No Facebook, mulheres celebram Mounjaro, remédio mais forte que Ozempic
De uma hora para outra, o Ozempic estava em todo lugar. Apesar de ter sido aprovado para tratamento de diabetes tipo 2, o medicamento se popularizou entre celebridades e anônimos para redução de peso. Nas comunidades virtuais e grupos de Facebook, porém, brasileiros já aguardam a liberação de um novo medicamento, o Mounjaro, que promete ser ainda mais poderoso que qualquer emagrecedor comercializado no Brasil.
"Tô ansiosa igual criança esperando a chegada do Mounjaro", diz Adriana Viana, vendedora autônoma de 53 anos. Ela ficou sabendo do medicamento através da endocrinologista, que, em março, fez um comentário sobre os efeitos do remédio que, segundo ela, vai revolucionar o emagrecimento.
A Anvisa informa que recebeu o pedido de registro da tirzepatida (que tem o nome comercial Mounjaro) no final de 2021 e que não tem previsão para liberação. Alguns médicos, no entanto, esperam que o medicamento seja liberado ainda no primeiro semestre de 2023.
Adriana passou a maior parte da vida tentando perder peso com dietas e remédios manipulados, sem sucesso. Tudo mudou quando ela conheceu o Ozempic pela internet. No boca a boca da academia em Niterói, região metropolitana do Rio, conseguiu a indicação da endocrinologista que poderia receitar o remédio. Ao iniciar o tratamento, em novembro de 2021, pesava 98 kg. Segundo a tabela do IMC, estava com sobrepeso e tinha colesterol alto. "Comecei a eliminar peso igual água", lembra ela, que, ao todo, perdeu 20 kg.
A jornada foi perigosa. No início, Adriana sentia enjoos e vomitava com frequência. Perdeu tufos de cabelo e ficou com as unhas quebradiças — um sinal de falta de nutrientes no corpo. "É porque a gente para de comer mesmo. Eu não sentia fome nenhuma com o Ozempic, zero", conta ela, que procurou uma nutricionista para minimizar os efeitos colaterais e se alimentar de 3 em 3 horas. "Mas tudo bem pouquinho. Até hoje não consigo comer muito, senão o estômago dói."
Neste mês, Adriana começou a reduzir as aplicações de Ozempic porque já alcançou o peso considerado ideal para sua altura. Mesmo assim, ainda planeja perder outros 6 kg e cogita migrar para o Mounjaro quando ele estiver disponível no Brasil. "A gente já tem uma coisa boa, que é o Ozempic. Agora, imagina um produto melhor. Vai ser fabuloso."
Uma reportagem do jornal norte-americano Wall Street Journal falou do Mounjaro como o "King Kong" dos medicamentos emagrecedores. O remédio foi aprovado nos EUA no início de 2022 para o tratamento de diabetes, mas estudos mostraram que ele causou perda de 20% do peso corporal na maioria dos participantes que tomaram a dose máxima do produto. Graças a esse efeito colateral, o Mounjaro já é amplamente utilizado de forma "off label" (fora da prescrição) para redução de peso no país.
'Saudade' das náuseas
A brasileira Ana* (nome fictício), que mora na Califórnia (EUA), trocou o Ozempic pelo Mounjaro em junho de 2022. Ela recebeu, através do plano de saúde, um cupom de desconto da farmacêutica Eli Lilly para testar o medicamento por um preço mais acessível, US$ 25 (R$ 126); sem isso, a caixa custaria mais de US$ 900.
Pela tabela de IMC, Ana estava com obesidade grau 1. Como ela não tinha diabetes, poderia ter utilizado um medicamento liberado para o controle da obesidade. Mas, segundo o endocrinologista que lhe atendeu, nada seria tão poderoso quanto o Mounjaro.
Em menos de um ano, Ana perdeu 28 kg. Nem quando fez cirurgia bariátrica, há 12 anos, ela havia conseguido emagrecer nesse ritmo. "E consegui tudo isso sem atividade física nenhuma", comemora. Ana não planeja deixar de usar o remédio que foi "divisor de águas em sua vida".
Ela conta que mal consegue comer direito nos dias seguintes à aplicação, e que só sente fome mesmo sete dias depois, quando aplica o medicamento novamente. "Com ele a fome não volta, então é bem revolucionário nesse sentido."
Num grupo de usuários de Ozempic no Facebook, onde os participantes já começaram a fazer barulho sobre a liberação do Mounjaro no Brasil, os relatos demonstram uma insatisfação generalizada com o corpo e naturalizam o que especialistas chamam de "comportamento alimentar transtornado".
Recentemente, em um grupo com 44 mil membros, uma participante escreveu: "Agora o trem [Ozempic] começou a fazer efeito de vez! Balança caindo, não consigo comer quase nada! Me sentindo uma modelo parisiense com a alimentação de passarinho". Nos comentários, congratulações à autora do relato. Outra participante — a maioria são mulheres — comentou: "Gostei de ouvir isso. Comecei faz uma semana e agora que estou ficando enjoada. Agora vai".
Em outra postagem, uma jovem comentou que sentia "saudade" das náuseas iniciais do Ozempic que a faziam vomitar porque, segundo ela, era isso que a emagrecia.
"Essas mensagens normalizam a ideia de que comer é errado", afirma o psiquiatra Fabio Salzano, vice-coordenador do Ambulim, programa de tratamento de transtornos alimentares da USP (Universidade de São Paulo). "Não tem nada saudável em achar que vomitar emagrece, nem em achar que se deve comer como um passarinho. É perigoso, perverso e realmente muito triste."
Para ele, a autoimposição de restrição alimentar desnecessária, ainda que induzida por remédios, é um sinal vermelho para quem já tem problemas de aceitação do corpo. Pior ainda é a autoimposição da fome. "Mesmo que essas pessoas não tenham todos os sintomas de transtornos alimentares, elas ficam sujeitas a isso com esse tipo de discurso", diz.
No mesmo grupo de Facebook, participantes também buscam conselhos para turbinar o efeito do Ozempic usando simultaneamente outras drogas comercializadas no país, como o Venvanse, medicamento derivado da anfetamina para déficit de atenção e hiperatividade que pode causar dependência.
"Além de déficit de atenção, essa medicação é usada para compulsão alimentar recorrente, o que é totalmente diferente de querer emagrecer. Ela não deve ser usada para tirar o apetite", explica Salzano.
Alguns participantes do mesmo grupo divulgaram recentemente prescrições de Venvanse "para acelerar o metabolismo", combinado a aplicações diárias de Ozempic (o que está em desacordo com a bula, que indica aplicações semanais). Receitas desse tipo são obtidas por telemedicina de médicos que atuam como influenciadores digitais de emagrecimento e não têm especialização registrada no CRM. O "acompanhamento" é realizado através do WhatsApp.
Ao mesmo tempo em que pipocaram nas redes sociais perfis propagandeando o uso medicamentos que emagrecem, o culto à magreza dominou novamente a indústria da moda. A tendência "heroin chic", caracterizada por corpos magérrimos, pálidos e com aspecto desnutrido, voltou com tudo nas passarelas e no TikTok, como efeito rebote dos anos 1990 e 2000.
Para o psiquiatra Fabio Salzano, do Ambulim, remédios contra diabetes e obesidade não são vilões, e toda evolução científica é bem-vinda. O perigo, avalia ele, está na união entre uma cultura tóxica de autoimagem e o acesso facilitado a remédios radicais de emagrecimento.
No Brasil, por exemplo, o Ozempic é vendido sem retenção de receita e, segundo especialistas, isso facilita o acesso de quem não tem indicação médica. Alguns pacientes relatam facilidade em conseguir o medicamento sem prescrição. Nos EUA, o Mounjaro e o Ozempic são comercializados em grupos de Telegram, que também fazem envios internacionais.
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