Topo

'Self-made man': Hang construiu império entre a meritocracia e a sonegação

Dubes Sônego

Colaboração para o TAB, de Brusque (SC)

01/04/2023 04h00

Décima pessoa mais rica do Brasil, Luciano Hang construiu em pouco mais de três décadas um império econômico.

Sua rede de varejo marca presença em cidades pequenas e médias de quase todos os estados brasileiros. Da pequena Brusque ele administra suas lojas e controla postos de gasolina, hidrelétricas, empresas de publicidade e gestoras de imóveis.

Filho de operários, Hang começou de baixo e subiu rápido. Nem sempre, porém, de forma ortodoxa. A biografia que ele relata é a de um herói do empreendedorismo e da filantropia. Na vida real, porém, Hang representa também o que Santa Catarina — e o Brasil — tem de mais arcaico.

Escola apoiada pela Havan em Brusque - Dubes Sônego/UOL - Dubes Sônego/UOL
A Escola Estadual de Educação Básica João 23, onde o empresário estudou, é apoiada pela Havan
Imagem: Dubes Sônego/UOL

Atraso na escola

Disléxico, Hang conta que aprendeu a ler somente aos 12 anos.

Aluno da Escola Estadual de Educação Básica João 23, montou uma pequena cantina com um amigo. Aos 17, em paralelo aos estudos, conseguiu um emprego na fábrica de tecidos Renaux, onde trabalhavam seus pais. Depois de três anos, foi promovido da expedição para a área de vendas.

Formou-se em processamento de dados pela Furb (Fundação Universidade Regional de Blumenau), mas decidiu continuar no emprego como vendedor na Renaux.

O primeiro lance como empresário foi a Tecelagem Santa Cruz, aos 21, em sociedade com dois primos. Pouco tempo depois, em 1986, montou a Havan em uma sala de 45 m² com outro ex-gerente de vendas da Renaux, Vanderlei de Lima — o "Ha", de Havan, vem de Hang e, o "Van", de Vanderlei.

Vendiam então apenas tecidos, mas já chamavam atenção pelos preços baixos e por abrirem aos finais de semana e feriados.

Sede da Havan em Brusque - Dubes Sônego/UOL - Dubes Sônego/UOL
'Cadeira do cliente' na sede da Havan, em Brusque
Imagem: Dubes Sônego/UOL

Voo solo

Em 1989, a Havan mudou para um endereço maior e, em 1991, Hang se separou do sócio. Em voo solo, diversificou: além de tecidos, aproveitou a abertura da economia brasileira e passou a trabalhar com produtos importados.

Foi quando a Havan se tornou um bazar de bugigangas como brinquedos, utilidades domésticas, roupas e ferramentas. Em 1994, Hang inaugurou a primeira loja com fachada inspirada na Casa Branca norte-americana, com 7.000 m². No ano seguinte, ergueu na filial de Curitiba a primeira réplica da Estátua da Liberdade, hoje símbolo de sua loja.

No final dos anos 1990, começaram a surgir os primeiros indícios de que nem tudo na Havan era fruto de trabalho duro e visão de negócios.

Encrencas com a Justiça

Em 1999, a Procuradoria da República de Blumenau (SC) determinou busca e apreensão na sede da empresa por suspeita de sonegação. A denúncia propunha uma ação penal contra 14 pessoas, incluindo Hang e fiscais da Receita no Porto de Itajaí (SC), por "descaminho, facilitação de descaminho, crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro", no intervalo de 1996 e 1999 — no que a subprocuradora do MPF (Ministério Público Federal), Ela Wiecko de Castilho, chamou de "contabilidade com racionalidade germânica a serviço do crime".

Além do esquema para pagar menos impostos de importação, Hang também foi condenado por "pagar salários por fora" aos cerca de 500 funcionários da rede, entre 1992 e 1999.

Segundo o MPF, os trabalhadores recebiam, em média, R$ 600. No papel, porém, constava R$ 250, valor sobre o qual eram pagos os encargos trabalhistas — reduzidos assim em menos da metade.

A empresa acabou autuada em R$ 117 milhões pela Receita Federal e em pouco mais de R$ 10 milhões pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) — mas teve o peso da multa aliviado pela adesão ao Refis (Programa de Recuperação Fiscal), com prazo de pagamento de 115 anos.

Em 2008, numa reviravolta, a ação penal foi considerada nula pela Justiça Federal de Itajaí, por falta de provas. Hang seria ainda condenado pelo menos outras duas vezes, em 2007 e 2008, por sonegação, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Os advogados do empresário recorreram das sentenças e ambos os processos caducaram no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O outro lado

Em nota ao TAB, os advogados da Havan afirmam, em relação ao processo de 1999, que o mesmo foi "extinto porque a denúncia era imprestável para ser analisada, tamanho o absurdo das falsas acusações". Sobre os processos de 2007 e 2008, a defesa do empresário diz que "a fragilidade da acusação contra Luciano fez com que o processo se arrastasse por anos, até que terminou com a sua absolvição, em razão da prescrição".

A nota conclui, considerando que, "no Brasil, com tanta burocracia e emaranhados fiscais, as empresas e os empresários têm discussões tributárias quase que diariamente" e que "é comum no âmbito tributário resultados ora em favor das empresas, ora do fisco, mas fato é que Luciano Hang jamais foi condenado criminalmente como comprovam suas certidões negativas".