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Repórter testa pílulas, eletrodos e 'neuróbica' para turbinar o cérebro

Concurseiros e vestibulandos usam. Empreendedores e executivos também. Atualmente, há todo um mercado que promete maximizar o desempenho cerebral.

Entre os métodos oferecidos estão os exercícios de "neuróbica" (a aeróbica para os neurônios), as pílulas de "superfoco", câmaras de isolamento sensorial e até eletrodos para gerar estímulos elétricos nos miolos.

A promessa é turbinar o cérebro depois de muita repetição e esforço — e algumas pausas restauradoras, claro. Testei alguns desses serviços para tentar botar minha massa cinzenta para funcionar.

'Abra sua mente'

A embalagem do suplemento Hellobrain aponta onde é o lacre com uma seta e a frase "abra aqui sua mente".

Além de estimulantes como cafeína e paullinia (guaraná), os comprimidos concentram um coquetel de aminoácidos e vitaminas para nutrir os neurotransmissores.

Muitas das substâncias dentro da drágea fazem parte da tal "dieta do cérebro", aquela ração diária de abacate, nozes, peixes, ovos e sementes de girassol que poucos conseguem seguir, afinal, estão tão preocupados com o sucesso que esquecem de dar um pulo na feira.

Pílulas similares também adotaram nomes marqueteiros em inglês, como Super Brain, Brain Up e Go Brain, e se apresentam como "neuroativadores". Tentei contato com vários fabricantes, mas um só respondeu ("Hello, Rodrigo. Tudo brain?") e enviou uma remessa de cápsulas pelo correio.

Por 30 dias, tomei dois comprimidos cada manhã antes de começar a trabalhar. Bem que me esforcei atrás do "superfoco", mas minha tendência dispersa continuou predominando.

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Lendo, não virei um "virador de páginas". Escrevendo, tampouco incorporei nenhum digitador velocista.

O fluxo de ideias foi legal nesses dias, só não sei dimensionar o quanto contribuiu o suplemento. Depois que parei de tomar, senti nos primeiros dias uma desaceleração no ritmo de trabalho, com a qual logo me acostumei.

Suplemento cerebral Hellobrain, endereçado para esportistas, estudantes e empreendedores
Suplemento cerebral Hellobrain, endereçado para esportistas, estudantes e empreendedores Imagem: Arquivo pessoal

"Não é remédio, não é energético. Não vai mudar seu comportamento nem gerar picos de produção", afirma Lucas Fernandes, diretor de comunicação da empresa. Ele conta que, quando o produto foi lançado, em 2019, "o alvo não era quem tinha déficit de atenção, mas essa é a maior parte de nosso público agora".

O custo desses suplementos (também chamados de nootrópicos) gira em torno de R$ 90 o frasco, que podem durar de 15 a 30 dias, dependendo da dosagem diária.

Reserva de neurônios

No lugar de halteres, tenho de levantar e baixar as pecinhas de madeira do "soroban", tradicional calculadora analógica japonesa. Esse é um dos exercícios da tal "ginástica para o cérebro", que promete trincar minha mente com novos caminhos neuronais.

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Fazer contas com o ábaco oriental exige concentração e rapidez de raciocínio para não errar. Os acertos diante do instrutor injetam uma dose de dopamina, que é como um "biscoitinho" para o sistema nervoso central.

Gabaritei no estágio "pré-básico" da escola Super Cérebro, criada em São José dos Pinhais (PR) e presente em todas as regiões do Brasil. Mas buguei quando passei para o "básico" e apareceram cálculos que exigiam mexer em duas fileiras de pecinhas.

Repórter faz contas usando soroban (calculadora tradicional japonesa)
Repórter faz contas usando soroban (calculadora tradicional japonesa) Imagem: Arquivo pessoal

Nesses cursos, com mensalidades por volta de R$ 250, os vestibulandos tendem a sair mais rápido (assim que passam na faculdade). Já os idosos permanecem, como uma das fórmulas indicadas para evitar ou atrasar a degeneração cerebral.

Essa contabilidade ancestral é a modalidade mais adotada do que se convencionou chamar recentemente de "neuróbica", série de atividades que obrigam o cérebro a sair do piloto automático, como trocar de mão na hora de usar o celular ou ver as horas pelo espelho.

A ideia dessa estratégia é criar novas vias entre 86 bilhões de neurônios. Seria como montar um banco de reservas de conexões neuronais que entram em jogo no lugar dos titulares cansados de tanto uso.

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No flow

É hora de descansar os lobos frontais do cérebro depois de tanto treinamento. Nada melhor então que flutuar num tanque de isolamento sensorial e esquecer temporariamente os cálculos e julgamentos que passam por essa região localizada logo atrás da testa.

Estou em busca do flow, um estado no qual habilidades e desafios se equilibram, e a mente flui.

Olho o aparelho branco dentro do qual vou boiar por uma hora e me parece um grande crânio. Entro na água saturada de sal de Epsom (sulfato de magnésio) a 35,5ºC e sinto como se meu corpo dissolvesse.

Fecho a tampa, desligo a luz e todos os sentidos se apagam. Só escuto minha respiração pelas cavidades da cabeça, já que meus ouvidos estão com tampões e embaixo da água. A gravidade é reduzida, e naquelas águas só se movimentam minhas ondas cerebrais.

Repórter entra em cápsula de flutuação para tentar atingir 'estado de flow'
Repórter entra em cápsula de flutuação para tentar atingir 'estado de flow' Imagem: Arquivo pessoal
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Durante a flutuação no escuro, estou sozinho apenas com meu cérebro e o nada. Com os sentidos anulados, saltam ideias e recordações da cachola quando mais me aprofundo em um estado meditativo naquele ambiente intrauterino.

Ao sair do aparelho, há uma sensação de bem-estar, com as áreas de memória e criatividade estimuladas.

O método foi desenvolvido pelo neurologista norte-americano John Lilly a partir dos anos 1950. Popular nos EUA e Europa entre executivos e esportistas de alto rendimento, só há dois centros desse tipo no Brasil. No Flutuar Float Center, em São Paulo, por exemplo, a sessão de 60 minutos custa R$ 200 (fins de semana) e R$ 160 (dias úteis).

Choque de realidade

A neuromodulação foi criada para tratar disfunções, como depressões, demências e dores crônicas, usando correntes elétricas e campos magnéticos diretamente no centro de comando humano. Mas, nos últimos anos, a técnica também é aplicada no conceito de "brain enhancement" (aprimoramento cerebral, em português).

No consultório do neurocientista Ricardo Galhardoni, sento em uma cadeira similar a dos dentistas e visto uma touca branca. Galhardoni marca com caneta porosa o ponto exato da "área motora suplementar" no meu cocuruto. Ele encosta uma bobina e liga o aparelho de R$ 140 mil.

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Primeiro, testa meu limiar de estímulo eletromagnético. Um toque no controle, e minha mão esquerda se mexe sozinha. Ele reduz a voltagem para que isso não aconteça e começa a sessão.

Sinto uma série de leves petelecos no couro cabeludo, mas na verdade é a tensão de 45 microvolts que atravessa em cinco milisegundos a área de atenção e aprendizado do meu cérebro. Uma pausa, e depois o estímulo volta.

Essa sequência se repete por 20 minutos. "É tão leve que alguns pacientes até dormem na consulta", conta o neurocientista.

O neurocientista Ricardo Galhardoni controla corrente elétrica durante sessão de neuromodulação
O neurocientista Ricardo Galhardoni controla corrente elétrica durante sessão de neuromodulação Imagem: Carlota Viña/UOL

A próxima técnica inclui colocar faixas na cabeça para fixar dois eletrodos (o positivo no couro cabeludo e o negativo na testa). Eles são de silicone, e a esponja que encosta na pele é molhada como soro fisiológico para facilitar a corrente elétrica de dois miliamperes. A sensação agora é de uma coceirinha que evolui para um leve formigamento.

Após alguns minutos, Galhardoni desliga aos poucos a aparelhagem e retira os eletrodos — a pele do local está um pouco avermelhada porque a corrente elétrica atiçou a corrente sanguínea da área também.

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Segundo o neurocientista, o efeito surge após 30 minutos, tem um pico na terceira hora posterior, e o efeito dura até oito horas.

"Essa técnica aproveita a plasticidade cortical para criar novos caminhos. Você vai ficar focado ou zen neste período", diagnosticou. Confesso que fiquei tão calminho que até fui dormir mais cedo que o habitual.

Mas o tratamento mesmo dura de 20 a 30 sessões. Depois dessa "fase de indução", são quatro meses de manutenção com sessões a cada dois ou três dias.

É possível tratar vários distúrbios neurológicos por esse método (já no rol do SUS em alguns Estados), principalmente para os males persistentes e em pacientes que sofrem muito com efeitos colaterais dos remédios. Cada sessão de neuromodulação custa em média R$ 500.

O surgimento desse mercado de suplementos, ginásticas e fisioterapias para o cérebro é sintomático de uma época que vê o sucesso (e o fracasso) como algo pessoal. É um mercado que vende técnicas de transformação individual — e o produto ofertado é também seu consumidor final: "a versão melhorada de mim mesmo".

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