Em 2023, polícia matou mais que o crime em seis cidades do Brasil
Policiais civis e militares mataram mais do que criminosos em seis de 319 municípios com mais de 100 mil habitantes no Brasil em 2023.
Os dados contabilizam períodos em serviço e em folga dos policiais.
O cenário foi compilado pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) junto às secretarias estaduais de Segurança Pública e obtido com exclusividade pelo UOL.
Entre os seis municípios, dois estão no Rio (Angra dos Reis e Niterói) e dois em Sergipe (Itabaiana e Lagarto).
Os outros dois são Guarujá, em São Paulo, e Jequié, na Bahia.
A cidade do litoral paulista teve seus dados impulsionados pela Operação Escudo, que deixou 28 mortos.
Cidade mais violenta em 2022, Jequié teve a polícia mais letal do país no ano passado, segundo o Anuário do Fórum divulgado na quinta-feira (18).
O que acontece em Angra e Niterói
Angra dos Reis é conhecida nacionalmente pelas praias paradisíacas.
Mas desde 2021 a cidade passou a ser vista como estratégica pelo tráfico de drogas por causa do porto de Itaguaí, a 80 km de distância. Esse cenário levou a um aumento da violência.
A região é disputada pelas facções Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro.
Leonardo de Carvalho, pesquisador do FBSP, relata que o último mês em que a polícia não matou em Angra dos Reis foi dezembro de 2021.
Niterói, na região metropolitana do Rio, tem cinco delegacias de polícia.
Vinte e cinco das 44 mortes ligadas a intervenções policiais em 2023 foram apresentadas na 78ª DP, no bairro Fonseca, próximo a São Gonçalo.
Dessas 25 mortes, 16 ocorreram no primeiro trimestre de 2023.
À época, ocorria uma tentativa de tomada de morros pelas duas facções criminosas que disputam o território.
A violência na região cresceu. Houve dias com toque de recolher e comércio fechado. Na sequência, a polícia atuou de maneira ostensiva.
"A base territorial da região do Fonseca é uma área muito carente de política social, com várias favelas que se comunicam com outras favelas de São Gonçalo, que, por sua vez, são redutos do Comando Vermelho", explica Leonardo de Carvalho.
Dados da letalidade policial no Brasil
Cinco cidades baianas estão entre as que registraram maior letalidade policial no Brasil em 2023, segundo o Anuário do FBSP.
Ao todo, o Brasil registrou queda de 1% na letalidade policial entre 2022 e 2023.
Mas, na última década, houve um aumento de 189% no total de pessoas mortas por policiais civis e militares no país, em serviço ou durante a folga.
O Amapá é o estado com maior número de registros de mortes violentas intencionais e, também, de mortes decorrentes de intervenções policiais.
O local tem atuação de quatro facções criminosas, dentro e fora dos presídios, além de ter um porto estratégico para o crime, localizado em Santana, cidade mais violenta de 2023.
A Bahia vem na sequência, tanto em mortes violentas intencionais quanto na letalidade policial.
Em números absolutos, o estado é, disparado, o que teve mais mortes cometidas por policiais, com um acréscimo de 15,8% com relação ao ano anterior.
Polícias Civil e Militar da Bahia, assim como o Ministério Público Estadual, apontam que a alta letalidade policial registrada no território é uma resposta do estado às organizações criminosas.
Segundo o Ministério da Justiça, pelo menos 14 facções criminosas agem nos presídios baianos.
"Por um lado, tem relação, sim, com o avanço do crime organizado, mas isso é algo que o país inteiro está vivendo, não é uma exclusividade do contexto baiano. O que a gente pode apontar como uma especificidade da Bahia é uma opção das forças policiais de produzirem morte como uma forma de supostamente controlar o crime", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP.
Já o número de policiais assassinados caiu no Brasil entre 2022 e 2023. Em contraponto, os suicídios aumentaram entre a classe.
Segundo o Anuário, 127 policiais foram mortos no ano passado, enquanto foram registrados 118 casos de suicídio. O perfil do policial que morre de forma violenta é o mesmo dos civis: homem e negro.
Seis estados na contramão do Brasil
Entre 2022 e 2023, o Brasil registrou queda de 3,4% no total de mortes violentas intencionais, segundo o anuário do FBSP.
No entanto, seis estados tiveram alta no mesmo período: Amapá (39,8%), Mato Grosso (8,1%), Pernambuco (6,2%), Mato Grosso do Sul (6,2%), Minas Gerais (3,7%) e Alagoas (1,4%).
Segundo a ONU, o Brasil é responsável por 10% do total mundial de mortes violentas intencionais. O país tem 3% da população do planeta.
A taxa média global desse tipo de morte é de 5,8 para cada 100 mil habitantes. A média nacional é de 22,8 mortes.
O perfil das vítimas das mortes violentas intencionais continua o mesmo há ao menos 18 anos. Foi quando o FBSP começou a compilação de dados.
Em 2023, 90,2% eram homens, 78% negros e 49,4% com idade até 29 anos. Ao todo, 73,6% deles foram alvo de tiro.
O que dizem RJ, SE, SP e BA
- Rio de Janeiro: A SSP (Secretaria de Segurança Pública) afirmou que houve queda de 21% entre janeiro e maio deste ano nas mortes violentas do estado, com o menor número de vítimas desde 1991.
"Sobre o município de Angra dos Reis, os dados mostram que, no acumulado de janeiro a maio deste ano, houve queda de 36,5% na letalidade violenta, em relação ao mesmo período do ano 2023. E, em Niterói, houve queda de 12,5% na letalidade violenta, de janeiro a maio de 2024, em relação ao mesmo período de 2023."
- Sergipe: Sobre Itabaiana e Lagarto, a SSP afirmou que o dado corresponde "aos intensos enfrentamentos a grupos organizados que atuavam há anos nessas localidades, tanto com o tráfico de drogas como de roubos de motocicletas".
A pasta também disse que, apesar da alta na letalidade policial, houve redução de homicídios, latrocínios e roubos nas duas cidades.
"Nosso principal objetivo é garantir a segurança e a defesa da população, agindo sempre com base na legalidade e no respeito aos direitos humanos."
- São Paulo: A SSP afirmou que o estado tem as menores taxas de mortes intencionais do país.
"Os dados mostram que os indicadores nacionais para casos e vítimas são 3,1 vezes maiores do que a média paulista, enquanto a taxa de mortes intencionais no Brasil é 2,9 vezes mais alta que a estadual."
Ainda segundo o órgão, "as ocorrências dessa natureza são consequência direta da reação violenta dos criminosos diante da ação das forças de segurança" e que todos os casos de morte decorrente de intervenção policial "são rigorosamente investigados pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário".
- Bahia: A SSP afirmou que "as forças de segurança atuam com rigor, dentro da legalidade e com firmeza contra grupos criminosos envolvidos com tráficos de drogas e armas, homicídios, roubos e corrupção de menores".
A pasta também disse que o estado reduziu em 13% as mortes violentas no primeiro semestre de 2024: "os meses de maio e junho deste ano foram os que tiveram menos mortes violentas desde a série histórica, iniciada em 2012".
Diferentemente do FBSP, a Bahia não contabiliza entre essas mortes as cometidas por policiais civis e militares.
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