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'Se não fosse ele, seria eu': o relato de quem foi feito de escudo humano

A vida de Eduardo Loiola foi do céu ao inferno em agosto de 2021. No início do mês, o nascimento do primeiro filho trouxe o melhor dia de sua vida. No fim, ele foi feito de refém e escudo humano por criminosos que dominaram Araçatuba (SP) para assaltar dois bancos.

Eduardo tinha 27 anos e viu suas bases física, mental e financeira desmoronarem. Agora, aos 29, comemora dois aniversários ao ano.

Ele sente que nasceu de novo ao sair vivo daquele assalto.

No local onde foi feito refém, Eduardo relembra a madrugada em que quase morreu
No local onde foi feito refém, Eduardo relembra a madrugada em que quase morreu Imagem: Acervo pessoal

Na manhã de 29 de agosto, um domingo, Eduardo foi até o sítio de seu pai para passar o dia com a família e o novo membro, de apenas 14 dias de vida. À tarde, o bebê começou a sentir um pouco de cólica.

Eduardo então voltou para casa com a mulher e o filho. Por volta das 22h30, o bebê voltou a ter cólica. O casal decidiu ir até uma farmácia 24 horas no centro da cidade para comprar um medicamento. Lá, eles deram o remédio para a criança dentro do carro.

Na sequência, Eduardo quis ir até a praça Rui Barbosa comprar um cachorro-quente. Ele não sabia que, naquele momento, o local era palco da tentativa de um assalto às agências do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

Assim que chegaram no semáforo da praça, foram abordados pelos criminosos. Num primeiro momento, Eduardo pensou se tratar de uma abordagem policial, já que ele havia esquecido de ligar o farol do carro.

Quando os ladrões viram que tinha uma criança de colo, liberaram a mulher e o menino, abrigados em outra farmácia, e fizeram Eduardo refém.

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Os ladrões o obrigaram a tirar a roupa e participar de um cordão humano em frente ao banco Safra, que fica no caminho entre a praça e os batalhões de polícia da cidade.

Eduardo teve de ficar de mãos dadas com outros quatro reféns. Eles rezavam juntos enquanto escutavam os barulhos de tiros e os gritos dos criminosos.

"O Márcio [refém que foi assassinado momentos depois] estava do meu lado, mais duas meninas. Primeiramente, nós ficamos sentados. Acho que, no momento, eles estavam explodindo os cofres, porque a gente tava lá e escutava muito barulho, de tiro, bomba", lembra.

Assim que três criminosos foram baleados no assalto, os ladrões decidiram antecipar a saída da cidade. Antes da fuga, porém, Eduardo presenciou o momento em que mandaram Márcio ligar para o 190 e pedir para a polícia não atirar.

Depois, os assaltantes colocaram reféns como escudos humanos sobre os carros usados para deixar o município.

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Imagem: Reprodução/Arte UOL
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Eu e o Márcio começamos a rezar. Aí os ladrões mandaram a gente subir no carro e segurar bem firme pra não cair.

Eduardo decidiu ir no teto da caminhonete. Márcio, no capô, onde foi baleado dez vezes e não resistiu aos ferimentos. Eduardo foi baleado —na mão, bacia e nádega— e sobreviveu. "Se não fosse ele [Márcio], seria eu [a morrer]", afirma.

Eduardo diz não ter dúvidas sobre de onde partiram os tiros: da polícia. "Eu estava em cima da caminhonete. E não tinha perfuração de baixo para cima".

Segundo o laudo de Márcio feito por um médico legista, analisando a posição em que ele estava e os furos ocasionados pelas entradas e saídas das balas, a indicação é de que os tiros que o atingiram também foram disparados pelos policiais.

Polícia Civil e Ministério Público, responsáveis por investigar essa morte, ouviram apenas os policiais militares envolvidos no tiroteio, deixando de escutar os reféns sobreviventes.

O caso teve pedido de arquivamento feito pelo MP por falta de elementos probatórios. A Justiça ainda não decidiu. Os PMs que estavam no local afirmam que atiraram para se defender e que pararam de atirar após terem visto reféns sobre os carros.

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Eduardo Loiola tenta reconstruir a vida, extremamente abalada após o assalto
Eduardo Loiola tenta reconstruir a vida, extremamente abalada após o assalto Imagem: Reprodução

O que aconteceu após Eduardo ser baleado

Eduardo perdeu forças para continuar se segurando, caiu e teve o corpo inteiro ralado. Impressionado com o milagre de estar vivo, saiu correndo sem direção pela cidade.

Eduardo pediu ajuda ao ver um carro do Baep (Batalhão de Ações Especiais da PM), mas ouviu como resposta que deveria ligar para uma ambulância. Caminhando ainda sem direção, ele encontrou um casal que o socorreu até a Santa Casa.

Quando chegou ao pronto-socorro, foi colocado em um quarto ao lado de um presidiário que estava sendo operado. E ali mesmo ouviu que estava preso.

Dentro do quarto e do lado de fora, havia a presença de policiais. Ele foi impedido de falar com seus familiares. Pela televisão, viu uma notícia de que a polícia tinha detido um suspeito.

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Esse suspeito tinha suas características, idade e também estava na Santa Casa. Seu celular ficou apreendido por mais de 20 dias. "De refém, eu virei ladrão. E eu não sou ladrão", diz.

"Foi o maior constrangimento da minha vida. Nunca passei por isso. Os policiais ficaram comigo até quarta-feira. Não deixaram eu ver meu pai, minha mãe, nem deixavam meu pai subir", relata Eduardo.

Dias depois do assalto, ele teve de ser submetido a testes de DNA e prestou depoimento à PF. "Pediram pra eu fazer o teste pra falar que eu não participei disso aí. Mas isso aí é humilhação."

"Quantas vezes eu não fui com a minha esposa, com o meu filho, meu sogro de 84 anos, ir lá buscar um documento meu, que eu precisava? Depois, pediram desculpas. Falaram que era nervosismo, que tava tudo acontecendo e tinha um monte de ladrão e tal. Aí a gente fica sem reação, né", disse Eduardo.

Eduardo trabalhava em uma chácara e, à noite, fazia bicos como garçom. Sem conseguir movimentar os dedos, não consegue mais trabalhar e sobrevive à base de um seguro de R$ 1.300 e de doações.

Marcas deixadas pelos tiros na mão de Eduardo
Marcas deixadas pelos tiros na mão de Eduardo Imagem: Reprodução
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Sua mulher também não tem emprego. Eduardo será pai mais uma vez, desta vez de uma menina.

"Eu pago R$ 1 mil de aluguel. Mais energia, água e comida. Preciso de ajuda financeira. Até, pelo menos, eu me estabilizar de novo, porque estou em reabilitação. Tinha parado os estudos, mas voltei a estudar para me profissionalizar", afirma Eduardo, que pede ajuda financeira.

Questionada pelo UOL, a polícia diz que ninguém foi humilhado ou tratado como bandido no episódio.

"As vítimas foram aterrorizadas pelos criminosos, que tinham intenção de causar o terror. Mas a polícia de forma alguma tratará alguém inocente ou vítima como ladrão ou criminoso."

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