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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Saúde entra na mira do 'centrão' e não por acaso. Lula vai bancar ministra?

Presidente eleito, Lula, e futura ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima - Divulgação
Presidente eleito, Lula, e futura ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

18/06/2023 04h00

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Tem 1.421 palavras, ou 9.311 caracteres com espaço, o currículo de Nísia Verônica Trindade Lima no site da Fundação Oswaldo Cruz, instituto comandado por ela entre 2017 e 2022. Nele não consta sua última ocupação.

Em janeiro de 2023, após comandar as ações da Fiocruz no enfrentamento da pandemia de covid-19, ela se tornou a primeira mulher a chefiar o Ministério da Saúde. Trindade possui doutorado em sociologia, já lecionou na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), tem assento titular na Academia Mundial de Ciências e é considerada uma referência em história da saúde pública no Brasil.

Certamente não é o currículo da ministra que incomoda os representantes do "centrão" que querem içá-la do posto. A cabeça de Nísia Trindade é uma das muitas exigências dos parlamentares do bloco para garantir votos necessários para as prioridades do governo no Congresso.

Não só: a exigência, até onde se sabe, é um ministério com porteira fechada, o que em jargão político significa aval e controle total sobre secretarias, institutos e autarquias sob a aba da Saúde. Significa também controle total do orçamento, estimado em R$ 180 bilhões para 2023.

A exigência deixou Lula (PT) diante de uma "escolha de Sofia". Se mantiver a ministra, vai prorrogar a guerra intestina com Arthur Lira (PP-AL) e companhia. Se atendê-los, vai rasgar um compromisso assumido em campanha: reconstruir as pontes dinamitadas pelo seu antecessor numa área pela qual passaram quatro ministros, entre eles um general que não entendia patavinas o que fazia ali. O maior feito da turma foi ter deixado mais de 700 mil compatriotas morrerem em uma pandemia que seu chefe se negava a reconhecer como grave.

Pelas notícias que chegam de Brasília, Lira e seus aliados sentem falta de quando a saúde pública era tratada com a destreza de um açougueiro. A explicação é bastante óbvia.

Em julho do ano passado, por exemplo, o repórter Breno Pires, da revista piauí, rastreou o paradeiro de milhões de reais do orçamento secreto, controlado pelo "centrão". O dinheiro foi parar em prefeituras que, para abocanhar recursos, fraudavam à luz do dia seus números na área da saúde.

Em um município do Maranhão, por exemplo, os atendimentos cresceram 1.300% de um ano para outro, mesmo não tendo sequer hospital. (O crescimento milagroso, em algumas cidades, chegava a 39.000%.)

Houve município que chegou a computar 34 atendimentos a cada habitante em um único ano. E outro que realizou mais exames de detecção de HIV do que toda a cidade de São Paulo.

Nada que superasse o caso de Pedreiras (MA), que extraiu em média 19 dentes de cada morador — e ganhou a alcunha de cidade mais banguela do país.

Tudo graças à ajuda sincera e desinteressada de parlamentares que irrigavam os municípios com recursos para a saúde provenientes das emendas do orçamento.

Na época o já presidente da Câmara, Arthur Lira, controlava R$ 11 bilhões do orçamento secreto. Hoje sabe-se que os filhos dele e de um aliado representam empresas de mídia que receberam cerca de R$ 6,5 milhões por campanhas publicitárias do... Ministério da Saúde.

Os repasses se concentram em 2021, quando um filho do deputado foi recebido ao menos três vezes na sede da pasta. O pai de seus sócios é Luciano Cavalcante, braço direito e assessor demitido do PP após se tornar alvo de uma operação da Polícia Federal que investigou compra suspeita de kits de robótica.

Nísia Trindade, a atual titular da Saúde, é uma indicação do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, um dos alvos preferenciais dos representantes do "centrão". Em tese porque ele lidera um governo que erra feio, erra rude, em sua articulação (um termo mais palatável para se referir à demora na liberação de cargos e verbas).

Como resumiu o médico e colunista da Folha Drauzio Varella, ver a pressão do "centrão" pelo Ministério da Saúde não é só uma ameaça humilhante de retrocesso. É um pesadelo para todo mundo que, após os inúmeros atentados promovidos por Jair Bolsonaro, tem ainda alguma esperança de que o atual governo honre, ao menos na saúde, um dos pilares de seu slogan: a reconstrução.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL