'Brennand' EP2: 'Achei que ali eu ia morrer', diz vítima, em áudio inédito

No segundo episódio do podcast "Brennand", o repórter Mateus Araújo vai até o condomínio Fazenda Boa Vista, em Porto Feliz (SP), onde o empresário pernambucano Thiago Brennand morava.

Segundo relatos de vítimas e testemunhos, era ali que ele se mostrava violento com funcionários, visitantes e outros moradores. Ouça o episódio no arquivo acima.

No podcast do UOL Prime, áudios exclusivos, documentos e entrevistas revelam detalhes inéditos do modus operandi do milionário, preso desde abril em São Paulo.

A história ganhou atenção depois da agressão pública do empresário a uma mulher numa academia, em agosto de 2022, que trouxe à tona uma cadeia de outros crimes e acusações contra ele.

Foi nesta mansão que K., uma produtora pernambucana radicada em Miami, passou, segundo ela, dias de pânico e medo. "Achei que eu ia morrer", desabafa.

Ela contou à Justiça que foi agredida, estuprada e ameaçada por Brennand. Também relatou ter sido tatuada à força com as iniciais do nome dele.

Entretanto, em uma ligação telefônica à qual o UOL teve acesso, K. diz a Brennand que "queria muito um dia fazer uma tatuagem" como aquela, mas não naquele dia. Ela diz que queria fazer "uma surpresa" para ele.

Além dos relatos de K., o episódio conta a versão do tatuador de Brennand, T., acusado de tortura no caso da tatuagem.

O profissional dá detalhes de como foi chamado a Porto Feliz, naquela noite, e se defende: "Se você ficar aos prantos, chorando, na tatuagem na costela fica tudo tremido". T. garante que "ninguém fez nada na marra".

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Procurada pela reportagem, a defesa de Thiago Brennand diz que está impedida de se manifestar. "Tudo que posso lhe dizer é que os casos estão em segredo de Justiça", explica o advogado Roberto Podval.

O podcast narrativo é apresentado pelo jornalista do UOL Mateus Araújo, que divide a reportagem com Juliana Sayuri. Os episódios vão ao ar sempre às quintas-feiras.

"Brennand" está disponível no YouTube do UOL Prime, Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music, Deezer e em todas as plataformas de podcast.

'Brennand'

Episódio 2 — O que acontece em Porto Feliz fica em Porto Feliz

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Aviso. Este programa tem linguagem forte, relatos de abuso sexual e pode não ser adequado para todos os públicos.

MATEUS EM CONVERSA COM UMA FUNCIONÁRIA DA FAZENDA BOA VISTA: Bom dia. Oi, amiga. Tudo bem? Bom dia. Eu sou repórter do UOL. A gente tava fazendo matéria aqui em Boituva, na verdade, a gente tava voltando e tentando parar pra almoçar, e eu achei que dava pra entrar pro hotel?

MATEUS ARAÚJO: Nesse áudio que você tá ouvindo, eu tô tentando dar um jeito de conseguir entrar no Hotel Fasano Boa Vista, em Porto Feliz, onde fica a mansão paulista de Thiago Brennand. As casas por lá podem chegar a R$ 300 milhões, e a hospedagem no hotel não sai por menos de R$ 3.000. Então é de se imaginar que o lugar é super restrito e requintado. E já que eu, infelizmente, não tenho nenhum amigo que mora por lá, achei que a melhor chance seria tentar acessar o restaurante que fica no local.

FUNCIONÁRIA DA FAZENDA BOA VISTA: Só com reserva.

MATEUS ARAÚJO: Essa é uma funcionária que me atendeu na portaria principal do condomínio. A entrada fica no km 102 da rodovia Castello Branco. São dois portões grandes e uma guarita com um pequeno jardim, onde ficam os seguranças. Eu não tinha feito reserva. No site deles, não tem essa opção.

MATEUS ARAÚJO: Só com reserva? Será que dá tempo de fazer reserva.
FUNCIONÁRIA: Não sei, você pode tentar.
MATEUS ARAÚJO: Tu tem algum telefone que eu possa ligar?

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MATEUS ARAÚJO: Ela me passou o telefone da recepção do hotel. Pra ser sincero, eu já sabia que o condomínio tinha regras bem restritas para entrar. Mas a funcionária da portaria me deu um tiquinho de esperança.

RECEPCIONISTA DO HOTEL FASANO: Hotel Fazenda Boa Vista, recepção, [silenciado], bom dia.
MATEUS ARAÚJO: Oi, [silenciado]. Bom dia. Tudo bem?
RECEPCIONISTA DO HOTEL FASANO: Tudo bem?
MATEUS ARAÚJO: Eu queria tirar uma dúvida. É... Pra ir no restaurante, tem como fazer reserva?
RECEPCIONISTA DO HOTEL FASANO: Infelizmente, nós não efetuamos reservas pra não hóspedes e não proprietários também.
MATEUS ARAÚJO: Ah, entendi.

MATEUS ARAÚJO: Voltamos para a rodovia Castello Branco e entramos na primeira rua à direita. É uma estradinha de terra, onde fica outra portaria do condomínio. Passando nesse caminho, a gente tem uma noção do tamanho daquele lugar. São 12 milhões de m². Ali, tem um muro enorme, cheio de câmeras, que contorna todo o complexo.

Entre os moradores do Hotel Fasano Boa Vista estão o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto; o fundador da XP, Guilherme Benchimol; e o ex-ministro das Comunicações do governo Bolsonaro, Fábio Faria. A entrada pela estradinha de terra é mais usada por prestadores de serviço e funcionários do condomínio. Lá, me barraram de novo.

Mas, pelo menos, eu consegui ver de perto o lugar onde, na madrugada de 2 de setembro de 2021, segundo K., Thiago Brennand despistou a polícia que o aguardava na portaria da frente.

VINHETA: Eu sou Mateus Araújo. E esse é Brennand, um podcast do UOL Prime. Neste segundo episódio, a gente explica como o empresário Thiago Brennand supostamente montou uma fortaleza em Porto Feliz para praticar seus crimes, usando, para isso, armas e seguranças particulares, além da conivência de funcionários da casa e do condomínio.

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A partir da história e dos áudios de K., uma das vítimas dele, revelamos o modus operandi de Brennand pela primeira vez, ajudando a responder a pergunta que tem ficado no ar desde que o nome dele virou manchete: até onde vai a impunidade de um milionário?

Episódio 2: O que acontece em Porto Feliz fica em Porto Feliz.

MATEUS ARAÚJO: K., cujos relatos a gente está ouvindo desde o primeiro episódio, é somente uma das vítimas de Thiago Brennand que diz ter sido estuprada por ele num dos quartos da mansão de Porto Feliz.

O UOL conseguiu acesso inédito e exclusivo aos depoimentos dela. Lembrando que a gente tá chamando ela assim, de K., para resguardar a vítima.

A gente não vai reproduzir aqui, de novo, o relato dela a respeito do estupro que diz ter sofrido de Thiago. É muito forte e ouvir uma vez já é suficiente. Então, eu vou continuar a história de onde o último episódio parou, logo depois de K. ter sido violentada.

K.: Aí eu tomei banho, fui pro quarto, troquei de roupa e ali eu só queria ir embora. Eu cheguei a falar pra ele: "Olha, eu quero ir embora. Me desculpa qualquer coisa". Eu tava com tanto medo dele ali, que eu não queria falar absolutamente nada que desse raiva pra ele, pra ele cometer o mesmo ato. Então, assim, o medo que eu tinha daquilo acontecer de novo era tão grande que eu lembro que eu sentei na cama dele depois que isso aconteceu, sentei ali na cama dele, e eu só chorava e falava assim: "Desculpa, me deixa ir embora".

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MATEUS ARAÚJO: De acordo com o que K. relata nos depoimentos, o medo dela não era infundado. Não só Thiago estava armado o tempo inteiro, mas parecia ter um domínio completo sobre os seus funcionários.

K.: "Não adianta você ficar chorando, falar alguma coisa, ela trabalha comigo já há 20 anos. A [silenciado] me ama, é como se fosse a minha mãe. Você aqui tá na minha casa..."

MATEUS ARAÚJO: Brennand também exercia uma influência e tanto dentro do condomínio. E um episódio que aconteceu mais cedo naquele dia deixou isso bem claro pra K.

K.: Saímos do estábulo, ainda estávamos na calçada, onde uma senhora estava com um cachorrinho e o marido ao lado. Essa senhora começou a gritar: "Você é um louco, quase que me atropelou, a mim e ao meu cachorro!" Aí ele falou com a mulher: "Cala a sua boca, sua puta gorda". Ele completamente errado, ele xingou a mulher de um jeito absurdo, o marido da mulher atrás começou a gritar, a mulher começou a correr atrás do carro da gente gritando, falou: "Eu vou chamar a polícia, eu vou chamar a polícia".

MATEUS ARAÚJO: A mulher acionou, sim, a segurança da Fazenda Boa Vista.

K.: Aí eu vejo um carro atrás da gente, com barulho, e vem um cara na moto. Aí eu falei: "A polícia tá atrás de você". Aí ele: "Não é a polícia, não. É o segurança". Aí para do lado dele, aí o cara do carro fala assim: "Seu Thiago, me perdoe, o povo gritando com o senhor, seu Thiago! Esse povo não tem noção, seu Thiago". Eu achei que o segurança ia punir o Thiago pelo o que ele fez. Mas não. O segurança do condomínio simplesmente pediu desculpas pro Thiago por ele tá errado e ter xingado a mulher. E ele com a arma do lado, porque ele não se desfaz daquela arma dele, ele tá sempre em posse da arma.

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MATEUS ARAÚJO: Não tinha nada físico que bloqueasse a saída de K. da casa de Thiago. Mas, segundo a mulher, existiam seguranças armados de Brennand, os seguranças do condomínio que o protegiam e também as armas do próprio Thiago.

K.: Bem, eu poderia, sim, ter tentado fugir. Porque eu não tava amarrada, né? Mas a arma tava ali ao lado dele, dois seguranças na frente, eu no quarto dele, onde tem um corredor imenso antes de chegar na sala principal — e a parte principal é onde os dois seguranças dele ficam presentes, ficam ali. Então não tinha como eu sair da casa dele fugida, sem ninguém me ver. É impossível, seria impossível.

MATEUS ARAÚJO: Brennand era colecionador de armas. Ele se gabava de ter um arsenal de quase 70 objetos, entre fuzis, pistolas, espingardas e metralhadoras. Uma delas, das mais simplezinhas, a Glock 9 milímetros, custa cerca de R$ 15 mil. Ela e as outras armas de Brennand foram apreendidas depois do caso da academia. Num vídeo postado no canal do YouTube dele, que foi excluído, Thiago lamenta o fato.

THIAGO BRENNAND EM VÍDEO NO YOUTUBE: Quem era o maior colecionador de armas táticas? O que há de mais moderno, né? O que há de mais regulado, pronto, pra batalha de espaço confinado ou pro tiro de precisão, era a minha coleção. Hábito que vem de família, hábito secular. Um cidadão de 42 anos que nunca respondeu a nenhum processo por uso de arma de fogo.

MATEUS ARAÚJO: Tudo isso era permitido, porque ele tinha registro de caçador, atirador desportivo e colecionador de armas. Registro esse que foi suspenso pelo Exército, em setembro de 2022, quando os processos contra ele começaram a surgir.

Nos áudios de testemunhas e informantes aos quais o UOL teve acesso, a questão sobre as armas serem registradas ou não, é trazida à tona algumas vezes, de forma contraditória. O policial militar Daniel Cossani, que era personal trainer e uma espécie de faz-tudo de Thiago, garante que as armas eram todas registradas.

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DANIEL COSSANI: O Thiago é colecionador de armas. Ele tinha o certificado de atirador, andava com armas quando ele ia no estande fazer tiro e tinha uma espécie de um "bunker" na casa, em que ele guardava só as armas e as munições, deixava fechado pra ninguém ter acesso, mas era dele. Todas as armas registradas. Tinha documentação, tudo certinho. Me mostrou algumas armas, tinha fuzil de precisão, tinha pistola, pistola de vários calibres, mas tudo regularizado. Das vezes que ele estava comigo, ele andou armado só quando ele foi pro estande. Se ele andava [armado em outras ocasiões], ele colocava na bolsa e eu não tive contato.

MATEUS ARAÚJO: Mas não é isso que C., uma americana com quem Thiago teve um relacionamento em 2021, afirma. Ela, que também o acusa de estupro, diz que ele se gabava exatamente do fato dessas armas não serem devidamente legalizadas.

C.: Ele falava que ele tem bastante arma, bastante arma sem registro, sem número serial. Quando ele quer finalizar as pessoas na lista negra dele, ele não vai ser descoberto.

MATEUS ARAÚJO: Era exatamente disso que K. tinha medo.

K.: O medo que eu tinha é que ele fosse pegar aquela arma e atirar em mim em qualquer momento. Ele falava: "Não, você não vai embora. Você vai ser a minha mulher, a gente vai casar, a gente vai ter filho, você vai ficar aqui em casa comigo, eu vou te transformar numa mulher de verdade, que você não é". Ele sempre falava isso: "Eu vou te transformar numa mulher".

MATEUS ARAÚJO: Thiago nunca foi casado. Um de seus relacionamentos mais sérios, digamos assim, foi com D., no início dos anos 2000. Ela é dona de uma loja de roupas no Recife. O casal conviveu durante quatro anos, entre idas e vindas. Mas era "um relacionamento abusivo", nas palavras dela, e por isso chegou ao fim.

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Thiago e D. tiveram um filho — o único herdeiro dele. Após a separação, os dois mantinham a guarda compartilhada do menino. Em 2012, ela entrou na Justiça para reivindicar a guarda do garoto, de então 7 anos. No processo, que o UOL teve acesso, ela acusa Thiago de alienação parental. Mas a mãe acabou não ganhando a causa.

Voltando a K., no dia seguinte ao primeiro estupro, ela diz que Thiago agiu como se nada tivesse acontecido.

K.: Aí ele falou assim: "Agora se arruma". "Se arruma pra que, Thiago?" "Se arruma que você vai sair comigo, eu vou na academia". Eu falava assim: "Eu não vou na academia, eu quero ir pra minha casa". Ele: "Não, você vai na academia comigo, você vai ficar quieta e você não vai falar com ninguém. Eu mando naquela academia, você não fale com ninguém".

MATEUS ARAÚJO: A academia em que Thiago "mandava" era a Bodytech do Shopping Iguatemi, onde a agressão dele a uma modelo foi flagrada pelas câmeras de segurança e noticiada em todo o Brasil.

Brennand batia ponto por lá, de segunda a sábado. Desde que voltou a morar no Brasil, era certo encontrá-lo treinando ali entre às 18h e às 21h, como o próprio filho dele chegou a dizer à Justiça. A fama dele de agressivo já era de conhecimento de quem frequentava o local. Uma das testemunhas de Helena, a modelo que foi agredida por ele na academia, disse que foi alertada algumas vezes sobre como se comportar perto de Thiago.

TESTEMUNHA DA AGRESSÃO NA ACADEMIA: As pessoas falavam "toma cuidado", entendeu? Para não discutir nada com ele. Eu nem sabia o porquê. Eu falava para mim que não tem problema algum com relação a isso, né? E aí depois do fato com a Helena, aí, sim, ouvi dizer das pessoas que ele criava muita briga, que ele tinha esse temperamento um pouco mais nervoso, fora do controle.

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MATEUS ARAÚJO: Depois que o caso Helena saiu na imprensa, a Bodytech cancelou a matrícula de Thiago. Mas meses antes disso, quando K. chegou com ele por lá, a ideia de fugir ou pedir ajuda passou pela cabeça dela.

K.: Eu cogitei a ideia de fazer isso. Eu fui ao banheiro. Na hora que eu cheguei perto do banheiro, ele veio atrás de mim, ele me puxou e ele falou assim: "Você não tente falar com ninguém, eu estou te afirmando que eu te acho em qualquer lugar que você estiver. Lembre-se que seus filhos estão sozinhos em Miami com a [silenciado], que eu já sei da vida toda da sua babá". Ali ele me ameaçou mais uma vez e eu não fiz absolutamente nada, eu não tive coragem de falar com ninguém.

MATEUS ARAÚJO: Quando não estava na mansão de Porto Feliz ou na academia, nos Jardins, Thiago era facilmente visto em clubes de hipismo ou em restaurantes badalados de São Paulo.

Ele ia, por exemplo, ao francês Bagatelle, aos italianos Lellis Trattoria e Pomodori, e aos japoneses Nakka e Naga. Foi nesse último, localizado nos Jardins, que ele e K. foram mais tarde naquele dia. E parece que ele não é o único Fernandes Vieira que gosta dos pratos do chef Mario Nagayama.

K.: Assim que nós chegamos, eu olhei pro lado e vi os dois irmãos dele. Aí eu virei pra ele e falei: "Teus irmãos tão aqui".

MATEUS ARAÚJO: Os irmãos em questão eram Bruno e José Fernandes Vieira. Vale lembrar que K. conhecia eles da época em que morava no Recife. Portanto, a reação natural dela, vendo eles ali, foi cogitar cumprimentá-los.

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K.: Ele puxou meu braço e falou: "Você cale a sua boca, você não fala mais um A". E sentamos na mesa. Ali ele mal falava comigo, quando eu tentei falar alguma coisa sobre os irmãos, ele puxou a minha perna embaixo da mesa e falou assim: "Você não esquece que eu tô armado, você não esquece que eu posso fazer o que eu quiser e você não fala com ninguém. E não olhe atrás pra falar com meus irmãos, você não vire a sua cabeça pra falar com eles".

MATEUS ARAÚJO: Thiago falava pouco da família com K. Se reservava a narrar apenas os fatos positivos ou que o engrandeciam de alguma maneira. Ele tinha deixado de fora da pauta entre os dois, por exemplo, que já não falava nem com Bruno nem com José havia mais de duas décadas. Ver eles naquela noite, o abalou profundamente. E o resultado desse encontro foi um Brennand ainda mais agressivo.

K.: Ele começou a me bater dentro do carro já, por eu ter visto os irmãos, falado pra ele dos irmãos. E ali no carro ele já começou a me bater. Ele me empurrava, ele dava tapa. Ele fazia isso o tempo inteiro: empurrava e dava tapa, falando quem que eu pensava quê? Por que que eu fui olhar pros irmãos? Que os irmãos dele não prestavam, que todos eram lixos. Ele só xingava a família dele, ele só xingava os dois irmãos. "Você fica me comparando com esses merdas, com esses bostas. Como é que você teve a ousadia de virar o rosto, olhar pra eles e me falar?". Então ali ele começou a ficar com muita raiva de mim por eu ter visto os irmãos e mencionado o nome dos irmãos. Aí, ali no carro, eu já sabia que quando nós chegássemos na casa dele, ele ia me bater de novo e ia me forçar ao ato novamente. E aí nós chegamos na casa dele e foi exatamente o que aconteceu.

MATEUS ARAÚJO: O modus operandi de Thiago nos estupros que foram levados à Justiça é o mesmo, segundo os depoimentos das mulheres que o denunciam: sucessivos tapas, a recusa em usar preservativo, sexo anal forçado, câmeras escondidas registrando tudo e, em algumas delas, uma marca definitiva na pele.

K.: Coloquei a minha roupa de volta, aí ele falou assim: "Agora vem aqui pra sala, que o fulano de tal tá nos esperando". E, pra mim, ele ia fazer alguma tatuagem nele, jamais na minha cabeça imaginei que ele fosse..

MATEUS ARAÚJO: Thiago tem boa parte do corpo coberta de tatuagens. Os dois braços e o peito esquerdo são quase que completamente preenchidos pelos desenhos. Você lembra da tatuagem que K. tinha na costela, com as iniciais de um ex-namorado, e que foi a gota d'água pro primeiro surto de Brennand? Então, sem consultar K., diz ela, Thiago decidiu fazer alguma coisa a respeito.

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K.: Aí ele fala assim por tatuador: "Mostra aí a tatuagem". Não, ele fala assim: "[silenciado] Levanta a blusa aí. Levanta a sua blusa, quero ver a sua tatuagem pequena". "Por que que eu vou mostrar minha tatuagem?" Aí eu levanto, daí ele fala assim: "Pronto, fulano, vem aqui, mostra aqui como a gente vai cobrir isso daí". Aí eu falei: "O que que você tá falando, Thiago?" Daí ele falou assim: "Não, isso aqui é um presente pra você". Aí eu falei: "Thiago, o que é que você tá falando?" Daí ele falou: "Você vai tatuar agora. Você vai tirar isso aí e você agora vai tatuar a minha marca. Você agora é propriedade minha".

MATEUS ARAÚJO: A "marca" de Thiago são as iniciais TFV, do nome Thiago Fernandes Vieira, acompanhadas de duas espadas cruzadas. Ela está presente no quimono de jiu-jítsu dele, na roupa de cama da casa, nos guarda-sóis da área externa da mansão e até em camisetas que ele usava no dia a dia... E, supostamente, na pele de algumas das mulheres com as quais ele se relacionou.

Duas mulheres estrangeiras acusaram Thiago de ter obrigado elas a tatuar a logomarca dele nos seus corpos. Uma delas disse que ele se vangloriava da ação e que garantia que tinha feito o mesmo com pelo menos mais uma dezena de outras mulheres. Naquele dia, K. parece ter entrado na lista.

K.: E, ali, eu não estava acreditando que aquilo tava acontecendo. E isso ali todo mundo vendo. As pessoas, assim, também acho que ficaram impressionadas com tudo que tava acontecendo ali... Eu olhei pro tatuador e falei assim: "Não, eu não quero fazer tatuagem nenhuma, eu não vou fazer tatuagem". Aí ele falou assim: "O Thiago me trouxe aqui pra fazer isso, e aqui tá a arte já". E trouxe o papel com a tatuagem e ali eles só tavam vendo o tamanho da tatuagem que queriam fazer em mim, que cobrisse o nome e que ficasse maior.

MATEUS ARAÚJO: Na versão de K. da história, ela diz que deixou muito claro que não queria fazer aquela tatuagem.

K.: Aí o Thiago pegou, me puxou. Eu chorando, eu ali não acreditava, eu olhava pra empregada de costas, eu olhava para a massagista, eu falava: "Gente, eu não quero fazer a tatuagem, eu não vou fazer isso". Eu olhava pra todo mundo e eles me olhavam assim, ninguém falava um A. Aí ali ele me olhou e falou assim: "Olha, mulher, eu já te falei quem eu sou, já te falei o que eu faço, já te falei o que eu posso fazer... Você vai fazer essa tatuagem, [silenciado]. Aqui não tem opção de você não fazer. Você vai fazer a tatuagem, você sabe do que eu sou capaz". Então, na minha cabeça, eu não tinha a opção de não fazer a tatuagem. Aí forraram o sofá pra mim. Enquanto eu chorava, o cara me tatuava.

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MATEUS ARAÚJO: Essa é a versão que K. contou na oitiva ao Ministério Público. Depois, numa conversa com Thiago, K. contou essa história de um jeito um pouco diferente, que você já vai ouvir.

E a versão do tatuador também é outra:

JULIANA SAYURI: Em outubro de 2022, ou seja, muito tempo depois, o tatuador que era considerado só testemunha de defesa de Brennand, se tornou corréu no processo, acusado de tortura e lesão corporal.

MATEUS ARAÚJO: Essa é a Juliana Sayuri, minha colega, que você já ouviu no último episódio. Ela apurou o caso Brennand junto comigo.

JULIANA SAYURI: Na época, que foi justamente quando estouraram, na verdade, todas as acusações contra Brennand, esse foi um dos motivos que levou a mais um mandado de prisão contra ele, Brennand. E para o tatuador foram impostas medidas cautelares, apreensão de passaporte. Ele ficou muito abalado, ele sumiu, nunca deu entrevista nenhuma, embora tenha sido procurado por diversos veículos.

MATEUS ARAÚJO: O cara é avesso a entrevistas. Mas Juliana deu um jeitinho de chegar até ele.

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JULIANA SAYURI: Eu mandei uma mensagem pra ele, no inbox do Instagram, perguntando simplesmente como é que tava a agenda dele naquele mês. Ele respondeu, super simpático, eu repliquei falando que queria marcar uma consulta, sem dar mais detalhes. E foi assim que a gente marcou uma conversa no estúdio dele. Chegando lá, eu disse que queria conversar sobre uma tatuagem específica. A que tinha: TFV.

JULIANA SAYURI: Oi, com licença. Prazer, Juliana.
T.: Sentem aí, fiquem à vontade.
JULIANA SAYURI: Desculpa não ter dito desde o início que eu sou jornalista, na verdade.
T.: Certo.
JULIANA SAYURI: Mateus também é meu amigo jornalista. Nós trabalhamos no UOL.
T.: Certo.
JULIANA SAYURI: Nós gostaríamos de conversar com você sobre uma tatuagem.
T.: Brennand. Não tenho nada a declarar, de verdade.

MATEUS ARAÚJO: T. é um cara bem simpático, gente fina. É um tatuador premiado. Ele não autorizou o uso da voz pra esse podcast. Então a gente pediu pra que Tiago Dias, nosso colega do UOL, lesse alguns trechos da conversa que a gente teve com ele.

T.: Lógico que eu não tive o procedimento de preencher uma ficha alguma coisa do tipo. Mas eu tava na casa dele, na residência, e eu tava pronto pra tatuar ele, né? Eu fui lá montar porque eu atendia ele lá para montar as coisas para tatuagem. Só que no dia que ele chegou com ela, ele já tinha comentado dela uma vez e parece que ele queria alguma coisa séria com ela, entende? Sempre que eu ia ele tinha mulheres lá, né? E também não deve ser muito difícil, né? Porque o cara tem muito dinheiro, muitas posses. Então muitas das mulheres a gente já via que se aproximam por interesse. Ninguém se aproximava se não fosse por interesse. Todos que estão do lado dele é por interesse financeiro. Não tem jeito. Eu só fui atender ele por causa do dinheiro, meu trabalho. Lógico, ele pagava bem e eu já atendi ele há uns quatro anos, entendeu?

MATEUS ARAÚJO: T. era uma espécie de tatuador oficial de Brennand. Ele contou pra gente que o empresário não ligava muito para a arte, em si, mas para a sensação de exclusividade. O esquema de contratação entre os dois era por diárias. Toda vez que era "convocado" para ir a Porto Feliz, cancelava toda a agenda. Ele recebia uma diária de cerca de R$ 3.000, independentemente de precisar tatuar ou não.

T.: Mas no dia, meu, eles tavam jantando fora, tudo arrumado e chegaram de boa, casal, suave. No depoimento, não sei se ela fala de bater, de apanhar, que ela apanhou dele? Ela não tinha nenhuma marca de hematoma, essas coisas, tudo normal. Zero.

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MATEUS ARAÚJO: Aqui tem um ponto importante. Nessa hora, Juliana perguntou se K. tinha chorado durante a sessão.

T.: Nada, chorando nada, ela ficou de boa. Ela não chorou. Se você ficar aos prantos, chorando na tatuagem na costela fica tudo... Tremido, entendeu? É aqui, respiração é pulmão, não tem como você ficar aqui, chorar e não se mexer nada, né? E outra: eu não fiz nada. Você é louco. Eu jamais faria. Não vi nada de errado também, não vi nem... No entanto, eu levei um susto quando chegou depois, tem uns 15 dias depois, ele me ligou e falou: "Ó, aquela maluca tá falando que eu estuprei ela, que eu deixei ela em cárcere privado, um monte de coisa". Aí eu falei: "Oxe". Que fez a tatuagem na marra... Falei: "Não fiz nada na marra, ninguém fez nada na marra". O resto eu não sei, velho.

MATEUS ARAÚJO: Numa conversa que Thiago e K. tiveram uns dias depois, e que foi gravada por ela na tentativa de conseguir uma confissão dele a respeito do estupro, eles chegaram a mencionar o episódio. K. não diz que foi "obrigada", mas deixa claro que não queria ter feito aquilo naquele momento.

THIAGO BRENNAND: Você chegou a dizer que a tatuagem foi de propósito. Eu me magoei muito com aquilo, cara. Eu mandei o tatuador ir embora quando achei que você achou que era uma coisa forçada, e você [disse] "então vem de volta".
K.: Thiago, aquela tatuagem... Eu queria muito um dia fazer uma tatuagem com seu nome, muito. Mas eu indo até lá e fazendo uma surpresa pra você. Eu não esperava jamais ter alguém me esperando de surpresa pra fazer uma tatuagem. Eu não estava preparada.
THIAGO BRENNAND: Olha o que você tá falando, ninguém tava te esperando, era o meu appointment.
K.: Eu sei, era o seu appointment, mas quem acabou fazendo a tatuagem fui eu.
THIAGO BRENNAND: Mas eu mandei ele embora quando vi você insatisfeita.
K.: Eu sei que você mandou ele embora, mas daí...
THIAGO BRENNAND: Aí você mandou voltar.
K.: Mandei ele voltar, com certeza, porque daí eu me senti mal em não ter feito. Porque isso eu teria feito...
THIAGO BRENNAND: Tá bom, que bom que você fez, tá linda.

MATEUS ARAÚJO: Tatuagem feita, já passava da meia-noite em Porto Feliz. O tatuador e a massagista já tinham ido embora. Na casa, naquele momento, estavam Thiago, duas empregadas e K. que, segundo ela, tava chorando incessantemente depois de tudo. E foi aí que a primeira chance de escapar apareceu.

K.: Depois que o cara terminou a tatuagem, o cara foi embora, a massagista foi embora, e a [silenciado] me olhou ali chorando e começou a passar mal. A [silenciado] falou assim: "Tô passando mal, tô passando muito mal. Acho que vou desmaiar, seu Thiago, por favor, me leva no ambulatório".

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MATEUS ARAÚJO: Thiago entrou em desespero. Acompanhado da outra empregada, botou M., a governanta que tava passando mal, no carro e correu pro ambulatório do condomínio. Era a primeira vez que K. conseguia ficar sozinha desde que tinha chegado em Porto Feliz.

Naquele momento, ela tinha algumas opções. Fugir pelo condomínio ou se esconder em algum lugar; acionar a segurança do hotel; ligar pra polícia; tentar pedir um Uber e escapar pra São Paulo... Mas ela não fez nada disso.

K.: O Thiago foi levar a [silenciado] e a outra empregada no ambulatório. Foi nessa hora que eu peguei o meu telefone e compartilhei a minha localização com o meu irmão.

MATEUS ARAÚJO: K. ligou pro irmão que tava no Recife. Pode parecer uma escolha pouco inteligente. Mas, pra ela, essa era a melhor decisão que poderia ter tomado. E logo logo a gente vai entender o porquê.

K.: Falei pra ele: "[silenciado], pelo amor de deus, me ajuda, eu já estou apanhando já faz inúmero de dias, ele tá me estuprando, acho que vou morrer". Eu achava que ia morrer naquele dia. Porque ele mandou embora os seguranças dele, não tinha segurança na casa, e ele ia voltar pra casa e ia tá eu e ele. Eu achei que ali eu ia morrer.

MATEUS ARAÚJO: Ela disse pro irmão que estava sendo mantida em cárcere privado na casa de Thiago Brennand, em Porto Feliz, e que ele a tinha agredido e estuprado diversas vezes. K. poderia até ter dado mais detalhes sobre o que tava acontecendo. Mas não deu tempo.

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K.: Aí, na hora que eu tô do lado de fora, quem chega? O Thiago, de carro.

MATEUS ARAÚJO: As duas empregadas tinham ficado no ambulatório. Thiago voltou sozinho pra casa.

K.: Eu falei: "[silenciado], ele me viu com o telefone, finge que eu só to falando com você normal". Eu coloquei no viva-voz, já pra ele perceber que eu estava falando com meu irmão, pra ver se o Thiago sentia algum tipo de medo de não fazer nada comigo. Aí eu falei pro Thiago: "Não, peguei o telefone só pra tranquilizar meu irmão". Quando o Thiago tava parando com o carro, eu falei pro meu irmão: "Pelo amor de Deus, finge que nada tá acontecendo, que eu não falei nada com você". Então, no viva-voz, o Thiago falou com o meu irmão: "Oi, tudo bem". E ele falava pra mim: "Me dá essa merda agora, desliga esse telefone agora, desliga, desliga, desliga". E eu falei: "[silenciado], tenho que desligar o telefone. Tá tudo bem, a gente se fala depois". Aí desliguei o telefone e ele começou a gritar comigo. "Por que merda que você pegou o seu telefone? Você tava falando com seu irmão, você falou da tatuagem, o que é que tá acontecendo?" Eu falei: "Não, não falei nada, só peguei o telefone pra falar com ele, porque eu tinha que avisar pra eles que eu tava em algum lugar". Aí ele tomou o telefone de mim, levantou a minha blusa, apertou a minha tatuagem que eu tinha acabado de fazer. Ele falou assim: "Tá vendo, só pra lembrar que quem manda aqui sou eu. Você faz o que eu quiser". Ele apertava a minha tatuagem preu sentir a dor da tatuagem ali feita no momento. E falou assim: "Tá vendo? Até a minha funcionária passou mal por causa de você, por esse showzinho que você deu".

MATEUS ARAÚJO: K. e Brennand estavam agora apenas os dois na casa de Porto Feliz. E a quase 3.000 km dali, um B.O. tava sendo registrado contra ele no Recife.

Se na cidadezinha do interior de São Paulo Thiago não se importava tanto com o que falavam sobre ele na boca miúda, na capital de Pernambuco a coisa era diferente. Lá, ele fazia questão de manter as aparências. Ou melhor, como ele gosta de dizer, de manter limpa a sua biografia.

No próximo episódio de "Brennand":

THIAGO BRENNAND: Eu vou lhe dizer só uma coisa: as biografias são diferentes. A minha, da sua e do seu pessoal.

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HELENA VIKTORIA BRENNAND: Eu vim aqui falar em nome de meu pai, em nome de Brennand. Brennand é Francisco, a mídia tá chamando Thiago de "Brennand foi acusado", "Brennand foi preso", "Brennand foi extraditado". Miinha gente, o que é isso, é um absurdo!

THIAGO BRENNAND: Cara, que coisa maltratante, cara. Com tanto cuidado que eu tinha pra me expor pra Recife, cara.

MATEUS ARAÚJO: Eu sou Mateus Araújo e esse é "Brennand". A pesquisa e a reportagem do podcast foram feitas por mim e por Juliana Sayuri. O roteiro é de Clara Rellstab. Montagem é de Danilo Corrêa. Desenho de som de João Pedro Pinheiro. Trilha sonora de João Pedro Pinheiro com base na obra de Luiz Álvares Pinto. Trilhas adicionais do Epidemic Sound. O design é de Eric Fiori. Motion Design de Leonardo Henrique Rodrigues. Direção de arte de Gisele Pungan e René Cardillo. Coordenação de Juliana Carpanez, Ligia Carriel e Olivia Fraga.

O podcast é um produto do UOL Prime, que tem Diego Assis como gerente geral de reportagens especiais. O projeto também conta com Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.

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