Empresas com sede em imóvel vazio obtiveram R$ 92 milhões da prefeitura
Duas empreiteiras familiares — a DB Construções e a Tirante Construções —, que têm como sede um imóvel vazio na zona sul de São Paulo, assinaram contratos emergenciais de R$ 92,5 milhões com a Prefeitura de São Paulo para executar obras emergenciais entre 2021 e 2023.
As construtoras foram constituídas por membros das mesmas famílias, a Dutra Rodrigues e a Duque Buono. Juntas, têm capital social somado de R$ 3,5 milhões. Não há registro de contratos vultosos entre o município e as duas empreiteiras anteriores a 2021.
Reportagem publicada pelo UOL na segunda-feira (4) identificou indícios de combinação entre empresas convidadas para 223 dos 307 contratações, pela gestão Ricardo Nunes (MDB), para obras emergenciais entre 2021 e 2023. Os valores com indícios de combinação somam R$ 4,3 bilhões, ou 87% do total contratado emergencialmente para obras no período. A Prefeitura nega irregularidades e diz que o UOL faz "ilações".
A DB e a Tirante estão registradas no mesmo endereço, na Vila Fachini, zona sul de São Paulo. A reportagem do UOL visitou o local, uma área residencial, e não encontrou uma empresa no endereço: encontrou um espaço desocupado, fechado por um portão de ferro, mas com as portas e janelas internas abertas.
O interfone havia sido arrancado da parede, e ninguém atendeu aos chamados na porta.
Histórico
A DB Construções é a mais antiga das duas. Foi aberta em março de 1999 por Roberto Octavio Dutra Rodrigues Neto e por João Marcos Duque Buono, com capital social de R$ 40 mil. Em agosto, aumentou o capital para R$ 100 mil.
Em 2006, a DB registrou R$ 1 milhão de capital social. Em 2011, chegou aos R$ 2,5 milhões de capital que têm até hoje no cadastro da Receita Federal.
Em 2006, houve outra grande mudança: João Marcos Duque Buono deixou a sociedade e vendeu suas quotas para a irmã Luciana.
Já a Tirante foi aberta em 2012 por Iracema Barros Ferraz Dutra Rodrigues, mãe de Roberto Rodrigues Neto, e por Ivanise Duque Buono, mãe de Luciana e João Marcos Duque Buono.
A empresa já nasceu com o capital que tem hoje: R$ 1 milhão. Mas em janeiro de 2013, as sócias outorgaram procurações gerenciais a Luciana e a Roberto Octavio Dutra Rodrigues Filho, pai de Roberto Rodrigues Neto.
Quatro anos depois, as sócias passaram uma quota cada uma a Luciana e a Roberto Neto, Os dois se tornaram, então, sócios da Tirante e da DB ao mesmo tempo, transformando as empresas num grupo econômico.
O UOL tentou contato com os sócios da empresa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. Houve tentativas de contatos por telefone e por escrito, e até visitas a imóveis registrados pelos sócios como residências, mas sem sucesso.
No caso de Roberto Rodrigues Neto, a casa registrada como residência está fechada e a construção de um prédio residencial no terreno - a cargo de uma empreiteira dele - já foi anunciada. Depois dos insucessos em obter contato por telefone e presencialmente, a reportagem conseguiu contato com a irmã de Roberto Rodrigues Neto através de um taxista que costuma atender a família e enviou perguntas ao executivo. Não houve retorno.
Oficial de justiça não conseguiu citar empreiteiro
Roberto Rodrigues Filho era dono da empreiteira PEC - Planejamento, Engenharia e Construções. A companhia foi aberta no início dos anos 1990 e encerrada em 1998, em meio a uma disputa judicial com a prefeitura de Suzano, município na região metropolitana de São Paulo.
Em 1998, o município ajuizou uma ação por danos materiais contra a companhia por causa da construção de duas praças. Segundo a petição inicial, que foi consultada pelo UOL, a PEC fez as duas obras em 1994 e em 1995, mas, menos de dois anos depois, as praças já estavam deterioradas.
O pedido era para que a empresa restituísse a prefeitura em R$ 120 mil e pagasse mais 10% de danos morais. Em maio de 2007, a Justiça de São Paulo condenou a construtora a reembolsar Suzano em R$ 158,5 mil, mais os 10% de danos morais.
Só que a decisão nunca foi executada. Como a PEC foi encerrada em 1998, os oficiais de Justiça não conseguiram intimar ninguém nos endereços registrados da companhia e nunca encontrou os sócios - estiveram na sede sede da DB Construções, onde foram informados que Roberto Rodrigues Filho era pai de Roberto Rodrigues Neto, mas que o filho não sabia onde o oficial poderia encontrar o pai.
Em 2011, o caso trocou de juiz e o novo magistrado determinou a desconsideração da personalidade jurídica da PEC - os sócios, e não mais a empresa, passariam a responder com seu patrimônio pessoal pela dívida.
"A executada [PEC] não foi localizada em seu endereço, quando das diversas tentativas de citação para a execução", escreveu o juiz Daniel Fabretti, em despacho de julho de 2011.
"Não foram também localizados bens móveis da empresa, que, ao que tudo indica, sequer possui uma sede de fato. Assim, verifica-se que a executada simplesmente fechou o estabelecimento e levou embora todos os bens."
Sem que os devedores tivessem sido ao menos citados, o caso foi arquivado em junho de 2023 sem que a dívida fosse executada. Desde a desconsideração da personalidade jurídica até o último arquivamento (que tem prazo de um ano), foram cinco tentativas de execução, todas sem sucesso.
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