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Sarampo: Brasil luta para não perder controle diante de surtos em vizinhos

Surtos de sarampo estão ocorrendo em todas as regiões do mundo, e o principal motivo é a baixa cobertura vacinal. A doença é altamente contagiosa e preocupa o governo brasileiro, que tem reforçado ações de vigilância e vacinação no país.

Raio-X

Casos aumentam nas Américas. Segundo a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), o continente americano confirmou 10.139 casos de sarampo e 18 mortes pela doença até 8 de agosto, um aumento de 34 vezes em relação ao mesmo período de 2024.

Canadá, México e EUA respondem pelo maior número de casos. São 9.815 ao todo, e todas as mortes notificadas ocorreram nesses três países. Os surtos começaram a partir de importações de outros países dentro e fora do continente.

Sarampo nas Américas
Sarampo nas Américas Imagem: Arte UOL

Brasil registrou 23 casos importados de sarampo em 2025. O número é diferente da contagem da Opas porque são os mais recentes do Ministério da Saúde. Eles ocorreram no Distrito Federal (1), Rio de Janeiro (2), em São Paulo (1), no Rio Grande do Sul (1) e no Tocantins (18). Os afetados têm histórico de viagem internacional ou não foram vacinados contra a doença.

Cidades do Tocantins, Maranhão e estados fronteiriços com a Bolívia são foco de atenção. O país vizinho contabilizou 229 casos e está relacionado ao surto no Tocantins, no município de Campos Lindos. Uma família foi diagnosticada com sarampo após voltar do país e, pertencente a uma comunidade de práticas naturais, com muitas pessoas não vacinadas, o vírus se espalhou rapidamente, informou Eder Gatti, diretor do DPNI (Departamento do Programa Nacional de Imunizações).

É considerado normal que, quando tem áreas de grande circulação de sarampo, países sem circulação tenham casos esporádicos. Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências Virais do Instituto Oswaldo Cruz

Risco de reintrodução do vírus no Brasil existe, mas é possível conter. "Tem risco enorme de o vírus entrar no país. O que tem de fazer é bloqueio, boa investigação para reconhecer casos precocemente e fazer com que casos importados não gerem casos de circulação no Brasil", diz Rosana Richtmann, coordenadora do comitê de imunizações da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). Segundo o Ministério da Saúde, os casos registrados até agora —esporádicos e importados— não comprometem a certificação de eliminação do sarampo concedida ao país pela OMS.

Brasil tem histórico com a doença. O país ganhou a certificação de país livre do sarampo em 2016, após um trabalho intenso que começou em 1992 com a primeira campanha de vacinação. Em 2018, o vírus voltou a circular no território devido ao grande fluxo migratório associado às baixas coberturas vacinais, levando à perda do certificado no ano seguinte. O documento foi reconquistado em novembro de 2024 após o país comprovar melhoria da vigilância, das respostas adequadas frente à doença e os esforços para aumentar a cobertura vacinal. No ano passado, o Brasil atingiu a meta de vacinação (95%) pela primeira vez desde 2016, considerando a primeira dose da tríplice viral.

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O desafio é manter-se livre do sarampo, esse é o grande problema nosso. Hoje, não tem sarampo circulando livremente no país, mas está circulando no mundo inteiro. (...) Diante desse cenário, trabalhamos com a possibilidade de internalização de casos importados, a gente espera que isso aconteça, porque brasileiros vão para fora e podem trazer a doença, assim como estrangeiros podem entrar aqui e trazer a doença. Eder Gatti, diretor do DPNI

O que explica

Baixa cobertura vacinal é o principal motivo. Segundo a Opas, 71% dos casos nas Américas ocorreram em pessoas não vacinadas. O sarampo é altamente contagioso, e a transmissão pode ocorrer até quatro dias antes de os sintomas aparecerem, ou seja, sem que a pessoa saiba.

Uma pessoa pode transmitir rapidamente para 12 a 18 pessoas. A gente não encontra esse fator para quase nenhuma outra doença. A maioria oscila entre dois e três. Ramon Saavedra, pesquisador do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA

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Imagem: Arte UOL

Movimento antivacina e hesitação vacinal reduzem a cobertura. Além de grupos que desacreditam na imunização, há quem fique na dúvida devido à enxurrada desinformação. Pais de gerações mais novas que não viram o surto de doenças como poliomielite —eliminada graças à vacina— estão com a falsa sensação de segurança e questionam se a vacina seria tão importante. "O programa (de imunização) sofre as consequências do seu próprio êxito", diz Gatti.

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Pandemia dificultou combate à doença. Com a covid-19 como prioridade, países não conseguiram manter vigilância e alta cobertura vacinal contra sarampo. "Quando eles são impactados por epidemias ou pandemias, têm uma falha do sistema de saúde", diz Siqueira.

Muitos países de renda per capita menor não conseguiram se reestruturar como deveriam, porque foram muito impactados economicamente. Com isso, doenças como o sarampo que estavam eliminadas em algumas regiões, como Américas e parte da Europa, estão ressurgindo e impactando diferentes níveis de saúde. Marilda Siqueira, pesquisadora no Instituto Oswaldo Cruz

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Imagem: Arte UOL

O que tem sido feito

Ministério da Saúde intensificou vacinação e vigilância. No Tocantins, Maranhão, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso Sul e nos estados do sul fronteiriços com a Argentina, a pasta reforçou as ações, com rastreio de contatos para impedir o surgimento de novos casos e bloqueio vacinal. Região metropolitana de Belém também recebeu atenção devido à aproximação da COP-30. "Foi uma ação no modelo de microplanejamento. A gente foi vacinando o setor hoteleiro, depois foi o comércio, depois taxistas e motoristas de aplicativos", explicou Gatti.

Vacinas "dose zero" foram liberadas. O imunizante é destinado a bebês a partir dos seis meses de idade. A faixa etária não está no esquema regular de vacinação, mas a medida é recomendada e adotada em casos de surtos para proteção adicional. Ainda assim, a criança deve receber a vacina dentro do calendário vacinal: aos 12 meses e aos 15 meses de vida.

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Tarefa é ficar atento aos sintomas e agir rápido. Febre alta, manchas vermelhas na pele, conjuntivite, tosse seca e mal-estar intenso levantam a suspeita clínica, que não pode esperar a confirmação do diagnóstico para dar a vacina. "Se tiver vínculo epidemiológico e fator clínico, imediatamente deve começar isolamento e bloqueio vacinal", diz Richtmann. No Brasil, todas as pessoas de 12 meses de idade a 59 anos podem se vacinar.

Brasil doou 600 mil doses de vacina para a Bolívia. Metade delas era do imunizante tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) e as demais eram da vacina dupla viral (contra sarampo e rubéola). A ação envolveu ministérios dos dois países e a Opas.

Trabalho deve continuar

Recuperar e manter as altas coberturas vacinais é essencial. "Tem de verificar a caderneta de vacinação das crianças em idade escolar. Naturalmente, a criança não vacinada não será impedida de frequentar escolas, mas tem de fazer investimento junto às escolas, com profissionais para falar com a família", diz Siqueira. Segundo Gatti, o governo retomou a vacinação nas escolas. Além das 38 mil salas de vacinação espalhadas pelo Brasil aonde as pessoas podem ir, ações que levam imunização ao público são bem-vindas, como fez o município do Rio de Janeiro em estações de metrô.

Ampliar capacitação profissional é importante. Siqueira observa que o investimento no treinamento de profissionais das unidades básicas de saúde diminuiu, tanto dos que ficam nas salas de vacina quanto dos que monitoram pessoas com sintomas. "Esse pessoal precisa ser treinado constantemente, até porque tem mudança de pessoas nessas unidades, que nem sempre são bem capacitadas para o setor em que estão."

Com vigilância e bloqueio vacinal, dá tempo de evitar reintrodução do vírus no Brasil. "Fiz um estudo recentemente analisando a linha do tempo pré-pandemia, pandemia e pós-pandemia, e há um movimento de ascendência nos estados e país como um todo na cobertura vacinal. Isso é indicativo forte de que dá tempo, mas precisa de fato que seja coordenado pelo Ministério da Saúde e corresponsabilidade dos níveis estaduais, municipais e da sociedade civil", diz Saavedra, da UFBA.

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Imagem: Arte UOL

Ações devem respeitar especificidades do território. O pesquisador da UFBA fala de microplanejamento, direcionado, por exemplo, para cidades maiores, municípios de zona rural e aldeias indígenas. Além de alta, a cobertura vacinal tem de ser homogênea.

Melhorar a comunicação com a população. Para que haja uma boa adesão à vacina, é preciso uma comunicação eficiente. Meios clássicos, como TV e rádio, ainda são importantes, mas hoje em dia é preciso disputar a atenção do público nas redes sociais. Siqueira vê que ministérios e secretarias de saúde ainda estão aprendendo a lidar com os novos formatos.

Agir no presente ajuda o futuro. Siqueira esteve na primeira campanha de vacinação contra o sarampo do Brasil. Desde então, trabalha para combater essa e outras doenças virais. "Mesmo durante o período de negacionismo, as equipes à frente dos programas estavam acreditando naquilo que sempre fizeram, continuaram super comprometidas", afirma. "Para ter recebido o certificado no ano passado, mostramos que as equipes de diferentes níveis estavam atentas e trabalhando."

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