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'Um neném': bodes e cabras resgatados viram animais de estimação no país

 Aquiles chegou um cabritinho, desnutrido e cheio de carrapatos, mas já mostrava toda a sua força na festa comemoração dos 2 anos de resgate - Arquivo pessoal
Aquiles chegou um cabritinho, desnutrido e cheio de carrapatos, mas já mostrava toda a sua força na festa comemoração dos 2 anos de resgate Imagem: Arquivo pessoal

Luciana Bugni

Colaboração para o TAB, de São Paulo

27/02/2023 04h01

Aquiles chamou a atenção quando entrou na festa de aniversário do gato Felipe. Era a primeira vez que um bode aparecia num dos eventos no rooftop do ZeeDog Temple, espaço que se define como uma comunidade para donos de pet em São Paulo.

O terraço do último andar é uma área aberta para festas, como a que aconteceu no início de fevereiro, em que cachorros e gatos confraternizavam com seus donos (hoje chamados de tutores), que levam quitutes para humanos e animais.

Até bem recentemente, bodes e cabras não costumavam festejar por lá, mas o cenário parece estar mudando.

Aquiles surgiu na vida da publicitária Andressa Alves, 29, há cerca de dois anos. Foi quando ela recebeu uma ligação pedindo ajuda para salvar o animal. Ela explica que eles, ainda filhotes, podem ser sacrificados em rituais dos quais não se tem muitas informações.

Além disso, o próprio resgate precisa ser feito por gente de confiança: é frequente alguém se propor a ficar com o animal com a má intenção de engordá-lo e comer depois. Andressa ligou para o pai, que, como ela, mora em Santo André (SP) e sempre a auxilia nos cuidados aos animais que a filha resgata há mais de dez anos.

"Trabalhamos com outras coisas que nem tem relação com pets, mas vamos encaixando nossos horários para dar segunda chance para esses pequenos que já sofreram tanto", diz ela, que toca como voluntária o projeto Esperança Animal, ao lado do pai e de outras amigas.

Bodes e Cabras de estimação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A tutora Andressa Alves, com o pai e o pet: 'Ele não encrenca com ninguém e tira foto com todo mundo que pede'
Imagem: Arquivo pessoal

'Pai, a gente vai buscar um bode'

O pai de Andressa, o advogado Reinaldo Barbosa, conta que nem questionou, acostumado que está com o empenho da filha na causa animal. Quando Aquiles chegou era ainda um cabritinho, desnutrido e cheio de carrapatos. Chegou a ser internado, pois não produzia plaquetas.

"Quando vimos, ficamos muito surpresos. Era um neném, não sabia comer, foi piorando a aparência da pele e chegou num nível de desnutrição tão grande que achamos que não ia desenvolver", lembra ele.

Meses de carinho e cuidados depois, Aquiles começou a mostrar sua força. Hoje, pesando 60 quilos, o bode fica no jardim da casa do pai de Andressa e come farelo, ração, milho e capim, que eles amarram no alto. Dorme numa casinha construída acima do nível do solo, com uma rampa de acesso e varanda. "Ele não gosta de ficar no nível do chão", explica.

Modelo fotográfico

A vida social de Aquiles é intensa: ele anda de carro, dá rolê de coleira pelas ruas e frequenta eventos de proteção aos animais. Em seu aniversário de dois anos de resgate, ganhou uma grande festa — que você vê nas fotos que ilustram essa reportagem.

Andressa conta que o bichinho se acostumou tanto a conviver com gatos e cachorros que parecia se considerar um deles: "Ele nem sabia que era um cabrito".

"Tem gente que olha torto, mas é a minoria. Um dia desses, no shopping, uma moça ficou revoltada. Mas Aquiles não encrenca com ninguém. Tira foto com todo mundo que pede. O que pode fazer é cocô, mas aí é só limpar, como o de qualquer cachorro. O cocô dele não tem cheiro. O xixi tinha um cheiro muito forte, mas depois da castração melhorou bastante. Levo saquinho, papel e limpo. É só preconceito de algumas pessoas", ela reclama.

Às vezes, quem passa por perto pergunta se ele chifra ou dá coice, mas Andressa garante que Aquiles nunca foi violento - ao contrário, sempre deixa que passem a mão no seu pelo. Juntos, vão à diversas feiras de adoção que a tutora, que agora também cursa veterinária, ajuda a organizar.

No carro, deita no banco de trás e viaja calminho. "Resgato porque amo e quero ver todos os animais bem e felizes. Hoje, o bode está enorme e seu pelo brilhante, por isso quis comemorar a festa de dois anos", conta ela, que calcula ter cerca de 15 animais e ser madrinha de outros 40, de quem facilitou a adoção.

Bodes e Cabras de estimação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
A cabra Belinha se mudou de uma garagem apertada para a chácara com piscina de sua tutora
Imagem: Arquivo pessoal

O latifúndio de Belinha

A artesã Solange Pires Nogueira, 50, mora em São Paulo. Quando Belinha entrou na sua vida, a cabra morava na garagem de uma conhecida. "O espaço era muito pequeno e ela ainda dividia com um cachorro. Até hoje passo por lá e penso que deve ter sido difícil pra ela viver ali", conta.

Após o resgate, há três anos, Solange levou Belinha para viver em sua chácara, bem mais ampla, em Porto Feliz, com alguns cães.

Belinha tem acesso ao interior da residência, anda de carro e se diverte com os cachorros com quem divide o espaço. "A diferença é que ela come tudo. Se deixar, até as portas de madeira e as roupas do varal", diz a tutora, rindo. "Mas seu alimento é ração e grama, ela pasta por ali mesmo."

Bodes e Cabras de estimação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Belinha passeia de carro e come de tudo: 'Se deixar, até as portas de madeira e as roupas do varal'
Imagem: Arquivo pessoal

Sempre alerta

Outro pet que chama a atenção de quem visita o artista plástico Eduardo Coimbra é Brita, cabra que mora com ele há cerca de 7 anos no Rio de Janeiro. "Sou muito sensível à causa animal e vivemos com vários bichos aqui. Um dia, eu estava vindo para casa e vi a cabrita amarrada num local da Floresta da Tijuca. Parei a caminhonete e a coloquei dentro", ele conta.

Brita se entendeu muito bem com dois labradores de Eduardo. Há também três vira-latas que, admite o artista, são "mais pilhados". "Acho curioso como se porta um animal como a cabra, que sabe que é presa. Ela está sempre alerta e atenta com o que acontece ao seu redor. É diferente dos cachorros, que sabem que são predadores", observa ele.

Bodes e Cabras de estimação - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Brita e Dudu: 'Cabra sabe que é presa e está sempre atenta com o que acontece ao seu redor'
Imagem: Arquivo pessoal

Na casa, o interesse pelo espaço onde fica Brita aumentou: todo mundo que visita Eduardo quer ver seu caprino de estimação. Para os donos da casa, no entanto, tudo continua igual. "Temos seis cachorros, dois gatos e uma cabra. A diferença é que o cocô dela é ótimo para as plantas", ele elogia.

Eduardo já recebeu propostas de donos de bodes para cruzar com Brita e aumentar o rebanho, mas ele acha que não faria sentido. "É como na música ['Casa no Campo', de Elis Regina]: quero carneiros e cabras pastando no meu jardim. Só tenho uma, mas já é legal."