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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

E se a campanha de Pablo Marçal foi só um 'viral' para vender cursos?

O empresário e coach Pablo Marçal - Reprodução/Facebook
O empresário e coach Pablo Marçal Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

07/07/2023 04h01

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Em pronunciamento, lançado com o fígado, segundo uma pessoa próxima, após virar alvo de uma operação da Polícia Federal que apura supostos crimes de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita eleitoral e lavagem de capitais, o autointitulado coach Pablo Marçal foi para as suas redes sociais dizer que tudo não passava de "perseguição política" por ter apoiado o então presidente Jair Bolsonaro (PL) na campanha de 2022.

Marçal, que chegou a lançar a pré-candidatura à Presidência naquele ano pelo PROS, disputou uma vaga para a Câmara dos Deputados e declarou apoio ao candidato à reeleição. Ele chegou a ser eleito com mais de 250 mil votos, mas teve o registro da candidatura cassado pela Justiça Eleitoral. Na nota, o empresário declarou que sua eleição foi "roubada" e que "existe uma tentativa de silenciar as vozes daqueles que defendem a liberdade nessa nação".

A conversa pode ter ajudado a manter mobilizados seus seguidores, e eles são muitos. Resta saber se vai convencer a Polícia Federal, cuja credibilidade ele coloca em xeque ao lançá-la no balaio de um suposto complô.

Mas quem acompanhou de perto sua aventura eleitoreira garante que ele não perdeu nada ao se engajar na campanha de Bolsonaro. Pelo contrário. Há quem desconfie, inclusive, que a própria campanha era uma espécie de viral para vender cursos — a galinha dos ovos de ouro do empresário, que em suas mentorias promete desbloquear mentes e transformar seguidores em milionários.

"Todo mundo ali sabia que ele estava usando isso para fazer um lançamento. Era uma campanha de fachada", diz um observador, digamos, próximo.

O observador lembra que, em suas lives, Pablo Marçal afirmava que ainda iria pegar de volta o dinheiro gasto na campanha. Ao seu redor a conversa era que a lista de apoiadores de sua candidatura era o "mailing mais barato que já compraram".

Serviu, de acordo com a testemunha, para Marçal usar tráfego pago com dinheiro da campanha e captar interessados no curso.

Em um grupo do Telegram criado para a campanha, diz a testemunha, havia mais de 200 mil inscritos. O grupo foi alavancado depois que ele se aliou a Bolsonaro. "Ele 'virou' esse grupo para o lançamento de um novo curso assim que saiu o resultado das urnas. E fez uma live captando o sentimento de revolta e desespero desses eleitores."

Durante a campanha, em uma transmissão em defesa de Bolsonaro, Marçal chegou a divulgar QR Codes para captar apoiadores tanto para o WhatsApp quanto para o Telegram. Ambos, afirma o observador, viraram canais para o lançamento de uma mentoria chamada "SPR - As 40 Chaves da Prosperidade", que teria rendido alguns milhões de reais para Marçal (uma pessoa próxima fala em R$ 40 milhões).

Ou seja: o dinheiro das doações de campanha que, segundo as investigações, foram revertidas aos próprios negócios, teria se multiplicado após a campanha. Um verdadeiro "milagre".

Um indício é que, em 31 de outubro de 2022, data do segundo turno, Marçal aproveitou o gancho para iniciar uma série de palestras ao vivo intitulada "Como ser o presidente da própria vida".

A suspeita é que, dali em diante, o influencer tenha virado o "canhão" para o lançamento e usou tudo o que captou na campanha. Um dos produtos derivados da suposta estratégia foi o livro "Cada brasileiro um governante", escrito e divulgado por Marçal em suas próprias plataformas.

"É inacreditável que alguém entre em campanha política, sabidamente um campo minado, e deixe tanta ponta solta assim", diz um especialista, que compara o despreparo do grupo a eventos como a escalada ao Pico dos Marins e as maratonas improvisadas ao fim do expediente — uma delas levou um colaborador à morte.

"Agora está explicado por que ele abandonou todas as empresas e sociedades que tinha. Assim o dinheiro eleitoral poderia passar por lá sem ter vínculo aparente com ele. É uma estratégia amadora."

O especialista chama a atenção para uma doação, feita pelo sócio Marcos Paulo de Oliveira para a campanha de Marçal a presidente, no valor de R$ 459 mil. O número é uma referência ao "Clube 459", outra mentoria em que o grupo promete ensinar "tudo o que você precisa saber para tocar o terror na Terra".

Na ação, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão na residência e em empresas ligadas a Marçal. Um aparelho celular e um notebook do empresário foram levados pelos agentes.

O objetivo da operação é entender as razões de operações atípicas apontadas pelo Coaf entre Marçal, suas empresas e prestadores de serviço ao longo da eleição.

Juntos, Marçal e pessoas próximas contribuíram com mais de 90% das doações para suas campanhas. Segundo a Justiça Eleitoral, há uma série de incongruências na prestação de contas.

Em nota, seu advogado Tassio Renam afirmou que em nenhuma das campanhas foram utilizados recursos de origem partidária, sendo todas as despesas de campanha pagas através de recursos próprios ou de doações de terceiros.

O cerne da investigação, de acordo com o defensor, gira sobre o fato de Marçal ter sido o maior doador de sua campanha, e ter locado veículos e aeronaves de empresas da qual faz parte do quadro societário, "movimento esse que não infringe qualquer norma legal, uma vez que foram utilizados os instrumentos jurídicos aceitáveis pela justiça eleitoral".

"Nenhum ilícito foi praticado e nenhum centavo de dinheiro público foi utilizado nas campanhas eleitorais, sendo todas as prestações de contas apresentadas aos tribunais eleitorais competente para julgamento", afirma.

Segundo Renam, a prestação de contas para o cargo de deputado federal foi indeferida com base em pontos controversos e que estão sendo contestados pela defesa.

"Toda cooperação necessária para o esclarecimento dos fatos estão e continuaram sendo prestadas para pôr fim a esse equívoco o mais rápido possível", conclui a nota.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL