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ONG não trocou câmera de R$ 150 que protegia Mãe Bernadete: 'Faltou verba'

O coordenador do programa que fazia a proteção de Mãe Bernadete, 72, admitiu falta de recursos para trocar pelo menos três câmeras com problemas que deveriam vigiar a casa da líder quilombola. Ela estava num programa de proteção para defensores de direitos humanos e foi assassinada no mês passado na Bahia.

O custo médio de um equipamento desses é de R$ 150. O orçamento total do programa é de R$ 1 milhão.

Das sete câmeras que monitoravam a casa de Bernadete Pacífico, uma estava quebrada e duas filmavam o chão no dia do crime - uma delas despencou de uma árvore após ser atingida por um coco. As câmeras eram operadas pelo neto dela e não estavam conectadas a nenhuma central de monitoramento, informação que a família ignorava.

"Reconhecemos que três câmeras não estarem com o funcionamento adequado é uma falha, mas essa falha se deve também ao pouco recurso disponível para esse tipo de estratégia de segurança", disse ao UOL Wagner Moreira, coordenador da Ideas, entidade privada que gere o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos na Bahia.

Nós havíamos sido notificados disso, mas com o recurso que tínhamos disponível, priorizamos a instalação em outro território, que também estava com ameaça grave.
Wagner Moreira, coordenador da Ideas, que gere o PPDDH-Bahia

Segundo Moreira, a ONG recebe dos governos federal e estadual R$ 1 milhão por ano para gerenciar o programa de proteção, voltado a pessoas ameaçadas por causa de suas ações comunitárias. Deste montante, apenas R$ 10,1 mil podem ser usados para compra de equipamentos de segurança. O restante é gasto com pessoal e na "articulação entre os órgãos executores da política pública responsáveis por diminuir o conflito".

Na Bahia, o programa atende hoje 126 ativistas.

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Mãe Bernadete estava em casa com os netos quando foi morta com 12 tiros no último dia 17 de agosto. A polícia apura se o crime teve relação com o conflito fundiário no território do quilombo, cuja titulação era uma das bandeiras da mãe de santo.

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Os policiais que investigam o assassinato reclamaram da baixa qualidade das imagens geradas. No entanto, as câmeras que funcionavam no dia do crime ajudaram no início das investigações, que três semanas depois levaram à prisão de três suspeitos.

As câmeras, da marca Elsys (modelo Anpoe Bullet Full HD), encontradas por cerca de R$ 150 em lojas virtuais, foram compradas e instaladas na gestão anterior do programa e não pela Ideas, que assumiu o comando no final do ano passado.

De acordo com a ONG, elas não estavam conectadas a uma central de monitoramento pelo receio de caírem nas mãos de pessoas envolvidas nas ameaças a Bernadete.

Análise de riscos

Após o assassinato de Bernadete, ativistas e pesquisadores já discutem formas de pressionar o poder público a aumentar o orçamento do programa destinado à compra de equipamentos.

Alane Luzia da Silva, assessora jurídica da Terra de Direitos, defende uma lei para institucionalizar e regulamentar o PPDDH, para que fique claro a forma como a proteção deve ser feita. "O Estado brasileiro precisa compreender a importância dos defensores, são eles que levam à frente o processo democrático", afirma ela.

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Maria Tranjan, coordenadora da ONG Artigo 19 e representante do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, afirma que é preciso fazer uma análise constante do risco envolvido na atuação de cada pessoa atendida. E refazê-la, caso as ameaças aumentem: "Nós falamos muito da importância da análise de risco. E essa análise tem que ser refeita de tempos em tempos."

Em nota enviada ao UOL, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania afirmou que conseguiu aumentar em 155% a verba deixada pelo governo Bolsonaro para cuidar da proteção dos defensores.

"O orçamento deixado pelo governo anterior para este ano era no montante de cerca de R$ 9 milhões, valor muito abaixo do necessário para dar continuidade à execução do Programa nos estados, muito menos aprimorar essa política de proteção. Conseguimos ampliar esse valor para cerca de R$ 23 milhões", escreveu a pasta. Esse valor total é dividido para todos os Estados e, em alguns casos, como na Bahia, complementado com verba estadual.

No ano passado, o Estado brasileiro foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos como responsável por não proteger a família do advogado Gabriel Sales Pimenta, que foi assassinado no Pará, em 1982, após sofrer inúmeras ameaças por defender trabalhadores rurais. Após a condenação, o Brasil se comprometeu a criar o Grupo de Trabalho Sales Pimenta, que vai discutir formas de aprimorar a proteção aos defensores.

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