma a quatro vezes por mês, há herdeiros de grandes lojas de varejo, jogadores de futebol e gente do mercado financeiro. É o que se poderia chamar de "festa top". A diferença, caso o intuito seja frequentar o local como balada, é que ninguém dança nem paquera: os olhos das mais de 100 pessoas presentes estão vidrados nas máquinas, nas feições no pôquer, nos dados, na roleta e nos números do bingo.

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Há seis anos uma reunião da Jogadores Anônimos tinha cerca de 40 dependentes; hoje, de 150 a 200
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

Apostas 24/7

Num casarão antigo no bairro de Copacabana, no Rio, um bingo funciona ilegalmente há anos. O evento se parece bastante com o paulistano, apenas a música não é tão alta: os cariocas preferem música ambiente tocada ao vivo. Ali, o jogo é mais livre e não há aposta mínima. Ou seja, o participante paga quanto quiser, como quiser (reais, dólares ou euros) e entra a hora que quiser (o estabelecimento fica aberto 24h).

A hostess, "Lu", uma simpática senhora que tira dúvidas e dá explicações sobre as normas da casa, não costumar ficar por ali. O contato com o frequentador de primeira viagem é feito via WhatsApp. Segundo sua foto no aplicativo, ela é uma mulher vaidosa, na casa dos 50 anos, com maquiagem marcada e cabelos tingidos de louro.

A clientela aparenta ser menos elitizada, e as apostas giram em torno de R$ 500 a R$ 1.000. A faixa etária vai dos 40 aos 70 e poucos anos. O casarão serve refeições, tem bar aberto com chopes e caipirinhas e serviço de motorista "com carro sedan privativo", como explica Lu na mensagem de áudio com forte sotaque carioca.

O uso de celulares, assim como em São Paulo, é vedado. "Vamos aproveitar o momento", lembra ela, com a figurinha de um emoji amarelo fazendo joinha com a mão. Na vida real, os jogadores praticamente não interagem entre si — exceto para comemorar uma aposta ganha, lamentar um prejuízo ou disputar lugar nas máquinas caça-níquel.

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'Em geral o jovem tem mais esse perfil do tudo ou nada', diz o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior sobre as dívidas
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

Jogatina em alta

O assunto "jogo de apostas" teve um crescimento exponencial na plataforma Google Trends em dezembro de 2020. Seguiu em alta a partir de fevereiro de 2021 e chegou ao ápice em dezembro de 2022. As buscas por "casa de apostas" também chegaram ao ponto mais alto em novembro de 2022 desde 2004 — ano que o Google começou a contabilizá-las.

A medida que cresce o interesse por este tipo de aposta, cresce também o número de dependentes de jogo no país. Segundo a associação Jogadores Anônimos, seis anos atrás uma reunião presencial de dependentes contava com cerca de 40 pessoas por semana. Hoje, de 150 a 200 indivíduos tomam parte nesses encontros (contabilizando-se as presenças online, o número chega a 400).

O que mais chama a atenção dos coordenadores da associação, porém, é a faixa etária desses adictos. O TAB esteve em cinco reuniões em diferentes regiões do Brasil (quatro em formato online e uma presencial, em São Paulo). Nessa amostragem, um terço dos frequentadores tinha menos de 30 anos. Dentro dessa fração, havia pelo menos um estudante universitário com menos de 23 anos. O dependente mais jovem a dar seu relato foi um adolescente de 16.

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Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

Cassino no celular

Nos depoimentos ouvidos pela reportagem, as dívidas contraídas pelos mais jovens variavam de R$ 12 mil a R$ 80 mil. "Cada pessoa é um universo, mas em linhas gerais o jovem tem mais esse perfil do 'tudo ou nada', enquanto a pessoa de mais idade frequenta bingos com objetivo de preencher tempo", explica o médico psiquiatra Aderbal Vieira Júnior, responsável pelo ambulatório de atendimento do Proard (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Vieira Júnior diz que o celular virou um facilitador: "No mesmo aparelho que ela quer apostar está o aplicativo do banco, em que ela pode pedir um empréstimo, por exemplo. Geralmente tudo que é usado via internet acaba puxando a idade para baixo", afirma o especialista, para quem o jogo também acompanha tendências. "Há mais de uma década as pessoas apostavam em corrida de cavalo. Depois veio a onda do videopôquer e dos cassinos virtuais. Agora, são as apostas esportivas e do mercado financeiro."

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O empresário Matheus Sampaio, 28, ainda não se sente 'psicologicamente pronto para gerenciar dinheiro'
Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

Famílias dissolvidas

Em menos de três anos, o número de operadores diários na bolsa, os famosos "day traders", que fazem operações de compra e venda de ativos como ações e dólar no mesmo dia, sextuplicou: em 2017, 78.466 CPFs fizeram ao menos uma operação diária por ano. Em 2020, foram 486.676 CPFs inscritos. As informações são da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Economistas e analistas do mercado financeiro chamam essa modalidade de "cassino do mercado financeiro", uma vez que prejuízos são mais frequentes que lucros. Um estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) realizado entre 2012 e 2017 a pedido da CVM mostrou que 97% dos que especulam na Bolsa de Valores como "day traders" perdem dinheiro. Dentre os 3% que ganham, 2,6% faturam menos do que R$ 300 por dia (em torno de R$ 6 mil reais por mês, considerando o lucro apenas nos dias úteis).

"'Day trade' é para quem está com a vida estabilizada e não depende disso para viver", avisa o empresário Matheus Sampaio, 28. "É muito delicado. Eu sei porque quando deixei de atuar como profissional e comecei a atuar como viciado perdi mulher, família, dinheiro, tudo", conta. A derrocada de Sampaio se tornou pública quando a ex-namorada, a maquiadora e influencer Brenda Paixão, fez uma live numa rede social explicando o término da relação no ano passado.

"Não terminei com o Matheus por falta de amor e sim porque eu cansei", diz ela no vídeo. "Ele tem um vício de investir dinheiro no mercado financeiro." Os dois se conheceram num reality show da Netflix, 'Brincando com Fogo', e posteriormente participaram juntos, como casal, de outro na Record, o 'Power Couple' — do qual saíram vencedores.

Sampaio não revela quanto perdeu, mas diz: "Minha mãe parou de falar comigo por causa disso." Ele pretende voltar ao mundo dos investimentos, mas diz que quer antes pagar o que deve a amigos, colegas e família."É possível ganhar dinheiro no mercado financeiro, mas precisa estudar muito e principalmente estar bem da cabeça", diz o empresário, que ainda não se sente "psicologicamente pronto para sentar a bunda no computador e gerenciar dinheiro". Já no âmbito afetivo, a aposta de Sampaio também é alta: reatar com a ex-namorada. "É o investimento mais seguro a se fazer."