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Turnê, peruca e novo Dinho: os bastidores da 'volta' dos Mamonas Assassinas

A porta do estúdio se abre e o tempo dá um nó: fantasiados, um baterista de cavanhaque, um tecladista, um baixista de cabelo rosa e um guitarrista japonês de tranças tocam um sucesso radiofônico de 27 anos atrás.

Caso alguém não tenha captado a energia, o vocalista vestido de Robin pula na frente do microfone, franze a testa, faz careta e canta "mina, seus cabelos é 'da hora'".

Ruy Brissac, 34, revive o vocalista Dinho nesta nova encarnação dos Mamonas Assassinas, com show de "estreia" em São Paulo este domingo (22).

Antes que alguém pergunte que tipo de grupo é aquele, ele deixa claro: "Não, não somos uma banda cover".

Seja lá o que a banda for, "Mamonas Assassinas - O Legado" é a ponta de lança de um projeto que quer trazer de volta a nostalgia dos anos 1990. Naquela década, o Brasil foi pego de surpresa pelo sucesso estrondoso e escrachado dos cinco rapazes de Guarulhos, região metropolitana de São Paulo.

E os planos para a tão desejada nova onda mamonística, em pleno 2023, são ambiciosos.

Beto Hinoto (guitarra), Ruy Brissac (vocalista), Nelson Bomfim (teclado), Wilian Falanque (bateria) e Lucas Theas (baixo): os Mamonas 2.0
Beto Hinoto (guitarra), Ruy Brissac (vocalista), Nelson Bomfim (teclado), Wilian Falanque (bateria) e Lucas Theas (baixo): os Mamonas 2.0 Imagem: Keiny Andrade/UOL

No final do ano, a cinebiografia "Mamonas Assassinas - O Impossível Não Existe" chega às telas com plano de exibição, segundo a produção, em mais de 1.000 salas de cinema. Ruy vive Dinho nos dois projetos.

A banda é um produto derivado do filme e sairá em turnê por outras capitais, a serem anunciadas no dia do primeiro show, junto com o primeiro trailer do longa. Eles estarão, inclusive, com trio elétrico no Carnaval de Salvador de 2024.

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Por trás do "revival" está um homem de cabelos grisalhos.

Jorge Santana é primo de Alexandre Alves, o Dinho, e CEO do Mamonas Assassinas Produções, empresa criada em 2015 para cuidar de franquias de produto e direitos autorais das músicas — o primeiro e único LP da banda vendeu mais de 3 milhões de discos.

"De algum modo, o Dinho nos presenteou, deixou este legado. Meus tios hoje precisam dessa ajuda. A gente teve de se profissionalizar e entender como funciona o mercado da música", explica o empresário, vestido como tal: camisa azul clara, corrente no pescoço e pulseira, grossas e douradas.

Primo de Dinho, Jorge Santana é CEO da empresa Mamonas Assassinas
Primo de Dinho, Jorge Santana é CEO da empresa Mamonas Assassinas Imagem: Keiny Andrade/UOL

Ele mostra no celular a quantidade de ouvintes que a banda soma nas plataformas de streaming. Em uma delas, as poucas músicas dos Mamonas são ouvidas mensalmente por 1,2 milhão de pessoas. E não há como negar: impossível ir a qualquer festa de casamento e não ouvir "Vira-Vira" ou "Pelados em Santos".

"Existe essa sinergia que não é provocada por nós, mesmo depois de 27 anos. Isso mostra que a arte vale a pena", Jorge observa.

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Mas nem tudo é pela arte. "Não, a gente trabalha no mundo business e tudo isso é muito caro e precisa de parcerias."

Desde que assumiu a marca Mamonas, Jorge já lançou linha de óculos, roupas, tênis, refrigerante e até um sabonete íntimo para homens, chamado "Sabão Cra-Cra".

O projeto da nova banda, ele conta, já consumiu mais de meio milhão de reais. "Como marca a gente poderia usar apenas 'Mamonas Assassinas', mas é pra ser uma homenagem, com duração de três anos, porque eu acho que vale a pena", diz, elencando uma série de planos: shows na Europa e Estados Unidos, gravação de músicas inéditas e a criação de um instituto com o nome da banda.

"É só falar 'Mamonas' que você arranca um riso, uma lembrança. As pessoas já falam: 'eu sei onde eu estava no dia do acidente'."

Em família

Jorge Santana tinha 22 anos em 2 de março de 1996, quando a notícia de que a banda inteira havia morrido num acidente de avião deixou o Brasil em estado catatônico.

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Ele estava em Salvador (BA), terminando a faculdade de artes cênicas, pronto para voltar a São Paulo e viver uma nova fase ao lado do primo. "Eu ia trabalhar com eles no começo do ano. Estava tudo pronto, mas infelizmente aconteceu aquilo", relembra.

Desistiu da arte e se tornou perito criminal. Em paralelo, ajudava os tios na organização dos direitos autorais da banda — a maior parte das músicas tem composição apenas de Dinho. É, até hoje, a maior fonte de renda da família, que ainda mora em Guarulhos.

Em sociedade com Célia Alves, mãe de Dinho, Jorge viu uma forma de colocar em prática o antigo sonho.

Ator e cantor Ruy Brissac viveu Dinho em musical e reprisa o papel no filme e nos novos shows
Ator e cantor Ruy Brissac viveu Dinho em musical e reprisa o papel no filme e nos novos shows Imagem: Keiny Andrade/UOL

Além de produtos e franquias, ele se aproximou das gravadoras. Em 2017, fez uma releitura de "Pelados em Santos" com o DJ Alok e, no ano seguinte, lançou uma música inédita de Dinho para embalar a Copa do Mundo. Apesar da pompa, a música naufragou. Jorge põe a culpa na seleção. "O Brasil saiu antes da hora e não deu certo", diz.

Peruca, cavanhaque e cabelos coloridos

O maior sucesso da empresa foi o espetáculo teatral "O Musical Mamonas", de 2016. Foi quando Ruy Brissac personificou Dinho pela primeira vez. Foi escolhido ator revelação no Prêmio Bibi Ferreira.

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Até então, Ruy não acreditava que se parecia com o cantor. "As pessoas falavam, mas quando abri a porta na audição vi vários Ruys e vários Dinhos, parecia um multiverso."

O ator e músico Beto Hinoto também surpreende pela semelhança com o guitarrista Bento, tanto na representação da banda ao vivo quanto no filme. Neste caso, o DNA ajudou. Bento é um tio que sequer chegou a conhecer.

O ator e músico Beto Hinoto, sobrinho de Bento, guitarrista original
O ator e músico Beto Hinoto, sobrinho de Bento, guitarrista original Imagem: Keiny Andrade/UOL

Beto nasceu dois anos após a morte dos Mamonas e cresceu um tanto distante dessa parte da família. "Nunca fui forçado a ouvir, foi por escolha própria, desde criança eu o imitava."

A guinada para a música teve inspiração direta na banda do tio. "Eu queria saber como nascia aquela música que misturava sertanejo com rock pauleira e tinha o tempo todo quebrado", diz.

Ele conta que a avó se emocionou ao ver uma foto sua no novo posto. "Ela não sabia diferenciar se era eu ou meu tio. Acho que tudo isso chega a dar um conforto, deixa o acidente de lado."

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Ele imita exatamente a careta de Bento, e usa o mesmo penteado com trancinhas — neste caso, uma peruca.

Os outros músicos da banda não são atores, mas também entraram nos personagens. Lucas Theas, 23, nunca viu a banda em exercício, mas teve que pintar os cabelos de rosa para encarnar o baixista Samuel Reoli.

Já o baterista Wilian Falanque, 28, deixou, a contragosto, o cavanhaque a la Sérgio Reoli. O recém-chegado integrante nunca tinha tocado rock. "Eu era do sertanejo na noite", diz.

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Imagem: Foto: Keiny Andrade

O mais velho da banda, o tecladista Nelson Bomfim, 44, no papel de Júlio Rasec, cresceu tocando Mamonas nas rodinhas de violão, seduzido pelo som versátil da banda. "Eles tinham os melhores instrumentos. Agora é o Mamonas 2024, mas com a nossa cara."

De gerações diferentes, os novos integrantes reproduzem o som do Mamonas com fidelidade e compartilham a crença de que o tom paródico e humorístico, de quase trinta anos, ainda faz sentido.

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"O Dinho era quase uma Tatá Werneck. Eles eram 'clowns'", defende Ruy. "E o TikTok é assim hoje em dia. A música conversa com a dança, o Mamonas sem a performance não era a mesma coisa", completa Beto.

Novos rostos, mesmas letras

A ideia de se ter uma nova versão do grupo nos palcos não é algo unânime entre as famílias dos outros integrantes originais. Eles não fazem parte do Mamonas Assassinas Produções.

"Existe uma anuência, mas sem participação direta. Eu mesmo não me sentia confortável quando eu via alguém imitando eles. Hoje eu já quebrei essa reserva e entendo que é mais um meio de você fazer arte", diz Jorge.

Banda serve de tributo e é o primeiro passo para novos projetos da marca
Banda serve de tributo e é o primeiro passo para novos projetos da marca Imagem: Keiny Andrade/UOL

No filme, alguns personagens importantes não aparecem com seus respectivos nomes — entre eles o produtor Rick Bonadio, responsável pela virada no som.

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"Não tinha nada ofensivo, mas no filme eu sou um cara mais velho, com experiência, o que não é verdade", explica o primeiro empresário da banda.

Na empreitada, porém, algo que continua exatamente igual. As letras de músicas como "Robocop Gay" e "Uma Arlinda Mulher", que nos últimos anos foram questionadas por serem politicamente incorretas, se mantêm intactas.

"A gente não é cancelado porque com o Mamonas parece que é permitido. No filme, a gente teve que tomar muito cuidado, mas é como escrever um roteiro de época. Você não concorda, mas tem que retratar de algum modo", explica Jorge.

Inicialmente, o plano era fazer uma versão em holograma de Dinho, para apresentar o filme numa pré-estreia. "Mas a gente ficou com medo. Ninguém aqui quer usurpar a identidade dos Mamonas", explica, lembrando da origem humilde da família.

"Naquela dureza, eles acreditaram e fizeram o que fizeram. A gente, enquanto marca e família, tem mais que obrigação de reescrever essa história de modo divertido."

Cercado dos novos Mamonas, ele diz que o maior ativo da empresa é a memória afetiva das pessoas. "Os egípcios afirmam que as pessoas morrem duas vezes na vida. Uma com o corpo físico, e outra quando seu nome é pronunciado pela última vez." Por ora, isso não deve acontecer.

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