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Dominatrix Mel Fire inaugura estúdio para fãs (discretos) de fetiches em SP

Mel Fire brinca com uma convidada na masmorra montada no seu estúdio particular de BDSM em Moema, zona sul de São Paulo - Camila Svenson/UOL
Mel Fire brinca com uma convidada na masmorra montada no seu estúdio particular de BDSM em Moema, zona sul de São Paulo
Imagem: Camila Svenson/UOL

Do TAB, em São Paulo (SP)

05/02/2023 04h01

Olhando para cima de uma das ruas inócuas do bairro de Moema, zona sul de São Paulo, dava para detectar um discreto brilho vermelho emanando de uma janela de um prédio insuspeito. Foi lá onde um microuniverso se reuniu para a inauguração do Studio Fire, um espaço particular para pessoas que querem realizar práticas do BDSM (bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo). Vestidos com couro, látex e saltos altíssimos, os convidados se juntaram para prestigiar o evento na noite de sexta-feira (3), quase como um clima de festa da firma.

Num conjunto comercial com três ambientes, o estúdio é de Mel Fire, 31, dominatrix profissional com uma carreira profícua na indústria de entretenimento adulto, nacional e internacional, desde 2010. Quem já assistiu a séries brasileiras como "Arcanjo Renegado", "HARD" e "Olhar Indiscreto", já deve ter captado os longos cabelos ruivos da dominatrix fazendo uma ponta ou outra nessas produções.

Muito antes da febre "50 Tons de Cinza", a capital paulistana tinha uma cena consolidada de BDSM no final dos anos 1990, espalhada em bares temáticos e estúdios fechados de dominadoras profissionais.

Os bares temáticos, como o Bar Dominatrix na região da rua Augusta, são uma das opções mais tranquilas para os que não conhecem o BDSM ou estão começando a fazer algumas práticas.

Seguindo a tradição de abrir espaços para atendimento secretos, Mel Fire inaugurou o Studio Fire para aqueles que querem cair de cabeça nos fetiches, mas anonimamente.

Mel Fire, na Inauguração do seu estúdio em Moema - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Mel Fire, na Inauguração do Studio Fire, em Moema
Imagem: Camila Svenson/UOL

Trabalhando no mercado do sexo há mais de dez anos, Mel abriu um estúdio particular para receber clientes anônimos que não querem (ou não podem) "sair do armário" e frequentar festas temáticas pela cidade. Um pouco antes de começar a inauguração, a dominadora recebeu o TAB.

"Sim, são todos homens e a maioria é casado", resumiu Mel, piscando com os cílios postiços pesados. Em entrevista anterior para Universa, Mel havia comentado que não é incomum atender clientes conhecidos, especialmente políticos.

"Não vou negar que é satisfatório saber que que eu tenho uma pessoa assim na minha mão", disse. "Saber que eu posso acabar com a vida do cara [risos]."

Brincadeiras à parte, a dominadora disse que há um acordo confidencial bem sério com quem pisa no seu estúdio. A confidencialidade e a palavra de segurança, um código acordado entre as partes para sinalizar a hora de parar uma sessão de BDSM. "Eu uso 'vermelho', mas tem muitos que pedem palavras aleatórias, tipo 'bolo de chocolate'".

Núbia Del Fuego, 48, performer burlesca - Camila Svenson/UOL - Camila Svenson/UOL
Núbia Del Fuego, performer burlesca na noite de inauguração da casa
Imagem: Camila Svenson/UOL

Vale tudo?

Ao longo de sua carreira como dominatrix, Mel já atendeu todo tipo de pedido dos clientes, mas ela estabelece alguns limites. "Não faço chuva negra [coprofilia] e qualquer coisa que envolva...fluídos", afirmou. "Também não gosto de fazer muito hard."

No catálogo de fetiches, Mel oferece desde os mais básicos, como podolatria, sessões de spanking, waxing, shibari, inversão e wrestling. O fetiche de wrestling, ou luta livre, não é nada incomum no universo BDSM. As maiores produtoras pornôs dedicam séries inteiras para que os espectadores assistam duas mulheres lutando ou para que homens sejam subjugados e humilhados no tatame por uma lutadora mulher.

"Lá fora é muito comum e aqui sempre me pediam para oferecer o wrestling, mas era preciso um espaço", explicou a dominadora, que divide o tempo entre o Brasil e países da Europa para participar de feiras eróticas mundiais.

Notando que os pedidos não cessavam, decidiu montar um tatame improvisado. "Eles adoram", relatou ela, que fez dois anos de jiu-jítsu para aprender os movimentos básicos da luta para atender os clientes. "Alguns aparecem para lutar mesmo, outros querem só que a gente trave eles em uma posição [risos]." Uma demonstração ao vivo, entretanto, estava fora do tatame: "Se for fazer, todo mundo vai ficar descabelado".

As sessões particulares custam em torno de R$ 600 e podem chegar até R$ 2.000, a depender do grau de complexidade do fetiche. Fato é que papai e mamãe tradicional é o que menos acontece entre aquelas quatro paredes. "O pessoal acha que aqui é só sexo o tempo todo, imagina."

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Ingrid Nynfa, no centro, esperando a ordem para servir os convidados
Imagem: Camila Svenson/UOL

Festa da firma

O prédio onde o estúdio funciona é uma mistura de apartamentos residenciais e comerciais, cercado de edifícios igualmente cinzas e monótonos. O que entregava a inauguração (fechada para amigos) era uma pequena concentração de pessoas tatuadas vestidas com roupas pretas de couro ou látex fumando um cigarro rapidamente antes de voltar à festa.

No fumódromo informal, amigos e frequentadores da cena BDSM trocavam figurinhas sobre futuros eventos, premiações etc. Uma delas, uma sexóloga que faz atendimentos particulares, comentou que um cliente a procurou para realizar um pedido bem específico. "Pediu pra que eu ficasse uma hora cutucando, mexendo e coçando meu nariz", contou, ainda intrigada com a especificidade do fetiche. "E ele pagou bem, viu?"

O microuniverso BDSM formado naquele quadrante de Moema era curioso, mas não exatamente estranho para o bairro. Bastava andar duas quadras para lembrar que o sexo na região está a todo vapor. Nas ruas próximas, funciona um circuito histórico de casas de swing, a troca de casais. Na avenida Indianápolis, estende-se uma famosa zona de prostituição.

Quando a chuva apertou, quem fumava voltou rapidamente à festa, encontrando sanduíches de metro, latinhas de cerveja e copos de espumante, dispostos próximos aos chicotes, algemas e acessórios sádicos.

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O podólatra Subzero, oferecendo sanduíche de metro aos convidados
Imagem: Camila Svenson/UOL

Ao seu serviço, submissos

Apesar do espaço não ser grande, um go-go boy musculoso e sem camisa foi designado para ficar próximo à porta e ao interfone com uma lista de convidados na mão. Outras duas pessoas, ambas submissas a Mel, encarregarvam-se de servir os convidados.

"Vamos, sub, você acha que veio aqui como convidado?", perguntou a dominatrix, desta vez vestindo biquíni preto e correntes pratas que adornavam seu corpo tatuado, a um homem todo trajado de preto que estava sentado em silêncio.

Rapidamente, o homem colocou uma máscara preta e a coleira prateada, e se dedicou a circular pela festa com uma bandeja com fatias de sanduíche de metro. "Não sou submisso da Mel", contou Subzero, 53, ao TAB. "Sou o cara que sempre vai estar onde ela precisa".

Subzero é um frequentador assíduo da cena BDSM há mais de 20 anos, mas ele descobriu o fetiche por pés quando era pequeno, brincando de esconde-esconde com uma prima mais velha. "Me escondi debaixo da cama pra me esconder da minha prima e vi que ela deixou o tamanco que estava usando perto de mim. Sem pensar, peguei e lambi o tamanco."

Mais velho, descobriu que não estava sozinho quando entrava nas sala do Bate-Papo do UOL de sadomasoquismo. Desde então, leva uma vida mais ou menos dupla entre a parte "civil" e a parte da podolatria. "Não é realmente dupla. Você não vai sair falando pra todo mundo que gosta de ser pisado por uma mulher de salto alto, mas, dentro do ambiente BDSM, sou bem aberto e mostro o rosto."

Na outra ponta da casa, uma jovem vestido um baby-doll com os seios de fora circulava entre os convidados para oferecer cerveja, uma taça de espumante ou pequenos salgadinhos servidos em uma cestinha de metal. "Vocês precisam de alguma coisa?", repetia Ingrid Nynfa, 28.

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A dominatrix Mel Fire em uma performance burlesca na sexta-feira fechada para convidados
Imagem: Camila Svenson/UOL

Fechando com chave de ouro

Para fechar a inauguração, houve a apresentação de duas performances para os convidados. A apresentação de Mel se inspirou na cena de dança do filme "Um Drink no Inferno", eternizada pela atriz Salma Hayek derramando uma bebida pela perna até chegar na boca de Quentin Tarantino.

Mel fez uma adaptação da cena, mas com Subzero. No ponto alto da música "After Dark", de Tito & Tarantula, Mel pisou descalça no torso e derramou champagne na boca e corpo do homem mascarado.

Subzero permaneceu imóvel, apenas obedecendo o que lhe foi pedido. O único momento em que foi possível reconhecer que ele estava exatamente onde queria estar foi a expansão da caixa torácica do homem, que subia e descia, animada, no ritmo da música.

"Credo, que delícia", repetiu um dos presentes na plateia.