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Farra das ONGs: projeto de R$ 13 mi impulsiona pré-candidato a vereador

O projeto Mais Esporte e Saúde, tocado pela ONG ICA (Instituto Carioca de Atividades) com R$ 13,6 milhões dos cofres federais, vem sendo usado para promover um ex-vereador do Rio que tentará voltar à Câmara Municipal neste ano.

"Volta, Professor Adalmir" é o lema que acompanha diversas postagens feitas pelo pré-candidato e pessoas ligadas a ele para divulgar as atividades do projeto nas redes sociais.

O projeto é bancado por recursos de uma emenda direcionada em 2023 por Jones Moura (PSD-RJ), suplente que assumiu assento na Câmara dos Deputados e é aliado do pré-candidato Adalmir de Souza.

A dobradinha mostra o uso político em pleno ano eleitoral de projeto tocado por ONG que integra uma rede com suspeitas de desvios de dinheiro, segundo revela investigação do UOL.

Ao todo, sete ONGs receberam quase R$ 500 milhões direcionados por ao menos 32 deputados e um senador.

Quarto suplente que assumiu a vaga de Daniel Soranz (PSD-RJ) em maio de 2023 e que ficou apenas alguns meses no cargo, após o retorno dos titulares ao Congresso, Moura conseguiu emplacar o projeto mais caro tocado por essas ONGs desde 2021, segundo levantamento do UOL.

Por email, Moura disse que "não atuou para prestigiar qualquer reduto eleitoral". Ele afirmou ainda que "qualquer pessoa do povo, jornalista, pré-candidato, parlamentar, pode visitar os locais em que são realizados os projetos para pesquisar sua implementação ou criar relações" (leia aqui a íntegra da resposta de Jones Moura).

Professor Adalmir foi procurado por WhatsApp. mas não se manifestou.

O Ministério do Esporte, responsável pela liberação do dinheiro e acompanhamento do projeto, não comentou o uso político. A pasta disse que "não está entre as suas competências interferir na escolha dos proponentes na destinação dos recursos ou na execução dos projetos".

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Ainda segundo o ministério, "a prestação de contas [que ocorre no fim do projeto] verifica o cumprimento do objeto, com análise dos elementos que comprovam, sob os aspectos técnicos, a execução integral do objetivo e o alcance dos resultados previstos nos instrumentos".

Pré-candidato a vereador Professor Adalmir (de camisa cinza, no centro), em núcleo do projeto Mais Esporte e Saúde
Pré-candidato a vereador Professor Adalmir (de camisa cinza, no centro), em núcleo do projeto Mais Esporte e Saúde Imagem: Reprodução/Instagram/Arte UOL

Mudança em plano

O Mais Esporte e Saúde levaria polos para a prática de ginástica, lutas e futebol para 40 cidades, além da capital fluminense, segundo o plano de trabalho apresentado pelo ICA ao Ministério do Esporte.

Na prática, porém, tudo mudou. No site de inscrições para as aulas, 56 dos 60 núcleos do projeto passaram para o município do Rio, boa parte na zona oeste, que concentra alguns dos maiores colégios eleitorais da cidade.

Essa mudança pode ajudar não só Adalmir como o próprio Jones Moura, que anunciou sua pré-candidatura a vereador na semana passada em suas redes sociais. Ele já teve dois mandatos na Câmara do Rio.

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Filha de assessora no comando

Outro ponto que mostra o controle político do projeto é que o cargo de coordenadora-geral do projeto Mais Esporte e Saúde ficou com uma aliada de Moura.

Julia Almeida Braga da Costa Thomaz, 26, é filha de Aline Almeida Braga, que trabalhou como assessora parlamentar de Moura.

Ela venceu processo seletivo para a vaga feito pelo ICA e hoje ganha um salário de R$ 6.100 para coordenar o projeto.

Moura não comentou a contratação da filha da aliada.

Divulgação em redes sociais

Professor Adalmir é quem mais vem usando o projeto nas redes sociais.

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Ele já compartilhou visitas a polos na capital, como em 12 de março, quando esteve em uma igreja na zona norte onde há aulas de ginástica. Em 19 de fevereiro, foi a um núcleo onde há aulas em uma praça na zona oeste.

O UOL também localizou postagens em que os instrutores das aulas marcam Adalmir como sendo o padrinho da iniciativa.

Já um perfil no Instagram criado especificamente para um polo de ginástica na Praça Manágua, em Bento Ribeiro, zona norte da capital, identifica Adalmir como o responsável pela estrutura do projeto.

Dificuldade para inscrições

Apesar de ser um projeto público de aulas gratuitas, não é tão simples se inscrever no Mais Esporte e Saúde.

Em abril, a reportagem entrou em contato, por meio do WhatsApp, com o ICA para tentar informações sobre matrículas.

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O retorno foi que só seria possível conseguir a vaga indo a algum polo e falando com o professor. Foi solicitada a lista de endereços de núcleos, mas não houve resposta.

O atendente pediu então para que fossem ditos bairros de interesse para que ele pudesse indicar os locais. Após a reportagem citar dois bairros, não houve uma nova resposta.

O Mais Esporte e Saúde possui um site onde é possível fazer pré-inscrição para atividades nos núcleos. No entanto, o UOL só conseguiu chegar a ele após pesquisa em redes sociais de professores que atuam no projeto.

Muito dinheiro, pouca estrutura

O custo de R$ 13,6 milhões do projeto não se reflete em estrutura. A maioria das aulas acontece em espaços públicos, como praças.

A reportagem conversou por WhatsApp, sem se identificar, com alguns dos instrutores do projeto.

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Apesar de a ONG ter pago R$ 213 mil por 7.200 camisas para os alunos no começo de março, o UOL ouviu relatos de que havia núcleos sem uniforme em meados de abril.

Ainda no início de março, também foram adquiridos 1.710 colchonetes para ginástica a R$ 35 mil. Mas, no mês seguinte, uma instrutora solicitou que fosse levada uma toalha para fazer os exercícios no chão.

Eventos que ninguém conhece

Enquanto a estrutura das aulas é precária, a ONG gasta com eventos nos quais o UOL detectou indícios de que não foram realizados.

No dia 13 de março, o ICA pagou à empresa Wax Serviços Especializados e Eventos R$ 857 mil por 60 eventos (R$ 14,2 mil cada), que teriam de oferecer itens como sistema de som, vídeo, tobogã e torre de escalada para crianças, medalhas, água e lanches.

A reportagem conseguiu contato por WhatsApp, em abril, com representantes de oito dos 60 polos, que disseram desconhecer a realização de qualquer evento nesses moldes.

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Ao todo, está previsto que a Wax receba R$ 3,4 milhões por esse serviço nos próximos meses — o valor representa um quarto dos R$ 13,6 milhões que a ONG recebeu para o projeto.

O UOL esteve em abril na sede da empresa, um escritório na Barra da Tijuca, mas foi informado de que não havia nenhum responsável no momento para falar pela empresa. A reportagem tentou contato por email, mas não houve retorno.

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