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'Tentei cortar o pescoço e não me lembro', diz paciente viciada em zolpidem

A advogada Lianara Albergui, de 31 anos, começou a usar o zolpidem na pandemia, quando cursava mestrado. Queria tratar insônia e terror noturno e de cara recebeu a prescrição de um clínico geral.

Ela começou o tratamento conforme a recomendação: ingeria o fármaco e deitava na cama, como indica a bula. Depois, começou a se aventurar.

Sentia uma 'onda' e comecei a usar para encontrar amigos, misturando com álcool. Sentia falta durante o dia para trabalhar e me manter calma. Com amigos, estava sempre chapada de zolpidem.

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Imagem: Germano Rorato/UOL

Relatos como o de Lianara se tornaram corriqueirosem clínicas e consultórios.

Psiquiatras e neurologistas se dizem apavorados com o aumento no número de casos de vício no hipnótico hemitartarato de zolpidem, que virou um problema de saúde pública.

O remédio para dormir tem sido usado indiscriminadamente no Brasil — até como droga recreativa.

Entre 2018 e 2022, as vendas aumentaram 66%, segundo a Anvisa. É comum o zolpidem ser prescrito sem acompanhamento médico para casos longos de insônia, mesmo sendo recomendado em bula o uso por no máximo três semanas.

Há pacientes, ainda assim, que afirmam utilizar o fármaco há mais de 20 anos.

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Imagem: Germano Rorato/UOL

Apesar de mais recente, o vício de Lianara bateu forte. Quando se deu conta, já não conseguia ficar sem o comprimido e se via agitada e ansiosa quando não o tinha em mãos.

Pedia receita para amigos médicos e trocava de médico só para conseguir prescrição. O zolpidem me comprometeu em um nível que não conseguia mais sair. Ele me empurrou para uma ladeira. Eu, que nunca tinha usado droga, me vi viciada. Lianara Albergui

Lianara tinha crises de amnésia quando usava durante o dia, na intenção de evitar crises de ansiedade. Era como se o dia não tivesse existido, ela conta.

Depois de um tempo, os esquecimentos passavam, e ela conseguia trabalhar normalmente e com mais calma.

"A psiquiatra disse que sou dependente química de zolpidem."

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Foram dois anos de vício até que ela recebeu dos pais e da esposa um ultimato: ou se livrava do zolpidem ou seria internada. Ela então deu início a um acompanhamento psiquiátrico.

Hoje, diz estar há três meses em desmame, que deve ser feito sob supervisão médica.

A abstinência do medicamento, em casos como o de Lianara, traz efeitos colaterais graves que vão de crises de ansiedade até tremores e sudorese.

O paciente pode ter crises convulsivas em quadros severos.

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Imagem: Carol Malavolta/Arte UOL

A psiquiatra que acompanha a advogada optou pelo clonazepam (Rivotril) para substituir aos poucos o zolpidem.

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Ainda assim, Lianara relata à reportagem sintomas persistentes de abstinência.

Deixo uma caixa na cabeceira da cama para evitar ansiedade. Já tentei cortar o pescoço com caco de vidro e não me lembro. Não tenho tendência suicida. É como se eu não estivesse mais aqui. É surreal.

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