'Tortura nunca mais': ato reúne artistas e ativistas no antigo DOI-Codi
Um dia, o cineasta Thiago Mendonça, 39, se surpreendeu com uma presença inusitada em uma roda do Samba da Vela, em São Paulo, em 2012. Os instrumentistas também levaram um susto: em uma das mesas estava um ex-investigador do Dops, o órgão de repressão da ditadura militar (1964-1985). Era Rubens Pacheco, conhecido como Pachequinho, considerado braço-direito do delegado Sérgio Fleury - o ex-agente estava entre os assassinos de Carlos Marighella, em 1969.
Junto de amigos, ativistas e artistas, ele ficou indignado com o fato de o famoso torturador estar ali, curtindo um samba tranquilamente, sem nunca ter respondido pelos crimes que cometeu na ditadura. Coletivamente, idealizaram um ato, um "desfile escracho". Batizado de Cordão da Mentira, uma referência também ao aniversário do golpe (1º de abril), neste sábado (1º) o grupo se concentrou pela 11ª vez na frente do antigo DOI-Codi, na rua Tutóia, na Vila Mariana, de onde parte o desfile até o parque Ibirapuera, perto de onde os golpistas de 2022-2023 ficaram acampados.
"Apesar da democratização, há heranças da ditadura, como as abordagens policiais violentas que atingem principalmente a população preta, periférica brasileira. O cordão surge para lembrar da violência causada no passado que ainda está presente", diz Thiago. No ato barulhento, com carro de som, bateria estilo Carnaval e intervenções artísticas, mães tomaram a palavra para contar a história de seus filhos.
"Parece que estou no IML vendo corpos de 600 filhos", diz Débora Maria da Silva, 62, fundadora do movimento Mães de Maio, ao ver uma das intervenções que simbolizava jovens assassinados. "Hoje, esse movimento deveria parar São Paulo. Mas parece que ninguém se importa com a morte de filhos pretos."
No ato, manifestantes cantam seus versos na cara dos policiais enfileirados na frente do 36º DP, onde era o DOI-Codi, que não esboçam reações.
Passado presente
Quem carrega no sangue o elo com o passado é o geógrafo Tiago de Castro, 38, um dos organizadores do ato. Filho de Cloves de Castro, ele cresceu ouvindo as histórias de tortura causadas ao pai no DOI-Codi e no Dops.
Do movimento operário, Cloves estava ao lado de Marighella na criação da ALN (Ação Libertadora Nacional) em 1968, após acompanhar o amigo na saída do PCB (Partido Comunista Brasileiro).
Na luta armada, foi detido após ser denunciado por um agente infiltrado, e ficou preso entre 1969 e 1972. A companheira dele, mãe de Tiago, foi convocada para interrogatório, e os agentes ameaçaram inserir um rato no corpo dela.
Só muito tempo depois, a família Castro recebeu indenizações do estado de São Paulo e da Comissão Nacional da Verdade. Cloves, que também foi um dos fundadores do PT, morreu aos 81 anos, vítima de câncer, em 2020. Para Tiago, atos como o de hoje são importantes para que não se esqueça o que foi a ditadura militar.
Cloves participou do Comitê Brasileiro para Anistia, que encabeçou o movimento pela liberdade dos presos políticos. Para o ex-guerrilheiro, conta o filho, isso foi fundamental para a redemocratização.
Nesta quinta (30), o ministro Silvio de Almeida reabriu a Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos, o que o ativista considera importante para retomar a reparação histórica aos perseguidos pelo regime. "Sinaliza a retomada de um movimento de acerto de contas com o passado, o qual sempre estará presente como pesadelo se tudo isso não for passado a limpo", diz.
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