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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Inelegível, Bolsonaro agora é problema de Valdemar Costa Neto, não do país

Bolsonaro, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e a presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro - Beto Barata/ PL
Bolsonaro, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, e a presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro Imagem: Beto Barata/ PL

Colunista do UOL

01/07/2023 04h01

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) está inelegível pelos próximos oito anos por decisão da maioria dos ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Isso significa que, pelas próximas eleições, se nada mudar, ele deixa de ser um problema para o país e se torna um problema quase exclusivo de Valdemar Costa Neto.

O chefão do PL atraiu o ex-presidente para seu barco com o objetivo de ampliar a bancada do partido e eleger candidatos a postos majoritários em diversas praças. Em troca, ofereceu casa, escritório, assessores, um bom salário e até emprego para a ex-primeira-dama.

A dobradinha foi bem sucedida em 2022, quando o Partido Liberal se tornou a maior força da Câmara, com 99 deputados, elegeu oito senadores e dois governadores.

Mas Valdemar quer mais e já pensa nas próximas eleições, das quais Bolsonaro só poderá ficar à beira do campo como torcedor ou cheerleader.

A disputa municipal do ano que vem vai testar a força do tigre desdentado pelo TSE. Em 2020, em meio à pandemia, o apoio do então presidente, na época sem partido, não se converteu em sucesso para os principais apadrinhados, como os candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio.

Em parte porque Bolsonaro não se engajou, como poderia, na campanha. Em parte porque, na época, ele havia se tornado um Midas às avessas em razão das sabotagens contra todos os esforços sanitários para impedir que a pandemia virasse uma carnificina, como aconteceu.

Em 2022, Bolsonaro conseguiu recuperar terreno e se tornar um candidato viável à reeleição — em parte, porque soube sabotar também as normas eleitorais e transformar a disputa em um jogo injusto a seu favor; o esforço não foi o suficiente para elegê-lo e ainda custou seu passaporte de candidato.

O fato é que Bolsonaro saiu da disputa com 49,1% dos votos no segundo turno, um capital político considerável para qualquer um que soubesse administrar o apoio pelos próximos anos.

Mas parte desse desempenho é resultado de um sentimento que, na ausência de um nome melhor, podemos chamar de antipetismo — um sentimento que não deve sair de cena tão cedo, sobretudo em alguns setores da sociedade e em estados onde o bolsonarismo (assim chamado também na ausência de um nome melhor) criou trincheiras.

Desde a Lava Jato, Bolsonaro reuniu alguns predicados que transformaram o deputado chucro do baixo clero em uma força política real. Ele assimilou discurso da oposição ao ideário progressista e às regulações do Estado em um momento de avanço conservador, e topou servir como cavalo de Troia das pretensões diversas, inclusive as de militares adormecidas desde a redemocratização. Que o diga o general Luiz Eduardo Ramos, seu ex-ministro, que em 2018 se gabava em um jantar com os pares que "esse cara está nas nossas mãos". Foi o que mostrou uma reportagem recente e reveladora da revista piauí. "Esse cara" era Bolsonaro.

Eleito, Bolsonaro não foi mais do que um animador de auditório que fazia piruetas e falava absurdos para distrair a atenção do público enquanto outros trabalhavam por ele.

Ganha uma viagem até os destroços do Titanic quem souber torcer o palavrório do ódio e da cartilha extremista de Bolsonaro e encontrar ali algum projeto além de armar a população e dar a cada brasileiro o direito de resolver na bala qualquer querela individual.

Foram quatro anos de férias com a faixa presidencial.

Com cartão corporativo e uma claque apaixonada e adicta, Bolsonaro fez da Presidência o seu período sabático: viajou, andou de moto, de cavalo, de jet ski, se empanturrou de camarão e churrasco. O menino estranho do fundo da sala do Congresso tinha encontrado sua turma.

Ele descansava e era bajulado enquanto terceirizava decisões e distribuía fatias do orçamento a quem prometia apenas não incomodá-lo.

Valdemar Costa Neto comprou seu passe pensando que havia ali um recurso de poder e popularidade infinita.

Com ele fora do jogo, as cabeças por trás do "mito" terão de inventar outro corpo com a cabeça esvaziada para manejar aquela velha opinião formada sobre tudo. Bolsonaro por um tempo foi esse corpo ideal, mas não foi o primeiro nem será o último.

Em 2014, Aécio Neves (PSDB) também soube aglutinar o antipetismo a seu favor e por pouco não levou a disputa presidencial. Saiu da briga com 48,36% dos votos, numa proporção que se alargava proporcionalmente em redutos que Bolsonaro também surfou na última disputa. Não eram enclaves de um único candidato, como se viu, mas de um sentimento que agora flutua como alma penada e talvez nem dependa do aval de Bolsonaro para ganhar vida própria.

O capitão foi útil enquanto durou.

Sua rotina daqui em diante não deve ser muito diferente dos tempos de seu governo: viajar por aí, fazer propagandas de empreendimentos privados, levar amigos para churrascarias e sair sem pagar. Foi assim que ele disse, em entrevista a Monica Bergamo, da Folha, que pretende viver daqui em diante.

Suas pretensões não são tão diferentes das de um comediante aposentado que sobrevive do prestígio de outros tempos. Não são diferentes agora e não eram em seus tempos de presidente. (Talvez daqui em diante ele só não tenha tantos bajuladores por perto para abrir a porta).

Acontece que agora quem paga seu salário (com ajuda do fundo partidário, bom frisar) é o Senhor Valdemar, que ainda precisa saber o que fazer com o jogador mais caro do elenco. Um jogador comprado a peso de ouro e que só poderá voltar a campo na temporada 2030.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL