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Cinco anos esta noite: Marielle é lembrada com missa e shows no Rio

Missa pelos 5 anos da morte de Marielle Franco, na Nossa Senhora do Parto, no centro do Rio - Camille Lichotti/UOL
Missa pelos 5 anos da morte de Marielle Franco, na Nossa Senhora do Parto, no centro do Rio Imagem: Camille Lichotti/UOL

Do TAB, no Rio

15/03/2023 09h54

A geóloga Larissa Neves Lago, 34, nunca esqueceu a noite de 14 de março de 2018. Ela estava com Marielle Franco na roda de conversa "Mulheres Negras Movendo Estruturas" minutos antes de a ex-vereadora e seu motorista serem assassinados no centro do Rio. Ao receber a notícia, Larissa sentiu o céu desabar nos seus ombros. "Foi um dos dias mais dolorosos da minha vida", diz ela.

Na terça-feira (14), cinco anos depois daquela noite, Larissa foi à Igreja Nossa Senhora do Parto para a missa em memória de Marielle Franco. O templo discreto, encravado entre prédios comerciais no centro do Rio, foi tomado por pessoas que carregavam girassóis e usavam camisas com palavras de ordem em memória da ex-vereadora.

Pouco depois das 10h, Larissa entrou cabisbaixa e sentou sozinha no canto de uma das fileiras vazias. Mesmo atrasada, chegou a tempo de ouvir o padre falar de justiça e memória na homilia. "A vingança nos rebaixa, mas a justiça nos dignifica. É preciso gritar por justiça, senão seremos sempre miseráveis", disse o sacerdote.

As questões centrais relacionadas ao assassinato continuam em aberto, cinco anos depois do crime. Os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, apontados como autores, foram presos em 2019. A investigação rocambolesca da Delegacia de Homicídios da Capital já foi chefiada por cinco delegados diferentes, sem apontar os mandantes do crime ou explicar as motivações do assassinato.

A falta de respostas levou o Instituto Marielle, em parceria com outras organizações da sociedade civil, a organizar um roteiro de atividades dedicadas à memória da ex-vereadora. As homenagens de terça se estenderam por diferentes pontos da cidade do Rio, de Santo Cristo à Cinelândia.

Padre Luciano Borges Basilio, que integra a diocese de Campo Limpo, em São Paulo, e que veio celebrar a missa pelos 5 anos da morte de Marielle, no Rio - Camille Lichotti/UOL - Camille Lichotti/UOL
Padre Luciano Borges Basilio, que integra a diocese de Campo Limpo, em São Paulo, celebrou missa pelos 5 anos da morte de Marielle, no Rio
Imagem: Camille Lichotti/UOL

Choro coletivo

Às 8h, manifestantes tomaram a escadaria da Câmara Municipal do Rio. Nos cartazes, lia-se a pergunta feita incansavelmente há cinco anos: "Quem mandou matar Marielle?" Da Câmara, o grupo saiu em procissão até a Igreja Nossa Senhora do Parto.

Na hora de rezar o Pai-Nosso, rito tradicional das missas católicas, todos que estavam no templo deram as mãos, e a geóloga Larissa Lagos chorou. Tanto que atraiu flashes de fotógrafos que acompanhavam a celebração no templo lotado. "Foi horrível porque veio um monte de gente fotografar, e eu não choro nem na frente da minha família", disse ela, depois de sair da igreja. "Uma moça que estava do meu lado começou a chorar também, e eu falei 'não chora senão vão tirar foto'."

Larissa diz que a homenagem à Marielle foi "forte demais". Por isso não conseguiu conter as lágrimas. Ela se emocionou especialmente com a mensagem do padre. "É importante saber que vingança é o que eles fazem com a gente. Vingança é a chacina de jovens negros. O que nós queremos é justiça", afirma ela. "Nós, mulheres negras, temos o direito de estar onde quisermos sem sermos assassinadas. É bom que isso seja lembrado."

Do que mais gostou, porém, foi a escolha do sacerdote que celebrou a missa: um homem negro que carrega um poderoso discurso social no altar. "Não costumo ver muito isso no Rio de Janeiro", diz Larissa, rindo.

Estátua de Marielle Franco, inaugurada na terça (14) no centro do Rio - Camille Lichotti/UOL - Camille Lichotti/UOL
Estátua de Marielle Franco, inaugurada em 2022, na data de seu aniversário, recebeu homenagens na terça (14)
Imagem: Camille Lichotti/UOL

Luciano Borges Basilio integra a diocese de Campo Limpo, área periférica da zona sul de São Paulo. Viajou ao Rio para celebrar a missa a pedido da família de Marielle. Ele não conheceu a ex-vereadora em vida e se aproximou da família porque seu sobrinho e irmãs são funcionários públicos no Rio.

Com a morte de Marielle, sua mãe, Marinete Silva, esteve em São Paulo algumas vezes para visitar a paróquia do padre Luciano. "A nossa casa paroquial em São Paulo acabou se tornando um oásis para Marinete, que é muito católica e encontrou muito acolhimento lá."

Luciano atuou como padre por 15 anos na favela de Paraisópolis, em São Paulo — e nunca escondeu a militância no campo social. "Em nossa paróquia eu faço questão de atuar pelos pretos, pobres e periféricos porque eu sou também", diz ele. E foi pelo mesmo motivo que ele se envolveu, como pôde, no movimento que pede justiça pela morte da vereadora carioca. "A história da Marielle é tão envolvente que mesmo depois da morte ainda atrai a todos de modo muito especial. Ela foi calada há cinco anos, mas uma semente foi lançada na Terra para que muitos outros não deixem de lutar por justiça."

Larissa Neves Lago, geóloga que esteve no último encontro de Marielle, participou da missa e das homenagens pelos 5 anos da morte da vereadora, no centro do Rio - Camille Lichotti/UOL - Camille Lichotti/UOL
Geóloga Larissa Neves Lago participou da missa e das homenagens pelos 5 anos da morte da vereadora, no centro do Rio
Imagem: Camille Lichotti/UOL

Para Larissa, a geóloga que foi aos prantos na missa, Marielle Franco deixou sementes, mas também um vazio na política carioca. "Ela lutava por direitos humanos e fazia tudo isso com força e leveza ao mesmo tempo", diz. Em meio a tanta dor e injustiça, na realidade cruel da favela da Maré, Marielle conservava o espírito alegre e acolhedor. "Ela estava no Carnaval, na igreja, na favela. A dinâmica dela na cidade era especial e faz muita falta."

Por causa do trabalho como professora universitária, não pôde completar o circuito de homenagens realizado em diversos pontos da cidade. Não conseguiu ir, por exemplo, ao Festival Justiça por Marielle e Anderson, que reuniu vários artistas num megashow na Praça Mauá. Gostaria de assistir especialmente ao show do rapper Djonga.

Para ela, a celebração, além de democrática (gratuita e depois do horário comercial), realça a potência política da arte. "Apesar da dor e dos pedidos de justiça, acho importante ter uma celebração completa do que ela foi", diz Larissa. "Então a gente não precisa ficar só com o abatimento e tristeza, porque Marielle também era alegria e também era festa".

Além de Djonga, o palco montado em frente ao Museu do Amanhã recebeu shows gratuitos de Marcelo D2, Luedji Luna, Criolo, Bia Ferreira, Baile Black Bom e Orquestra Maré do Amanhã, com crianças da favela da Maré. Quando o sol se pôs, perto das 18h, a praça Mauá já estava lotada. O público, que dançava e cantava, acompanhou os artistas em sucessivos gritos por justiça. "Marielle, presente", bradou a multidão.

Ainda na terça, o Museu de Arte do Rio abriu suas portas para receber exposições de arte que denunciam a brutalidade policial nos morros cariocas e peças em homenagem à ex-vereadora.

Camilla Barros, coordenadora do De Olho na Maré, apresenta dados de violência na região, durante o ciclo de homenagens pelos 4 anos da morte de Marielle Franco, no Rio - Camille Lichotti/UOL - Camille Lichotti/UOL
Apresentação de dados de violência pela ONG De Olho na Maré
Imagem: Camille Lichotti/UOL

No segundo andar do edifício, às 13h, a ONG Redes da Maré apresentou o sétimo boletim Direito à Segurança Pública na Maré, uma radiografia das diversas violações que se multiplicam pelo complexo de 16 favelas. Com a presença do grupo Mães da Maré, coletivo de mulheres que perderam seus filhos em confrontos policiais, a ONG mostrou que 27 pessoas foram mortas em operações policiais em 2022 na Maré — mais que o dobro do registrado no ano anterior. Dessas, 24 tiveram indícios de execução. Nenhuma delas foi investigada ou periciada pelo poder público.

O grupo também mostrou que 62% das operações na Maré ocorreram próximo a escolas e creches, o que fez com que as aulas fossem suspensas por 15 dias. Além disso, a Redes da Maré contabilizou 259 violações de direito durante operações policiais em 2022, incluindo casos de invasão a domicílio, tortura, subtração de pertences, ameaça e violência sexual. Em nenhuma das operações foi identificada a presença de ambulância ou de câmeras de vídeo.

"O Estado democrático de Direito, que a gente diz que existe no Brasil, ainda é um desafio para os moradores de favela", afirma Camila Barros, pesquisadora da Redes da Maré e coordenadora do projeto De Olho na Maré, que coleta os dados sobre violência. "Nosso objetivo é pautar o poder público em busca de redução de danos e respostas para essas mortes. Escolhemos fazer isso no dia 14 de março porque, além da Marielle ser da Maré, acreditamos que nossa luta está totalmente relacionada ao que ela representa para o Rio de Janeiro e para o resto do país."