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Bernardo Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Você também está com fadiga? Exaustão é o sobrenome do brasileiro em 2021

Palito de fósforo apagado - Freepik
Palito de fósforo apagado Imagem: Freepik

Colunista do TAB UOL

15/11/2021 04h00

Não sei você, mas nas últimas semanas, o cansaço tornou-se hegemônico nas minhas conversas rotineiras. Quase em toda reunião, nas interações sociais, e até mesmo no caixa do mercado as reclamações de exaustão profunda afloram. Numa mistura de complacência e irritação, pares de olhos vermelhos encontram outros pares de olhos afundados e, desse match, afloram — com rara animação — reclamações sobre o excesso de trabalho, a economia em frangalhos, as horas mal dormidas e as notícias caóticas do país.

Infodemia

Há menos de um mês, a marca nefasta de 600 mil mortes pedia uma dor profunda e encontrava uma insensibilidade anestesiada. O relatório da CPI da Covid esfregava suas mais de mil páginas em nossas caras. As offshores de Paulo Guedes expunham como o ministro acumulava renda enquanto garantia uma economia nacional desfalcada. E a queda de todos os serviços do Facebook interrompia a comunicação e, ao invés de apaziguar os ânimos, nos metia em dúvidas a respeito dos dados e dos monopólios.

Passadas poucas semanas, esses capítulos já estão ultrapassados. Agora é da candidatura de Moro, filiação de Bolsonaro ao PL, PEC dos precatórios, balanço da COP26 e o Facebook nos apresenta em outra Meta que promete mudar a imagem de plataforma de mídia social para se transformar numa empresa que constrói espaços de trabalho e comunidades sociais virtuais.

Tela

Por falar em redes sociais, uma matéria recente no The Guardian alerta que, nos Estados Unidos, o americano médio possui 47 mensagens de texto não lidas e 1.602 e-mails não abertos. Fiquei preocupado: mais de 17 mil e-mails não lidos aguardam minha atenção. Ainda assim, continua o texto, o tempo médio de tela do telefone é de 4,2 horas por dia — o maior registrado ali. Isto é, apesar das pessoas passarem mais tempo vidradas nos telefones, carecem de força vital para concluir uma conversa: a visão de múltiplas notificações não lidas pode desencadear sentimentos de ansiedade.

Burnout

Uma pessoa recebe notificações constantes, se engaja em dezenas de conversas simultâneas e prolonga assuntos — com mensagens esparsas — ao longo de dias. Quem tem fôlego para responder todas as trocas, interagir em todas as redes e ainda trabalhar (ou procurar emprego em contexto de desemprego alto e precarização das atividades)? Trabalho, a informação e a comunicação pessoal perseguem nossos dedos e disputam os nossos sentidos em todas as fontes possíveis. O estresse acaba redobrado quando atuamos com tamanha intensidade.

'Espero que esteja bem'

Aliás, me chama a atenção como, sem grandes alardes, trocamos o despretensioso "tudo bem?" pelo cuidadoso "espero que esteja bem". O "tudo bem?" guarda um ar de pergunta retórica. Na época de seu uso, ninguém (ou quase ninguém) respondia: "estou mal", "as dívidas só crescem", "quebrei um dente" e por aí segue. De toda forma, essa rápida interação nutria a esperança de que, no geral, tudo estaria dentro de algum eixo.

Melhor foi reconhecer que não estamos nada bem e focarmos não na pergunta, mas nos votos, generosos, de que, diante da hecatombe (sanitária, social, econômica, política e ambiental), possamos aguentar em algum fiapo de sanidade. Afinal, quem está bem? A pergunta tornou-se um potencial gatilho.

Férias

Por falar nisso, um colega outro dia revelou: "agora não posso mais ouvir essa palavra [férias]. Me dá gatilho". Segundo me disse, a expressão é demasiadamente abstrata e ostensivamente utópica. "Férias? O que é isso?". Mesmo quem consegue interromper o fluxo de trabalho não se satisfaz: "muito bom parar, mas o Brasil não dá trégua! Toda semana um escândalo diferente", reservou-me outra pessoa, "eu precisava era de férias do Brasil".

Seria ótimo. Sair do país, passar algumas semanas longe das intrigas políticas, da esfomeada inflação e voltar numa Pindorama sem desigualdades, com plena democracia, os direitos assegurados para todo mundo e a garantia da diferença com equidade. Nesse cenário fictício, o maior dilema no debate público residira em discutir qual a temperatura adequada para as fontes de águas potáveis. Elas estariam disponíveis nas esquinas de todos os municípios e, no Twitter, as pessoas se digladiariam para defender se 18º C ou 20º C estariam mais adequados.

Não me julgue pelo delírio, a exaustão me pegou.