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Secretário de Tarcísio critica modelo centrado no Bilhete Único: 'Inviável'

Titular da SPI (Secretaria de Parcerias em Investimentos) do governo de São Paulo, Rafael Benini admite que o modelo adotado até agora para concessão de linhas de metrô e trens à iniciativa privada tem falhas.

Benini ocupa o cargo desde janeiro, quando Tarcísio de Freitas (Republicanos) assumiu o governo e passou o monitoramento das concessões dos trilhos paulistas da STM (Secretaria dos Transportes Metropolitanos) à SPI.

Dados inéditos obtidos pelo UOL indicam que as concessionárias ViaMobilidade e ViaQuatro receberam quatro vezes mais repasses do Bilhete Único, em 2022, do que as públicas Metrô e CPTM — embora as últimas tenham transportado mais que o dobro de passageiros no período.

Por contrato, as concessionárias têm prioridade na hora de fazer o saque do dinheiro arrecadado com o BU.

Em entrevista exclusiva ao UOL na última sexta-feira (17), na sede da SPI no Itaim Bibi, o secretário creditou às gestões anteriores a decisão de priorizar as concessionárias nos repasses.

"Foi uma decisão do estado na época, né? Você pode discutir se está certo ou errado, mas está no contrato."

Benini afirmou ainda que, mesmo para ele, o Bilhete Único é uma "caixa-preta": "Imagino como foi difícil conseguir informação, porque a gente também tem dificuldade muitas vezes".

Também disse acreditar que as empresas públicas deveriam complementar a receita através de publicidade e aluguel de áreas. "Hoje, perto dos pares mundiais, Metrô e CPTM ganham muito pouco dinheiro com isso."

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Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Rafael Benini, da SPI
Rafael Benini, da SPI Imagem: Divulgação

UOL - Quais são os pontos positivos e negativos de conceder serviços públicos à iniciativa privada?

Rafael Benini - O benefício é trazer uma quantidade grande de investimento num curto período de tempo, algo que muitas vezes o estado não consegue.

O [setor] privado sempre vai buscar a melhor tecnologia para economizar dinheiro, ele vai querer fazer aquela coisa do jeito mais barato.

E aí entra o desafio: eu [Estado] quero que ele faça mais barato, mas ao mesmo tempo quero que ele atinja o nível de serviço que exijo. Tenho que cobrar qualidade. O desafio é fiscalizar para que ele cumpra o contrato.

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Não foi fácil obter dados sobre os repasses do BU ao sistema de trilhos. O assunto está no radar da secretaria?

RB: Sim, está no radar, está até dentro da contratação que a gente fez para estudar o sistema de trilhos.

Você tem o Bilhete Único [lançado pela prefeitura paulistana em 2005] e o Top [estadual, lançado em 2021]. Imagino como foi difícil conseguir informação, porque a gente também tem dificuldade muitas vezes.

O Bilhete Único é bem complicado. Ele é um pouco [como] uma caixa preta, então a gente não tem tanta informação quanto a gente queria.

No Top, as informações são auditadas, mas até agora a gente não conseguiu incluir as concessões [as linhas assumidas pelas empresas ViaQuatro e ViaMobilidade], por problemas de estatuto. O dinheiro do Top vai direto para Metrô e CPTM.

O UOL apurou que, em 2022, as concessionárias receberam cerca de R$ 2 bilhões do BU para transportar cerca de 500 milhões de passageiros. Já Metrô e CPTM transportaram mais de 1,2 bilhão de passageiros e ficaram só com R$ 460 milhões. Como o sr. vê esse descompasso?

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RB: Foi uma estratégia dos governos anteriores, de [conceder] as linhas 5 [Lilás], 8 [Diamante] e 9 [Esmeralda] para fugir da PPP.

O Estado precisa dar garantia [de pagamento pelo serviço prestado] quando faz uma PPP. E o Estado não consegue.

Então, o que eles fizeram: olha, vou fazer uma concessão e vou te dar prioridade no acesso ao dinheiro do BU.

Foi uma decisão do Estado na época, né? Você pode discutir se está certo ou errado, mas hoje está no contrato.

Outra frente de expansão que a gente está estudando é a receita acessória, a receita a mais com propaganda e aluguel de área, por exemplo.

Pô, a gente está falando de dinheiro de BU do passageiro, mas eu tenho uma área, um shopping dentro da estação Tatuapé, e esse dinheiro vai direto para o Metrô. Hoje, perto dos pares mundiais, Metrô e CPTM ganham muito pouco dinheiro com isso.

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Imagem: Arte/UOL

Especialistas dizem que um modelo focado na receita tarifária é fadado ao fracasso, porque é deficitário: o sistema custa caro e a tarifa por passageiro não é o bastante para bancá-lo.

RB: Sim. A gente contratou consultoria para fazer esse tipo de análise, para ver quais são as possibilidades, porque é isso: realmente, assim do jeito que está é inviável, não adianta, né?

Por mais que o privado tenha um custo menor, eu [Estado] não tenho dinheiro pra pagar todo mundo. Então, é um cenário que vai ficar cada vez mais inviável.

Mais de uma vez, o governador sinalizou intenção de privatizar Metrô e CPTM. Como isso pode ser sustentável se a principal fonte continuar a ser o BU?

RB: Concessão não precisa de dinheiro público, o dinheiro vem da própria tarifa. O que acontece: quando eu [Estado] dou prioridade no BU, o próprio dinheiro do sistema de mobilidade urbana já paga a operação [da concessionária]. Na PPP, o Estado precisa pôr dinheiro.

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Governos passados — e eu fiz parte de governos passados, não quero dizer como demérito — não quiseram fazer PPP, porque PPP envolve garantia e garantia é uma coisa complicada.

O que eu [Estado] vou usar como garantia? O BU. Pô, quer garantia melhor que essa, dinheiro entrando ali?

Como para Metrô e CPTM não preciso prestar garantia, porque posso pôr dinheiro quando precisar [mediante subsídio do Estado], vou pondo dinheiro na CPTM primeiro, no Metrô também.

Hoje, a gente já está num nível que, quando a linha 6 [Laranja] começar a funcionar, que também está na prioridade, eu [Estado] não vou ter dinheiro no BU.

O TIC [Trem Intercidades] e o TIM [Trem Intermetropolitano] estão fora do BU. Então, vou aportar [injetar dinheiro], não vou esconder. É uma decisão do governo entre alocar dinheiro na linha privada e na linha pública.

Na 7 [Rubi], vai funcionar com aporte e contraprestação. Já tem edital publicado. Até porque é isso: acabou, não tem tanto mais dinheiro assim para sustentar outros projetos. A gente vai procurar soluções como garantia.

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Então, a gente está tentando ser criativo, procurando novas receitas para não precisar onerar o usuário. Mas, assim, a tarifa é uma questão de política pública, não me meto. É uma questão da Secretaria de Transportes Metropolitanos. Meu trabalho é fazer o projeto parar de pé com a tarifa que tenho.

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Imagem: Arte/UOL

Desde que a ViaMobilidade assumiu as linhas 8 e 9, foram registradas falhas a ponto de o MP investigar. Foi acordada uma indenização de R$ 150 milhões ao Estado. Depois, a SPI abriu consulta pública sobre 'circunstâncias atenuantes' para concessionárias que devem multas ao Estado.

RB: A CCR [o grupo da qual fazem parte as empresas ViaQuatro e ViaMobilidade] é responsável pelas linhas 4 [Amarela] e 5 [Lilás], que são ótimas linhas de metrô. Então, não é que a CCR não saiba prestar o serviço, né?

Mas, ao mesmo tempo, nas linhas 8 e 9 teve erro dos dois lados. Se você olhar o contrato... Talvez não seja o melhor.

Teve um erro da concessionária [ViaMobilidade] de achar que ela era capaz de operar aquilo de um jeito que não foi, né?

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Daí você pega assim, pô, é um cara que entrou durante a covid-19, que tentou comprar máquinas e não conseguiu porque ninguém conseguia. Tinha uma demanda muito grande por máquinas ferroviárias, a CPTM tinha sobrando mas não queria alugar...

Então, tem uma culpa da CCR, sem dúvida nenhuma, mas também tem aquela coisa: um trilho não fica ruim do dia para a noite. E eles estavam muito ruins. A própria CPTM não tinha condições de fazer investimento.

Nos últimos dez anos, antes da concessão, a CPTM investiu R$ 600 milhões. No primeiro ano [de concessão, 2022], a CCR investiu R$ 1,8 bilhão.

É o "know-how" da CPTM que garante operar nesse sistema, porque realmente as linhas não estão boas. Nossos ferroviários são heróis por conseguir fazer um serviço de qualidade dentro dessas condições.

Quanto às multas: todas as agências [reguladoras] do Brasil dão esse desconto que é chamado de "não litigação".

Quer dizer: olha, se você não questionar a multa, vou te dando desconto. Isso é economia processual para o Estado.

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Todas as agências do Brasil têm [dispositivo similar] e a gente copiou: olha, se você não judicializar, eu te dou desconto para pagar. A gente está analisando as contribuições [da consulta pública]. A gente vai falar com o governador e, no final, a decisão é dele.

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