'Tirando PT, os outros são cartórios': MBL cria sigla visando ao Planalto
O MBL (Movimento Brasil Livre) quer sair das sombras. O grupo que se diz oposição a Lula e a Jair Bolsonaro quer se tornar um partido político.
A sigla levará o nome de Missão e não deve substituir o MBL: o movimento continuará vendendo livros e cursos de formação política.
"Serão duas instituições diferentes, com propostas e formas de atuar diferentes", aponta Renan Santos, cofundador do movimento.
"Fazer política no Brasil com os partidos que temos é quase impossível. Estamos há anos reféns de partidos que não têm compromisso com nada além dos interesses patrimonialistas dos donos deles."
Até o registro da sigla, Renan e o deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil), também do MBL, querem lançar um livro em que elogiam iniciativas à esquerda e à direita.
Os casos a serem registrados na obra vão das industrializações de Coreia do Sul e Vietnã ao combate ao crime organizado de El Salvador, passando pela política educacional da Finlândia.
A ideia é ter a defesa do meio ambiente como uma das bandeiras.
O MBL diz ter coletado mais de 700 mil assinaturas para iniciar o processo de registro. Elas foram submetidas à análise do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) — 181 mil já foram analisadas e estão aptas, segundo o TSE.
São necessárias cerca de 492 mil assinaturas para iniciar o processo de registro de um partido, e o prazo para análise de toda a documentação não pode passar de dois anos.
Jair Bolsonaro tentou criar um partido logo que assumiu a presidência, em 2019, mas o prazo de coleta de assinaturas esgotou-se e o projeto não vingou.
Resultados em 2024
Gestado em meio à onda de protestos contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2014, o MBL aderiu ao bolsonarismo desde o momento zero, rompendo com o governo de Bolsonaro quando o ex-ministro da Justiça Sergio Moro pediu demissão, em 2020.
Nas eleições municipais de 2024, conseguiu eleger 15 vereadores e uma vice-prefeita.
Foi seu melhor desempenho desde 2016, quando elegeu oito candidatos. A meta agora é disputar cargos mais altos no Executivo.
Kim Kataguiri viu a tentativa de se lançar à Prefeitura de São Paulo naufragar após ter sido, segundo ele, "sabotado pelo partido".
O União Brasil apoiou a candidatura de Ricardo Nunes (MDB), reeleito na capital paulista.
"A gente sempre ficou dependente de outros partidos para ter legenda e montar chapa para disputar as eleições prioritárias. Isso deixará de existir com o partido", diz Kataguiri ao UOL.
As lideranças do movimento admitem que pretendem fazer uso do Fundo Eleitoral, mesmo se posicionando contra esse tipo de financiamento partidário.
"No Parlamento, vamos continuar a defender a legalização da doação de empresas e o fim do fundo. Mas, enquanto ele existir e fizer parte da regra, vamos usar", diz Kataguiri.
Dissidentes
O advogado Rubinho Nunes, cofundador do MBL e vereador reeleito em São Paulo pelo União Brasil, defendeu a criação de um partido antes de romper com o movimento, em 2022.
"Para você disputar posições maiores, faz sentido ter uma legenda própria", diz ele.
Ele foi um dos diversos integrantes que saíram do MBL alegando divergências sobre o apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Rubinho Nunes se reelegeu este ano com 101.549 votos — o sexto vereador mais votado na cidade.
O vereador Fernando Holiday (PL), ex-liderança do movimento, diz que o MBL perdeu seus ideais, abandonando a ideologia liberal e os valores da direita.
"O MBL foi ao longo do tempo se tornando cada vez mais narcisista. É quase uma seita em torno do Renan e de sua família. Tentam passar uma imagem de purismo, de um movimento que não se mistura com os outros e não faz negociatas, mas é o oposto", critica.
Para Holiday, o MBL pode até vir a formar lideranças novas, principalmente em cidades menores, mas o histórico indica que o objetivo deve ser mesmo conseguir as benesses que um partido pode oferecer.
"Principalmente o Fundo Partidário, para poder dar uma estabilidade financeira maior para eles."
Nas eleições municipais de 2024, dois ex-membros do movimento, hoje filiados ao PL, obtiveram grandes conquistas.
Lucas Sanches, 28, foi eleito no segundo turno como prefeito de Guarulhos, segundo maior colégio eleitoral do estado de São Paulo.
Pedras no caminho
O TSE determina que a coleta de assinaturas de eleitores para a criação de um partido deve estar distribuída em pelo menos nove estados.
"Coletar as assinaturas não é difícil para a rede que eles têm, mas precisa ter divisão proporcional entre os estados. O último partido criado assim foi a Rede, que demorou para ser concluído", diz o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas).
O deputado estadual Carmelo Neto, presidente do PL no Ceará, foi responsável por coordenar o projeto estudantil do movimento no Nordeste. Ele vê o MBL restrito a São Paulo.
"Eles jogam sozinhos. Não são de grupo. Só pensam em si e isso é muito ruim", destaca ele, que deixou o movimento em 2019 para "caminhar com Bolsonaro".
"No início, o MBL tinha como marca o enfrentamento ao PT. Mas, em 2019, mudaram a prioridade e passaram a defender a derrubada do primeiro governo de direita da história do Brasil. Discordei com muita ênfase. Tentei convencê-los a não seguir este caminho, mas não fui ouvido."
Ideais perdidos?
O MBL ainda está estruturando "O Livro Amarelo", um conjunto de estudos para atuação com políticas públicas para diversas frentes, como educação, economia, segurança pública e saúde.
"É mais que um livro. É um sistema de pesquisa de políticas públicas permanente", diz Renan Santos.
O projeto, segundo ele, não dispensa usar exemplos positivos de espectros políticos diferentes da atuação do MBL.
"Políticas públicas ligadas à educação, como as do Ceará, que começaram no governo Cid Gomes, tiveram resultados interessantes e podem ser replicadas. Não temos problema em trazer exemplos de matriz ideológica diferente da nossa, se for algo que funcione", complementa Renan.
A defesa do meio ambiente, minimizada em discussões de grupos da direita, é uma "pauta crucial" para o desenho do novo partido, segundo Kataguiri.
O deputado destaca que foi relator de um projeto que ficou 17 anos na Câmara dos Deputados até ser aprovado em 2021 - a posição foi passada para o deputado federal Neri Geller (PP-MT), da bancada ruralista.
Kataguiri diz que seu projeto, que dispensaria licença ambiental para melhorias na área dos transportes, era mais benéfico ao meio ambiente do que a versão que passou.
Na ocasião, a proposta de Kataguiri foi alvo de críticas de ONGs e de ex-ministros do meio ambiente.
Quando questionado como seria a política de empreendedorismo da Missão, Kataguiri cutucou o ex-coach Pablo Marçal, terceiro colocado nas eleições para a prefeitura de São Paulo.
"A gente não vai repetir o que o Marçal faz, que é vender curso para pobre. No fim, o pobre continua pobre e ele enriquece", diz.
"Agora, vamos fazer o que for possível para que o Estado deixe de ser um ente que protege e enriquece uma elite privada e corrupta aliada ao poder que sufoca pequenos e médios empreendedores."
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