Topo

Ativistas discutem no Path como repensar a morte pode ajudar a viver melhor

iStock
Imagem: iStock

Luiza Pollo

Agência Eder Content, colaboração para o TAB, em São Paulo

24/05/2019 04h04

Tem quem fuja do assunto, até da palavra. Mas é inevitável: a morte vai chegar para todos nós. Antes de bater na madeira e parar de ler este texto o mais rápido possível, conheça duas pessoas que lutam diariamente para mostrar que falar sobre a morte é uma das coisas mais benéficas que você pode fazer na sua vida.

TAB apresenta o Festival Path 2019, o maior e mais diverso evento de inovação de criatividade do Brasil. Saiba mais e participe.

Veja a programação completa

Ana Michelle Soares é jornalista, tem 36 anos e há oito vive com câncer de mama. Ela optou por fazer tratamento com cuidados paliativos, ressignificar a vida que tem e inspirar outras pessoas com a doença pelo Instagram @paliativas.

Tom Almeida se considera um ativista pela ressignificação da morte. Ele é criador do movimento inFINITO, uma plataforma de eventos e conteúdo sobre morte e cuidados paliativos, e tem projetos como o Cineclube da Morte e o Death Over Drinks. Os nomes por si só já fariam muita gente atravessar a rua para passar longe, mas na verdade têm propósitos bem mais "good vibes" do que você imagina.

Veja também

A cada vez mais comum exposição pública da vida começa a valer para a morte

Os argumentos pró e contra sobre o direito de morrer por aqueles que convivem com a iminência do fim

Cura. O substantivo que transita pelo verbo e tem poder de adjetivo. Inspira busca, desejo, sonhos. Motiva. Alimenta. Alivia. Há quem caminhe ao lado dela, com ela, por ela. Há quem a ofereça de graça e quem pague o que for pela incerteza de sua companhia. Há quem dependa dela pra viver, e quem viva independentemente dela. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Valorizada. Implorada. Exigida. Superestimada. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Ao divino ofertamos nosso mais sincero pedido. A Ele todo o crédito quando ela é possível. A nós, a culpa pela pouca fé quando ela não se apresenta. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Ela está nos livros, nas palestras, nos vídeos, na igreja, na fruta, no suor derramado e no link que não abri num dia de pressa ‍♀️ E o que ela é, além de uma série de conceitos médicos? Ninguém diz. Ninguém garante. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Ressignifiquei. Há alguns anos deixei de exigir de um substantivo o poder da minha "cura". É só semântica. Não garante longevidade, felicidade e o que é extraordinário. Vivo minha cura cada vez que uma lágrima cai. E cada vez que é difícil conter o riso. Quando sinto o vento no meu rosto e o abraço sincero de um coração que pulsa no mesmo embalo que o meu. Sinto cura por me permitir ser vulnerável. Por poder ter medo. Por acolher minhas sombras. Por ter dó do tempo que talvez eu não viva. Sinto cura por não viver de passado e nem condicionada aos acontecimentos futuros. Sinto cura por perceber que o julgamento diz mais sobre quem o faz do que a quem se direciona. E a cura invade meu coração cada vez que fecho os olhos e, na minha prece silenciosa, sinto gratidão por estar exatamente onde deveria. E sem garantias... ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Desejo que vocês busquem diariamente a cura que habita em vocês. Ser saudável, nem sempre, é ser curado. Ser curado, nem sempre, é ser saudável. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ A cura está. A cura já é. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Obra: Cura Bra Cura Té #ErnestoNetoNaPina #PinacotecaSP #ErnestoNeto . ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ #Aho #NoMoreDarkness #Cura #câncerdemamametastático #câncerdemama #cancer #cancersurvivor #cuidadospaliativos #paliAtivas #metastaticbreastcancer

Uma publicação compartilhada por PaliAtivas AnaMi & Rê(i.m) (@paliativas) em

"YOLO" não é só hashtag

"Acho que as pessoas não falam de morte e não querem pensar que a vida acaba porque elas gostam da ilusão de que daqui a pouco elas resolvem os sofrimentos. Do tipo 'quando eu me aposentar, vou ser feliz'", opina Ana Mi, como é conhecida.

A ideia é perceber e refletir sobre a vida - a única que você tem. YOLO (You Only Live Once, ou Você Só Vive Uma Vez, em tradução livre) ganha sentido além da hashtag que já acumula quase 30 milhões de posts no Instagram. É preciso ter consciência de verdade de que nosso tempo é limitado.

Hoje, as pessoas mais saudáveis que eu conheço são as mais doentes. A gente quer ser tão inovador em tecnologia, ganhar mais dinheiro, e ninguém está disposto a olhar para dentro e falar: o que eu estou fazendo do meu tempo?
Ana Mi, jornalista e responsável pelo projeto @paliativas

Ana Mi e Tom Almeida vão participar da palestra "Re-thinking Death" ao lado de Ivo Machado e Luciana Branco durante o Festival Path deste ano. Em 2019, o evento é apresentado pelo TAB e ocorre nos dias 1 e 2 de junho em vários pontos da Avenida Paulista, em São Paulo.

A morte hoje é um dos temas de mais vanguarda no mundo. É algo a ser falado, tanto do aspecto do autoconhecimento - quando tenho consciência da finitude, começo a olhar mais para as minhas escolhas, meus desejos - e também como algo que abre espaço para conexões, porque você começa a entender que o que vale são as relações com os outros
Tom Almeida, criador do movimento inFINITO

Foi o que aconteceu com Ana Mi quando ela descobriu que o tumor estava em estágio metastático - ou seja, as células haviam se espalhado para outras partes do corpo. Ela conta que não se sentia representada nem amparada, já que as histórias sobre câncer costumam ser apenas as dos pacientes curados. Foi quando decidiu começar o @paliativas om uma amiga e ressignificar o tempo de vida.

A jornalista relata que o contato mais próximo com a morte mudou positivamente a atitude dela no dia a dia. "Eu vivia sob muito julgamento e vontade de entregar tudo com perfeição. Quando fiquei doente, falei: espera aí. O que eu quero fazer nesse tempo? Quem sou eu de verdade?", lembra.

Qualidade de morte

E como se fala em inovação para a morte? Almeida lembra que estamos mais acostumados a pensar em técnicas novas para postergá-la. "Todo esse movimento da medicina é maravilhoso, mas foi afastando a morte da nossa vida. Antes, era muito normal ter uma pessoa em casa que faleceu de repente", observa. As pessoas morriam de uma hora para outra e todo o ritual acontecia dentro de casa. "Era tudo muito vivido, e com a evolução da medicina delegamos isso ao hospital", completa.

Porém, quando se trata de transformar a morte num momento menos doloroso, o Brasil ainda tem muito a melhorar. No último Quality of Death Index (índice de qualidade de morte, em tradução livre), divulgado pela revista "The Economist" em 2015, ficamos em 42° lugar. Quando o assunto são cuidados paliativos, então, caímos para 64° lugar. E ainda por cima estamos abaixo da média na correlação entre gastos com saúde e qualidade de morte. O índice leva em conta os recursos e o engajamento público para que as pessoas tenham mortes confortáveis, ou seja, vivam bem até seu último momento.

Dia desses um médico me ouviu contar sobre minha história e, inspirado nela, prescreveu as seguintes palavras: ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ✒️DISTRAÇÃO DO VIVER ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Quantos plurais fazem uma mulher? Qual força esta que não é bruta mas arrasta o tempo? E chora para rir e ri da própria vida. E constroi da dor uma distração do viver. E vive tão intensamente que chega a doer o que não tem dor. Mulheres que ecoam que remendam-se, não da costela, mas do barro e reinventam-se a cada lamaçal. Que constroem o verbo da palavra amor e amam... Frágeis mesmo somos nós homens que até para chorar carece do pensar. (Rodrigo Ladeira) ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Há remédio pra quase tudo... Mas pra almas, às vezes, uma dose de amor e poesia basta. E que dose generosa essa que eu recebi... Obrigada @ladeira_r ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀ Consigo ver muitas das mulheres com quem convivo em cada palavra, por isso, quero oferecer essa dose de amor pra vcs minhas meninas metastáticas paliativas marcadas na foto e todas as outras que não tive ainda a honra de conviver ou conhecer. Pra nunca esquecerem que nossa luta e nossa dor pode sim ser transformada em poesia. Amo vcs! Tamojunto até o fim ❤️ . . . . #câncerdemamametastático #câncerdemama #cancer #cancerdemamametastatico #cancerdemama #breastcancer #metastaticbreastcancer #fuckcancer #paliativo #cuidadospaliativos #paliar #cancersurvivor #paliAtivas

Uma publicação compartilhada por PaliAtivas AnaMi & Rê(i.m) (@paliativas) em

Ana Mi leva como missão desenvolver ações nesse sentido. "Levantar a autoestima dos pacientes, mostrar para os familiares que eles não precisam aceitar submeter seus entes queridos a procedimentos desnecessários. As equipes [dos hospitais] precisam acolher bem os pacientes curados, os que vão se curar, os doentes, os metastáticos e também os que estão morrendo", defende.

É nesse 'repensar a morte' que Almeida vê boas oportunidades de negócios. "No Festival Path, vou falar sobre como o design thinking pode ajudar a ressignificar a experiência da morte, quais são os serviços e produtos que podem ser oferecidos."

Ele cita, por exemplo, a oferta de novos tipos de celebração de funerais e a preparação de atendentes de serviços funerários para atender ao público. O objetivo é claro, nas palavras de Ana Mi. "Quando eu fechar esse livro, quero que contem a minha história assim: Nossa, foi uma p*#@ vida da hora."