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Família vai do despejo a R$ 750 mi em contratos sem licitação

Três empresas que assinaram 38 contratos no total de R$ 751,1 milhões com a Prefeitura de São Paulo pertencem a uma mesma família, que perdeu por dívida, há cinco anos, o apartamento em que morava.

O casal Walter Roberto Braga, 63, e Cintia Barros, 52, é dono da B&B Engenharia e BBC Construções. Junto com a Abcon, uma pequena firma fundada por um dos filhos de Walter, Bruno Braga, de 37 anos, elas assumiram o maior número de obras emergenciais durante a gestão do prefeito Ricardo Nunes, segundo levantamento feito pelo UOL.

Walter e Cintia passavam por dificuldades financeiras e tiveram de entregar o apartamento em que moravam à Caixa Econômica Federal para quitar uma dívida de R$ 1,2 milhão de uma de suas construtoras.

A vida do casal se transformou a partir 2021, com a chegada de Ricardo Nunes ao cargo de prefeito de São Paulo e o crescimento exponencial do modelo de contratações emergenciais, sem licitação, pela Siurb (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras).

Na gestão do atual prefeito, intervenções nesta modalidade consumiram R$ 4,94 bilhões. A bonança da nova fase das empresas do casal refletiu na mudança de capital social das empresas entre 2021 e 2023. O da B&B saltou de R$ 5,8 milhões para R$ 30 milhões e, da BBC, de R$ 500 mil para R$ 5 milhões.

Em março do ano passado, o casal comprou de um fundo imobiliário o mesmo apartamento que havia perdido cinco anos antes, por R$ 1,1 milhão.

A B&B e a BBC não têm site na internet e funcionam em um mesmo imóvel - um pequeno prédio de três andares sem placa de sinalização na Zona Norte de São Paulo. O endereço é ao lado da casa de uma das fundadoras da BBC, a mãe de Cintia, que não quis dar entrevista.

Fachada da B&B Engenharia, empresa que pertence aos mesmos donos da BBC Construções, em São Paulo
Fachada da B&B Engenharia, empresa que pertence aos mesmos donos da BBC Construções, em São Paulo Imagem: Pedro Canário/UOL

Conforme revelou ontem o UOL, 223 dos 307 contratos da gestão de Nunes trazem indícios de conluio entre empresas que deveriam concorrer entre si. São casos em que apenas uma concorrente apresentou desconto relevante ao contrato - as outras duas declinaram, não quiseram oferecer desconto ou ofereceram desconto irrisório.

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O padrão de não concorrência foi verificado em 35 dos 38 contratos assinados pelas empresas BBC, B&B e Abcon no período.

Além de formar o grupo que mais recebeu recursos de obras emergenciais na cidade, as três firmas também foram as mais convidadas para assumir contratos: pelo menos uma delas aparece em 87 dos 307 convites feitos entre 2021 e 2023, ou 28,3% do total.

O UOL perguntou aos donos da B&B e da BBC o motivo de serem convidados com tanta frequência para realizar obras emergenciais. Eles se manifestaram por meio de nota:

"As empresas são cadastradas junto à Siurb em categoria compatível, possuem histórico de mais de 15 anos de execução de obras públicas, possuem regularidade certificada em todas as esferas", escreveram.

Perguntados se tinham conhecimento ou se comunicavam com as empresas convidadas a realizar a mesma obra ofertada pela prefeitura, negaram que isso ocorresse.

O apartamento que o casal perdeu na Justiça está próximo do endereço onde estão as empresas.

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Ao UOL, eles confirmaram ter passado por dificuldades financeiras no período anterior à assinatura dos contratos com a Siurb, segundo eles algo que "ocorre constantemente com inúmeros brasileiros e com diversas empresas".

Segundo o casal, em alguns momentos "não foi possível honrar com todos os compromissos financeiros das empresas e pessoais, havendo descompasso de fluxo de caixa", o que justificou a perda do imóvel onde viviam.

"Também como muitos outros brasileiros trabalhadores ou empreendedores, conseguimos ajustar as contas, negociar prazos e recuperamos o imóvel - simples assim", escreveram.

A Abcon, empresa do filho de Walter e Cintia, informou ser detentora de "expertise" para a realização das obras para as quais foi contratada. Perguntada se tinha conhecimento sobre quais eram as outras empresas convidadas a realizar a mesma obra, a empresa não respondeu.

O UOL perguntou ao secretário municipal de Infraestrutura e Obras, Marcos Monteiro, qual o critério utilizado na hora de escolher as empresas a receberem convites para cada obra. O secretário informou que a decisão se dá no âmbito da área técnica, considerando a expertise dos fornecedores, inclusive no caso das empresas ligadas ao casal Walter e Cintia.

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