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Farra erótica: como Evaldo Shiroma criou a maior feira do ramo nos anos 90

Evaldo Shiroma, o empresário que criou a finada Erotika Fair - Fernando Moraes/UOL
Evaldo Shiroma, o empresário que criou a finada Erotika Fair
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Do TAB, em São Paulo (SP)

12/04/2023 04h00

Depois de receber um pedido de socorro do pai por causa de problemas financeiros, Evaldo Shiroma levou apenas dois meses para colocar um plano em prática, salvando o patriarca da bancarrota. A solução estava em lugares onde nunca tinha sequer entrado na vida, uma possível mina de ouro a se explorar: o mercado do sexo.

Estava na cara de todo mundo, mas ninguém, naquela altura do campeonato, tinha feito o óbvio. Nos anos 1990, milhares de sex shops e locadoras estavam em funcionamento no Brasil, mas Shiroma notou que empresários do ramo não se encontravam para trocar figurinhas. Não havia um senso de integração, como ele descobriu existir em outros países.

Shiroma levou a ideia para o pai. "Ele me perguntou: 'Escuta, quanto vai custar esse evento?' Na ocasião, lembro de ter falado uns R$ 500 mil. A resposta do meu pai: 'É, quem deve tanto pode dever mais um 500 mil'. E assim nasceu a feira erótica", relembra o empresário paulistano, hoje aos 60 anos e afastado do mercado.

Com o sinal verde do pai, Shiroma tirou do papel em tempo recorde a ideia de organizar a primeira feira erótica do país, a Erotika Fair. Em novembro de 1997, quatro dias do Espaço das Américas, na Barra Funda, foram ocupados por estandes gigantes cheios de brinquedos sexuais.

A ideia da Erotika Fair não foge muito daqueles eventos em que profissionais de um setor se encontram para conferir as novidades do mercado e fazer networking.

Todavia, Shiroma sabia que o evento seria irresistível para os próprios consumidores. Por isso, decidiu que o evento seria aberto. Foi a receita para explodir.

Levou tempo, mas a Erotika Fair conseguiu atingir o objetivo principal: salvar o pai do empresário das dívidas. "Meu pai entrou como sócio e ficava perguntando na bilheteria se tinha faturado bem", diverte-se.

Farra erótica

Ao longo de duas décadas, foram 23 edições na capital paulista, recebendo entre 25 a 30 mil visitantes, em média. Era um chamariz para repórteres caçando pautas, celebridades e até senhorinhas querendo sair da rotina.

"Uma vez, uma senhora de 70 anos me parou no corredor assim: 'Escuta aqui, você é o dono desse evento? Eu sou avó de oito netinhos e essa foi a melhor coisa que eu vi na minha vida. Muito obrigada'", conta Shiroma. Depois do encontro, o empresário avisou na bilheteria que não era mais para cobrar ingresso de ninguém com mais de 60 anos.

A sacada foi fazer o evento começar sempre em uma sexta-feira e terminar na segunda-feira seguinte, para que as vendas de ingressos fossem fartas em todas as demografias. "Final de semana é muito família, né? Se o foco é no consumidor final, pensei: pô, quem tá com a família não vai, por várias questões, né? O melhor dia era sempre segunda, lotada, muita gente engravatada saindo do trabalho."

A outra sacada foi a aposta em atrações temáticas para incentivar uma interação do público com os estandes. Foram labirintos sensoriais, teatros sensuais, shows de striptease e o mais básico de todos: a sessão de autógrafos com atores e atrizes da indústria pornô. Antes de trazer as produtoras, entretanto, Shiroma queria ter certeza de que a pornografia não fosse dominar completamente o evento.

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Evaldo Shiroma, o empresário que criou a finada Erotika Fair
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Uma indústria bagunçada

A indústria pornográfica brasileira surgiu no começo dos anos 1990, a partir de distribuidoras e locadoras de filmes tradicionais.

Antes da década de 1990, já se produziam filmes pornôs no país, mas grande parte era rebordosa da pornochanchada, filmes tradicionais com enxertos de cenas de sexo explícito gravado com figurantes da Boca do Lixo, nome dado ao quadrilátero no centro de São Paulo onde funcionavam as principais empresas do ramo.

Com o fim da ditadura militar, começaram a surgir empresas dedicadas exclusivamente à produção de filmes de sacanagem pura. As datas de criação de cada uma e quem era quem na época são informações nebulosas, pois não houve muitos interessados em registrar os primórdios da pornografia brasileira. Entre as principais citadas estão Private, Introduction, Sexxy, Buttman e Brasileirinhas, todas em São Paulo. Já no Rio havia As Panteras, criada por Ricardo Renault.

Era um mercado desorganizado. Não havia uma associação de produtoras pornô, ninguém ia muito com a cara dos outros e a única coisa que recebiam de órgãos institucionais de cinema era uma enorme indiferença. Era, porém, um mercado que atendia milhares de consumidores — não só quem comprava fitas VHS para consumo próprio, mas os proprietários das milhares de locadoras que operavam no Brasil dos anos 1990.

"Era o carro-chefe do mercado. Faturamento altíssimo. O Brasil tinha na ocasião 15 mil videolocadoras. Quando se fala em 15 mil locadoras de filme em 1997, estamos falando de mais locadoras do que em toda a Europa", conta.

Para saber mais detalhes sobre a indústria pornô nacional, ouça o podcast "Brasil Para Maiores", uma reportagem em áudio do UOL TAB que resgata a explosão da pornografia brasileira e o surgimento do pornô de celebridades.

De olho no segmento erótico, Shiroma viu que era impossível ignorar a pornografia, ainda que fosse um setor muito esquisito e desorganizado para o seu gosto. "Na primeira reunião que marquei com uma produtora, me receberam armados", afirma.

Quando ainda planejava a estreia do evento, em 1997, o empresário participou de uma tentativa inicial de "convenção da pornografia brasileira", mas detestou. "Na ocasião, foi tudo muito amador. Não se tinha controle de nada. Era uma gritaria, um show concorrendo com outro nos estandes", relembra.

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04.04.2013 - Estande da Erotika Fair, realizada no Palácio das Convenções do Anhembi, na zona norte de São Paulo
Imagem: Rodrigo Dionisio/Frame

A baixaria se repetiu nos corredores da Erotika Fair numa edição no começo dos anos 2000, mas Shiroma chamou todo mundo para dentro de uma sala e deu uma bronca geral.

"Com todo mundo na sala, falei: 'tem que acabar com isso'. Dava para perceber que os caras se odiavam mesmo. Era uma coisa tipo: 'aquele senhor aumentou o som e eu tive que aumentar o meu'. Aí dei o ultimato: 'Estou organizando essa bagunça e minha equipe vai coordenar quem vai soltar o show, na hora certa, tudo programado'. Correu tudo bem a partir de então", conta.

Por mais que a feira fosse sobre sexo, Shiroma proibia que cenas explícitas acontecessem nos corredores. Para ele, reforçava o preconceito de quem olhava de fora e também espantava o público feminino, que não chegava a 5% na primeira edição.

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Público da Erotika Fair 2015 no palco com dançarinos
Imagem: Divulgação

"Pedi pro mercado de filmes pornô parar de ser rotular como filme pornô, e sim como vídeo erótico", relembra. "Eles entenderam. Também pedi pra que eles valorizassem mais os atores. Beleza da atriz é importante, mas dos atores também. Aí eles começaram a trazer os atores para o palco do estande no evento. Aí você via a mulherada louca, assobiando, gritando e querendo tocar nos caras."

Shiroma viu o poder da indústria pornô na feira. Na edição em que as produtoras chegaram, o público circulando chegou a bater 45 mil. Para tentar valorizar o mercado brasileiro, organizou uma premiação de filmes pornôs, nos moldes do AVN Awards, mas a ideia não vingou a ponto de ter uma segunda edição.

Ascensão e queda

Ainda que as sex shops se mantivessem como um negócio relativamente estável dentro do nicho erótico, Shiroma começou a encontrar resistência no próprio mercado. Alguns comerciantes disseram não concordar com os rumos da Erotika Fair. Para eles, a feira deveria ser exclusiva a quem trabalhava no setor — e não se tornar uma atração para o consumidor final.

A execução também não custava barato. Apesar de ter conseguido abater as dívidas do pai, o empresário criou novas e se viu preso em um labirinto estressante de lidar com outros empresários, anunciantes, fornecedores e concorrentes de olho em montar uma feira nos mesmos moldes da Erotika Fair.

"O problema é ego. Você fica ouvindo de tudo quanto é lado, reclamação daqui e ali. Pior ainda: sozinho, né. Falando como promotor de eventos, é um trabalho muito estressante. Não é um trabalho de cinco dias, é um trabalho de 365 dias", resume o empresário.

A última edição aconteceu em 2017, bem menor que nas edições anteriores. Enfrentando uma depressão profunda ao ver seu projeto afundando, Shiroma decidiu encerrar o projeto para cuidar da saúde e da família.

O empresário não gosta de dar mais detalhes sobre os embates que teve com o restante do mercado, mas até hoje sente que não houve um espírito de integração do mercado erótico com a feira. "De certa forma, vi uma situação até de ingratidão. Não tô falando para abraçar o Shiroma, mas abrace o evento, cara", lamenta.

Atualmente, o empresário trabalha como consultor de empresas do nicho e não demonstra muito entusiasmo para organizar uma nova feira erótica no país ou com o segmento em si. Na verdade, o único momento em que pareceu entusiasmado com o futuro foi quando citou a filha caçula, Júlia, e seu tino para negócios. "Ela era a Shirominha dentro do evento. Mandona, chata, brava", conta. "Acho que ela tem o DNA para cuidar de um projeto futuro aí."