'Eu no lugar dela estaria em pânico': filho de Brennand temia por namorada
Único filho de Thiago Brennand, L. temia pela segurança de sua própria namorada, H.*, se ela ficasse próxima de seu pai. "Eu no lugar dela estaria em pânico", afirmou à Promotoria de Justiça de Porto Feliz, no interior de São Paulo, em setembro de 2022.
"Ela tem total razão de se sentir ameaçada por ele. Acho até que, de todas essas mulheres [referindo-se às que acusam Brennand de agressão e estupro], ela é quem mais tem razão de se sentir ameaçada, porque dentro dele é como se ela estivesse me roubando dele."
O TAB preferiu preservar a identidade de L. porque o depoimento à Promotoria de Porto Feliz foi dado quando ele era menor de idade.
O relato de L. está entre os documentos exclusivos aos quais o TAB teve acesso. O material com mais de 7.000 páginas reúne boletins de ocorrência, interrogatórios, prints de mensagens e relatos de testemunhas e informantes, além de funcionários e ex-funcionários do empresário pernambucano. Esta é primeira vez que o depoimento do filho de Brennand é publicado.
L. procurou o Ministério Público para depor na condição de informante. Ele tinha 17 anos à época. Hoje, é maior de idade. E, nesta sexta-feira (18), será uma das testemunhas de defesa em um dos casos de estupro em que seu pai é acusado.
A defesa de Thiago Brennand diz que o depoimento de L. foi um ato ilegal do MP.
'Consequência dos atos dele'
L. deu detalhes da convivência e criticou o pai no depoimento de setembro de 2022, acompanhado da mãe, da namorada e de um advogado. "Vou falar a verdade. Se a verdade prejudicar ele, infelizmente eu não posso fazer nada, né? Porque aí é consequência dos atos dele." Brennand tem a guarda unilateral do garoto desde que ele tinha três anos.
Réu em nove processos, acusado de crimes como estupro e agressão, Brennand estava foragido nos Emirados Árabes quando L. procurou a promotoria. A distância lhe deu segurança, afirmou. "Se não tivesse esse mandado de prisão, eu ia me sentir fisicamente [ameaçado]", ponderou o filho. Brennand foi extraditado em abril e, desde então, está preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na capital paulista, onde acompanha os julgamentos.
Segundo L., Brennand é inteligente, mas manipulador. "Sempre foi o jogo dele tentar me jogar contra a minha mãe, contra a minha avó, contra H. [a namorada]", disse. Também relatou casos de agressão e pressões sofridas ao longo dos anos — o que, nas suas palavras, é parte do "modus operandi" do pai. "Na verdade, ele que é o grande causador de todos os problemas."
'Jogo mental'
L. contou que cresceu ouvindo que sua mãe o abandonou — e que era uma "drogada", uma "puta" que "rodou a cidade inteira". Brennand tentava convencê-lo de que sua mãe, sua namorada e seus avós estavam tentando "roubá-lo".
Quando L. tentava se desvencilhar, Brennand dizia que ele estava "traindo o pai". "E começava a fazer todo um jogo mental comigo", afirmou.
L. é filho de Thiago Brennand com uma ex-namorada, Ana* (nome fictício), do Recife. O casal conviveu durante quatro anos. Após a separação, compartilharam a guarda do menino.
Em fevereiro de 2012, Ana moveu um processo na 3ª Vara da Família de Pernambuco. Ela alegava que Brennand estava usando sua posição social para afastá-la do filho. A juíza decidiu a favor de Ana, mas, depois, a decisão foi revertida e Brennand obteve a guarda exclusiva do garoto.
O juiz que decidiu a favor de Brennand considerou que a situação financeira dele dava ao menino "a condição de uma criança privilegiada". A mãe ficou com direitos de visitas esporádicas, limitadas a férias, feriados e fins de semana.
Entretanto, L. declarou que vivia sob o que Brennand "ditava". Lembrou que podia "contar nos dedos" as vezes em que o pai o deixava sair sozinho. "Ele meio que sempre fez da minha vida no [sic] campo de concentração", definiu.
Na infância, L. estudou em colégios de elite. Entretanto, notou uma das denunciantes de Brennand, num depoimento em outro processo, o pai não fazia questão de que ele fosse às aulas. Ela perguntou por que, e Brennand teria dito que, como eles tinham dinheiro, L. não precisava ir, já que seria um "campeão de jiu-jítsu".
Se L. dissesse que estava com preguiça de treinar jiu-jítsu, levava bronca. "Você vai nessa porra, vai pegar firme para não virar um gayzinho", Brennand dizia, relatou a denunciante.
Outras denunciantes, em outros processos, relataram que viram Brennand maltratar L. a ponto de provocar episódios de pânico. Uma delas disse que uma vez o garoto vomitou de nervoso.
Desde pequeno, o garoto foi alvo de agressões do pai, segundo ex-funcionários que também foram ouvidos, em outras ocasiões, pela assistência de acusação da Promotoria de Justiça de Porto Feliz.
Durante o depoimento de setembro de 2022, Ana disse que L. é vítima de "perseguição" do próprio pai. "Ele é uma criança que sofreu muitos abusos. Ele frequentou pouquíssima escola, [...] ele desde os quatro anos era agredido pelo pai, tinha que fazer as coisas que o pai mandava, senão ele levava surras."
Fugas
L. disse que fugiu de casa três vezes. Na primeira vez, em abril de 2020, o garoto de então 14 anos saiu de São Paulo e viajou a Pernambuco atrás da mãe, com quem procurou a Delegacia de Polícia de Crimes contra Crianças e Adolescentes no Recife. Disse que sofria maus-tratos do pai, incluindo punições com corda e baquetas de bateria, ainda antes de completar cinco anos.
No depoimento de setembro de 2022, o jovem lembrou das "inúmeras provas" que levou à delegacia, como fotos, mensagens de WhatsApp e vídeos. Uma das fotos é do pai num sofá ao lado de uma arma — L. afirmou que ele fazia aquilo para "torturá-lo e intimidá-lo psicologicamente".
Dois dias depois do registro da ocorrência, L. voltou à delegacia e pediu para "alterar tudo" do depoimento (sem ele, o caso acabou arquivado). No depoimento recente, entretanto, ele afirmou que o pai o convenceu a procurar as autoridades e dizer que era tudo mentira.
"[Mas] qualquer animal bípede que ler o processo inteiro vai saber que aquilo ali é a mais pura verdade. Pelo amor de Deus, gente, não tem como não ser verdade. Está mais claro do que água que eu fui lá no outro dia induzido me retratar."
A última agressão de que L. lembra foi uma "muletada" que o pai lhe deu na cabeça, quando estava se recuperando de uma cirurgia. "Ele alega que eu levantei a voz para ele e que pessoa nenhuma, de forma nenhuma, pode enfrentar e desmoralizar ele, principalmente o filho", contou, acrescentando que levou 12 pontos e ficou com uma cicatriz.
"Foi a última memória de agressão que eu tive, de agressão forte assim... O resto é mais... não sei se conta como crime, um cascudo, uma tapa."
'Não sou meu pai'
Brennand também foi acusado de corrupção de menores por instigar L., então com 17 anos, a agredir a modelo Alliny Helena Gomes na academia Bodytech — caso que foi o estopim para outras denúncias contra o herdeiro.
No depoimento de setembro de 2022, ele citou o episódio. Também disse que, sob pressão, tentava "personificar" o pai, abaixando a cabeça como quem assume que "é certo o que ele faz e ponto".
Isso foi notado por outra denunciante. "O jeito que ele [L.] tratava as empregadas, funcionárias, era completamente um espelho de como o Thiago tratava. Ele tentava várias vezes escapar do pai, ele não conseguia e sempre voltava", disse ela, em outro processo.
Para L., Brennand não é especialmente corajoso, exceto quando quer demonstrar valentia diante de quem considera inferior. "Fal[t]a culhão nele. Eu acho que ele tem muito bocão e faz pouco, sabe? Quando é com uma mulher ou com pobre, com motoboy coitado da fazenda, aí ele tem mais e tem mais força", disse ao MP, em setembro de 2022. "Eu não sou meu pai e todas as pessoas do meu convívio sabem que a minha índole, o meu caráter, a minha vontade difere muito do meu pai."
'Excrescência jurídica'
Para a defesa de Brennand, o depoimento dado por L. é uma "excrescência jurídica", um "ato ilegal e antiético" do MP que desrespeita as regras do processo penal.
No documento enviado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, os advogados Roberto Podval e Marcelo Rafainni dizem que L. foi ouvido "sem o respeito a qualquer formalidade legal, e pior, com a conivência do órgão ministerial".
Eles criticam o fato de o rapaz ter dado depoimento no escritório de Marcio Cezar Janjacomo, o advogado particular das denunciantes que consta nos processos como assistente de acusação. Também criticam que o depoimento de L. ocorreu ao lado da namorada, e sem a presença de um "psicólogo forense".
"O assistente de acusação tem interesses processuais e econômicos na causa, que, por óbvio, são diametralmente opostos ao interesse do menor; e interesses econômicos diversos, porque o menor, como herdeiro do acusado, por óbvio tem interesse na higidez do patrimônio da família", frisa a defesa.
Os advogados de defesa de Brennand também afirmam que estão tomando providências junto ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e à Corregedoria do Ministério Público.
O advogado Marcio Cezar Janjacomo não respondeu aos contatos do TAB.
A reportagem também procurou L., H. e Ana, mas não obteve resposta.
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