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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Parentes e algoritmos: para tuiteiros, Facebook é roupa que não serve mais

Por que as pessoas fogem do Facebook? DataBolha responde - Facebook
Por que as pessoas fogem do Facebook? DataBolha responde Imagem: Facebook

Colunista do UOL

06/07/2023 04h01

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O presidente-executivo do Twitter, Elon Musk, anunciou há poucos dias que vai limitar o número de visualizações de posts em sua plataforma para quem não tem selo verificado. Fez isso após cassar o tracinho azul de quem o conquistou a duras penas sem pagar nada por isso.

A princípio, cada usuário sem dinheiro no banco nem parentes importantes poderia ler apenas 600 tuítes ao dia. Mais que isso, só pagando. Depois, o bilionário tirou o bode da sala e limitou a amostra grátis para 100 posts — um chorinho para quem já sentia a abstinência e tremia jurando de pé junto que abandonaria o vício.

O extra de novos 400 tuítes deixou a situação mais ou menos assim: quem entrasse no Twitter na última terça-feira (4) poderia ler um total de 1000 análises sucintas com crítica social foda sobre a crise estética e a nova propaganda da Kombi. Depois, só no dia seguinte.

Pouca gente entendeu o que queria Musk ao anunciar a decisão. Matar de vez a rede que ele mesmo comprou para brincar no playground? Incentivar o aumento da taxa de natalidade global? Provocar o algoz Mark Zuckerberg com uma migração em massa de usuários indesejados e sem dinheiro para a rede ao lado?

Se for esta a última hipótese, a estratégia deu em nada.

Ao menos na minha bolha, pouca gente parece disposta a tirar as teias de aranha de um velho cofre onde está guardada e esquecida a chave de acesso para o Facebook.

Perguntei a razão lá no Twitter e descobri que a grande maioria dos tuiteiros não quer saber do Facebook por duas razões básicas: parentes e algoritmos, não necessariamente nessa ordem.

Por alguma razão, os familiares que só vemos uma vez ao ano não conseguiram atravessar o rubicão em direção ao microblog e deixaram os sobrinhos rebeldes reinar num último reduto em que ainda podiam compartilhar suas peraltices sem que o primeiro comentário da postagem fosse: "LINDÃO DA TITIA".

Por alguma outra razão os sobrinhos que já passaram dos 30 anos ainda precisam de um canto para fumar cigarro escondido. Aparentemente, quando o tema é rede social, somos todos pré-adolescentes com medo de perder o quarto para o irmão recém-nascido e precisar dormir com a vó. Que ronca.

Mas, em meio ao chororô, meu DataBolha recebeu boas explicações sobre o afastamento daquela que já foi, ao menos para minha geração, a rede mais popular desse lado de cá da realidade. Separei algumas:

"Minha família está lá. Meus vizinhos estão lá. Se eu falar o que penso sobre meu bairro meu corpo será furado."

"A gente volta e prima da prima começa a se meter nos nossos posts."

"Gente insuportável que eu tive que aceitar pra evitar a fadiga."

"Impossibilidade de 'anonimato', predominância de gente sem noção, obrigação de interagir com postagens de conhecidos por educação, sugestão de amizades aleatórias."

"Eu abandonei porque o algoritmo, pra mim, ficou insuportável lá. Sempre a mesma coisa. Tudo monotemático. Não tinha absolutamente nada de interessante lá."

"Parei de usar há anos meio que por osmose porque praticamente nenhum amigo meu posta nada."

"Textão e fogueiras de vaidades."

"Ao meu ver o que fodeu o Facebook é que todo mundo passou a usar apenas para fazer propaganda do seu negócio. Eu só recebo solicitação de amizade de serralheiro, vendedor de bolo e corretor de imóveis."

"O layout é extremamente poluído, parecendo aqueles sites de 20 anos atrás (só faltou banner em Flash), mais propaganda e conteúdo sugerido do que conteúdo de amigos, é ridiculamente invasivo e estranhamente passivo quanto a discurso de ódio e notícias falsas."

"Virou um asilo, só veia postando gif de bom dia e mulher depravada falando de rola e chifre em grupo feminino."

"A entrega do Facebook para quem não paga é praticamente zero, muitos grupos só servem para divulgação de golpes e pirâmides financeiras."

"O que me afastou mesmo foi a poluição visual da rede. Parece um cortiço virtual."

"Tinha alguma coisa a ver com nazistas sendo eleitos no mundo todo, eu não lembro direito."

Uma das respostas chamou a atenção para a presença de pessoas que não estão lá por afinidade de ideias, mas porque já nos conheciam pessoalmente de algum lugar (família, escola, faculdade, trabalho).

Diferentemente de outras redes, em que é possível seguir sem ser seguido e vice-versa, o Facebook, ao criar o mecanismo da solicitação de amizade, acaba levando para outras fases da vida (a tal timeline) pessoas com quem já não fazemos questão de conviver. Os amigos que deixamos pelo caminho são restos mortais que não temos outro lugar para jogar.

Na dúvida, fui conferir o que andava acontecendo por lá. Pensei em algum momento estar no site de alguma academia, tamanha a quantidade de gente postando selfie logo cedo diante do espelho e contando que o de hoje tá pago.

Notei também que, por algum motivo, fui alcançado por algoritmos que me sugerem páginas como "Back to The Future Forever" e "Ronaldo, o Fenômeno", vídeos do comediante Carioca, de sitcoms caseiras, de influencers de churrasco e propaganda de produtos para dormir sem ranger os dentes.

Oito em cada dez postagens eram agradecimentos de amigos pela meia dúzia de cumprimentos recebidos pelo aniversário celebrado sozinho na véspera. As outras duas eram postagens com fotos antigas de viagens que ainda não foram pagas.

Acho que os órfãos desamparados da outra rede tem razão e só uma pessoa pode nos salvar. Esta pessoa é Orkut Büyükkökten.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL