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ViaMobilidade pegou mais de 30 trens emprestados da CPTM, mas não devolveu

Desde que assumiu as operações das linhas 8 e 9 do trem metropolitano de São Paulo, em janeiro de 2022, a ViaMobilidade usa mais de 30 trens emprestados pela CPTM.

Entre eles estaria o trem Q148, hoje parado em uma oficina da estrutura pública.

"Q" quer dizer Quebec, e se refere à série número 7000. É um trem que a CPTM está consertando para a concessionária.

Procurada, a ViaMobilidade informou que não recebeu o Q148 na época certa, em janeiro de 2022, "por falta de condições operacionais".

Entretanto, fontes relatam que o Q148 foi entregue à iniciativa privada, mas que foi mandado para manutenção na CPTM em abril de 2022. "Voltou todo sucateado, e tivemos que refazer todo pra entregar [de volta] pra eles."

"O pessoal da ViaMobilidade pede socorro sempre para nós", acrescenta um funcionário da CPTM ao UOL.

"Manda quem pode e obedece quem tem juízo."

Questionada muitas vezes via assessoria de imprensa por e-mail, a CPTM não respondeu se o Q148 foi entregue à concessionária. Apenas afirmou que mandou outro trem, o H556, para substituí-lo.

Calendário de devoluções dos trens, anexo do contrato de concessão das linhas 8 e 9
Calendário de devoluções dos trens, anexo do contrato de concessão das linhas 8 e 9 Imagem: Reprodução/Juliana Sayuri/UOL
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56 trens

Em junho de 2021, o governo de São Paulo concedeu o comando das linhas 8 e 9 para a ViaMobilidade. Em janeiro de 2022, a concessionária assumiu 100% das operações.

A frota ideal para a operação, prevista no contrato para as linhas 8 e 9, é de ao menos 53 trens. Segundo a CPTM, foram cedidos 56 trens para a ViaMobilidade rodar nas linhas 8 e 9 — 35 deles devem ser devolvidos à CPTM, seguindo um calendário previsto no contrato de concessão.

"Trens são parte da infraestrutura e constituem um ativo de evidente relevância", avalia o advogado Augusto Neves Dal Pozzo.

"O governo pode permitir o uso temporário de bens públicos por entidades privadas sob condições pré-determinadas, desde que descritas contratualmente."

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Até o fim de setembro de 2023, segundo o contrato, a ViaMobilidade deveria ter devolvido 13 trens (não devolveu) e comprado 28 trens novos (4 estão ativos até agora).

Procurada, a ViaMobilidade diz que a entrega da fabricante (Alstom) está atrasada devido à falta de componentes. Por isso, até agora opera com a frota da CPTM.

A SPI (Secretaria de Parcerias em Investimentos), órgão do governo estadual responsável por acompanhar as concessões, confirmou que o adiamento ocorreu devido ao atraso na entrega de equipamentos.

Segundo o contrato, a concessionária deve ser multada em R$ 500 mil no primeiro mês de atraso, e em R$ 1 milhão nos meses seguintes. Já foram instaurados quatro processos de sanções, informou a SPI.

Alvo do MP

Fontes da CPTM contam que, devido ao empréstimo, a companhia precisou reativar trens mais antigos da série 2000 para rodar na linha pública 12-Safira.

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"O estado deu tudo, o trem, a linha, o lucro. E o serviço piorou por quê?", questiona uma delas.

Elas argumentam que a privatização piorou um serviço que é de interesse público: jogou para uma empresa não especializada a responsabilidade por um trabalho que é altamente especializado, o transporte sobre trilhos.

Desde que a ViaMobilidade assumiu as linhas 8 e 9 do trem, houve ocorrências como falta de energia e falhas como trens parando fora da plataforma, abrindo portas do lado errado ou avançando sinais vermelhos.

Também houve descarrilamentos, colisões e acidentes. Foi quando o Ministério Público de São Paulo abriu investigação para apurar falhas nas linhas.

Sete meses depois, a concessionária assinou termo de ajuste de conduta e vai pagar R$ 150 milhões em indenização ao Estado.

Para o secretário Rafael Benini, da SPI, nas linhas 8 e 9 "teve erro dos dois lados": na operação da concessionária e nas condições dos trilhos. "Um trilho não fica ruim do dia para a noite. E eles estavam muito ruins", diz.

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"É o 'know-how' da CPTM que garante operar nesse sistema, porque realmente as linhas não estão boas. Nossos ferroviários são heróis por conseguir fazer um serviço de qualidade dentro dessas condições."

"Conduzir um trem não é pra qualquer um", diz o advogado Nelson Câmara, fundador de um escritório especializado em direito trabalhista de metroferroviários desde a década de 1960. "O poder econômico quer pagar o mínimo para ganhar o máximo — comete o erro crasso de desqualificar o trabalhador, o que vai desqualificar o serviço."

'SP vai parar'

Trabalhadores da CPTM temem perder os empregos caso as concessões avancem: imaginam que vão perder os cargos concursados e, se forem absorvidos pela concessionária, terão de aceitar salários menores e jornadas maiores, diz um técnico.

"Se você põe um maquinista para trabalhar 12 horas seguidas, ele vai 'pescar', vai ter momentos de perder o foco. É aí que abre a porta errada, passa no sinal vermelho", afirma um maquinista, criticando as falhas da ViaMobilidade.

Trabalhar nos trens exige experiência e extrema atenção, dizem profissionais da área. "É o que a gente chama de 'casar com o trem'."

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Ao longo de 2023, trabalhadores da CPTM e do Metrô fizeram campanha conjunta para frear as privatizações previstas pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Recentemente, a Sabesp entrou no jogo.

A greve de 3 de outubro mobilizou trabalhadores das três categorias. A greve desta terça-feira, 28 de novembro, também tem adesão de professores contra um corte de até R$ 10 bilhões nos investimentos para educação.

"São Paulo vai parar e a responsabilidade é do governador", diz Camila Lisboa, presidente do Sindicato dos Metroviários de SP.

Se as demandas não forem atendidas, principalmente parar as privatizações de serviços públicos, trabalhadores de diversas áreas pretendem continuar articulando ações conjuntas. "Estamos mais unidos do que nunca."

Atualização: após a publicação, a ViaMobilidade informou que adquiriu 36 trens novos — sete foram entregues pela fabricante e, entre eles, quatro estão em operação.

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