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11 dos 23 batalhões da PM que atuaram no Guarujá não têm câmeras corporais

Os 40 dias de Operação Escudo, na Baixada Santista, contaram com a presença ostensiva de PMs de 23 batalhões diferentes. Desses, 11 não têm câmeras corporais implementadas — justamente os que mais ficam distantes do litoral paulista.

Os dados são da própria SSP (Secretaria da Segurança Pública) e foram obtidos com exclusividade pelo UOL por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Segundo dados da PM, também enviados à reportagem via LAI, na data em que o soldado Patrick Bastos Reis, 30, foi morto, cinco viaturas da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), lotada na capital paulista, estavam na Baixada Santista, incluindo a em que ele estava.

Logo após a morte de Reis, os policiais da Rota ficaram no Guarujá para localizar e deter quem havia atirado contra a viatura do batalhão. Um dia depois, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, e o comandante-geral da PM paulista, o coronel Cássio Araújo de Freitas, foram até lá e deram início à Operação Escudo.

Naquele mesmo dia, PMs da Rota, que usam câmeras corporais desde junho de 2021, mataram a tiros o vendedor de açaí Felipe Vieira Nunes, 30. O laudo necroscópico dele omitiu, de acordo com peritos que analisaram o documento a pedido do UOL, ferimentos similares a queimaduras de cigarros. A tortura, de acordo com testemunhas, ocorreu na favela onde ele morava, na Vila Baiana. Os PMs da ocorrência alegaram que suas câmeras corporais estavam quebradas.

Policiais militares do 5º Baep (Batalhão de Ações Especiais) de Barueri, a 130 km do Guarujá, também afirmam que suas "bodycams" não funcionaram durante a Operação Escudo. Em 30 de agosto, um mototaxista foi baleado enquanto tomava banho, segundo testemunhas, no Morro José Menino, que fica na divisa entre Santos e São Vicente. O homem continua em recuperação.

Já os policiais do 13º Baep, de Bauru, a 430 km de distância do Guarujá, não precisam justificar falhas nos equipamentos. Isso porque o batalhão não implementou "bodycams". Sem nenhuma gravação, o que aconteceu na Maré Mansa, favela próxima da Praia de Pernambuco, virou uma guerra de narrativas. Os PMs dizem que mataram um traficante no local ao revidar disparos. Moradores, no entanto, dizem que os policiais mataram um trabalhador que estava deitado, prestes a dormir, e, depois, lavaram a casa e queimaram o colchão para ocultar evidências.

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Toda a ação ocorreu depois de o soldado Reis ter sido assassinado, dentro da viatura, com um tiro no ombro direito, na noite de 27 de julho de 2023. Uma arma foi apresentada pela cúpula da segurança paulista, mas logo a perícia mostrou que a pistola não era a mesma usada no homicídio de Reis — a arma do crime até hoje não foi localizada.

Três dias depois do assassinato do soldado Reis, três suspeitos foram detidos pelas polícias civil e militar no Guarujá. O exame residuográfico de um deles, que poderia comprovar que ele disparou tiros, deu negativo. Apesar das prisões, a PM continuou atuando nas favelas do Guarujá, Santos e São Vicente como resposta ao homicídio. Ao todo, 28 pessoas foram mortas por PMs. Outras três ficaram feridas em estado grave. Nenhum policial foi ferido.

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Falta de câmeras corporais no estado

A Polícia Militar informou, também por meio da Lei de Acesso à Informação, que o total de câmeras contratadas para praças e oficiais da instituição é de 10.125. A corporação, contudo, tem mais de 80 mil servidores. Segundo a SSP, 958 pessoas foram presas durante a Operação Escudo. Dentre essas, 382 estavam foragidas da Justiça.

"A Secretaria não dispõe da discriminação por nome, faixa etária, gênero, tipo de prisão e endereços relacionados ao local da ocorrência, o que exigiria empenho de recursos humanos para análise individual dos casos, que não pôde ser direcionado, nesta oportunidade, para atendimento desse caso concreto, devido à demanda exacerbada do órgão respectivo", informou a pasta em resposta ao pedido feito pela LAI.

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No dia 7 de agosto, a Polícia Militar afirmou à imprensa que o MP (Ministério Público) teve acesso às filmagens de 7 das até então 16 ocorrências com mortes nos primeiros dias da Operação Escudo. Nove dias depois, a Promotoria informou que apenas três imagens mostravam confrontos.

A reportagem descobriu que, das 7 imagens enviadas pela polícia ao MP, 6 mostram apenas policiais sentados na viatura fazendo rondas na região. De acordo com investigadores, policiais perguntavam em abordagens onde moravam suspeitos e ficavam aumentando e diminuindo o volume das câmeras para gastar bateria dos aparelhos. Com a bateria descarregada, os PMs iniciavam o trabalho ostensivo.

Quanto custou a Operação Escudo?

Em resposta, via LAI, a SSP afirmou que, "na proteção da identificação do porte das Operações Táticas realizadas pelo estado, verifica-se que dados sobre recursos empregados, seja em pessoal, seja em recursos materiais, levam à identificação do planejamento concreto da Operação".

"Sobretudo, porque podem ser associados a outros dados, também ofertados em razão das disposições da LAI, que acabam, unidos, traçando a logística e empenho de recursos das operações policiais de grande porte, complexidade e relevância. Por isso, não há razoabilidade e/ou proporcionalidade na sua publicização irrestrita", complementou a resposta, também via LAI.

A secretaria, contudo, disse que o emprego de recursos públicos tem constante fiscalização dos órgãos de controle interno e externo das polícias, tais como Ministério Público, Poder Judiciário e Tribunal de Contas do Estado.

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A pasta também se recusou a informar a relação e a quantidade de armamentos e munições utilizados por PMs durante a Operação Escudo. "A informação solicitada possui acesso restrito, pois expõe o planejamento operacional e a segurança da população", justificou.

Seleção dos batalhões é técnica, diz SSP

A reportagem pediu à assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública uma entrevista com o secretário Guilherme Derrite. O pedido não foi atendido. Por meio de nota, a secretaria afirmou que a seleção dos batalhões é feita a partir de critérios exclusivamente técnicos e operacionais, e não da disponibilidade de equipamento. "Ainda assim, conforme levantamento da própria reportagem, mais da metade dos batalhões contava com câmera corporal", disse.

Ainda de acordo com a nota da SSP, "todos os casos de morte decorrente de intervenção policial no âmbito da operação são investigados pelo Deic [Departamento Estadual de Investigações Criminais] de Santos, com apoio do DHPP [Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa], e pela Polícia Militar por meio de Inquérito Policial Militar. O conjunto probatório apurado nas investigações, incluindo imagens das câmeras corporais, foi compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário".

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