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"Comer é um ato político, racional e militante", diz especialista no Path

Marisa Furtado no Festival Path - Marcelo Justo/UOL
Marisa Furtado no Festival Path Imagem: Marcelo Justo/UOL

Kaluan Bernardo

Do TAB, em São Paulo

01/06/2019 23h03

"Comer é um ato político, racional, de militância. Saímos da fome por necessidade para os conceitos de fome", provoca a empreendedora Marisa Furtado, criadora do "Madame Aubergine", uma plataforma de gastronomia e mídia. Para ela, a alimentação passou de necessidade fisiológica e se tornou digital. "A primeira vez que o homem teve conversas profundas foi em torno de uma fogueira enquanto comia. Hoje, essa fogueira é o smartphone", afirma a executiva no Festival Path.

Ao lado dela estava Marco Ripoli, executivo do agronegócio e dono de duas marcas no segmento; e Renata Del Claro, diretora de marketing na Aryzta, terceira maior empresa de panificação do mundo. Juntos, os três defendiam que a tecnologia, se bem direcionada e voltada para um pensamento inovador, pode resolver todos os desafios alimentícios do mundo.

Problemas não faltam em um planeta que desperdiça 30% de todos os alimentos produzidos enquanto 821 milhões de pessoas passam fome (ambos os dados são da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, a FAO). Ainda assim, o trio carregava o tom no otimismo durante o Festival Path neste sábado (1°). O maior evento de inovação e criatividade do país acontece neste fim de semana na região da Avenida Paulista, em São Paulo. Neste ano, o Path é apresentado pelo TAB.

As novas ideias de alimentação

"Se antes você era o que você comia, agora você é o que você tem tempo de comer", afirma Furtado. Para ela, a alimentação hoje é marcada principalmente pelo tempo de cada um, que ela divide em três categorias: 1) o tempo útil, no qual tentamos otimizar a velocidade da alimentação enquanto estamos trabalhando; 2) o tempo enquanto experiência, quando nos fins de semana procuramos nos alimentar de forma mais afetiva; 3) o tempo como causa, o único constante em nossas vidas e que carrega ideologias por trás do que comemos.

É nesses três conceitos de tempo que surgem as principais inovações em torno dos alimentos. À medida que as demandas por delivery de comida crescem, por exemplo, nossa alimentação passa a ser ditada, cada vez mais, pelos algoritmos de aplicativos como Rappi e Uber Eats. E as maiores inovações estão em trazer mais mobilidade e praticidade para a entrega dos produtos.

Já na alimentação enquanto experiência, Del Claro defendia o que ela chamava de "Clean Label", cujo conceito consiste em alimentos produzidos por grandes indústrias, porém com poucos ingredientes e compreensíveis para todos, sem muitas misturas artificiais, mas com a demanda de escala exigida por grandes corporações. "Na última década, a demanda por produtos saudáveis quase dobrou. E, nesse contexto, menos é mais. As pessoas querem saber o que, de fato, elas estão comendo", comenta.

Marco Ripoli no Festival Path - Marcelo Justo/UOL - Marcelo Justo/UOL
Marco Ripoli no Festival Path
Imagem: Marcelo Justo/UOL

Mas as maiores e mais importantes inovações estão relacionadas à alimentação enquanto causa. Nesse campo, Furtado defende, por exemplo, as políticas de transparência na cadeia de produção alimentícia - que se tornam possíveis graças a tecnologias como a blockchain. Ela cita como exemplo a Fishcoin, uma criptomoeda que permite consumidores comprarem direto de pequenos pescadores sem o intermédio de grandes corporações e estabelecendo um sistema de confiança que permite elencar quem são os pescadores mais confiáveis.

Ela menciona também o crescimento do veganismo e as soluções de desenvolvimento de carnes artificiais, sem material de proteína animal, liderado por empresas como Impossible Foods, Beyond Meat e Mosa Meat. "É um dos ecossistemas mais em alta no Vale do Silício e une quem defende o fim do sofrimento animal; quem quer mais alimentos orgânicos em escala; e a democratização da alimentação, já que essas carnes poderão custar 30% do preço de uma carne animal no futuro", diz Furtado. Inclusive, um palpite ousado: a empreendedora acredita que em duas gerações estaremos todos comendo grilos, baratas e outros insetos. "No passado, nossos avós achavam nojento comer peixe cru. Hoje, adoramos", provoca.

O Brasil tem muito em jogo com agronegócio

Marco Ripoli é doutor em Energia na Agricultura pela Unesp e trabalhou 13 anos na John Deere, uma das maiores fabricantes de equipamentos agrícolas do mundo. Ele levou uma série de dados para justificar porque o Brasil tende a ganhar muito com a modernização agrícola pelo viés da inovação.

Em 2016, a soma de bens e serviços gerados no agronegócio chegou a R$ 1,3 trilhão - 23,6% do PIB brasileiro. Em 2017, o agronegócio empregava cerca de 19 milhões de pessoas. Em 2018, as exportações do agronegócio no Brasil atingiram um recorde nominal de US$ 101,7 bilhões - somos o maior exportador global de itens como açúcar, café, suco de laranja e soja.

"A agricultura 4.0 está apenas começando. Temos o potencial de torná-la mais produtiva, coerente e utilizar o tempo e recursos de forma mais eficiente, trazendo vantagens importantes para os agricultores e benefícios socioeconômicos e ambientais para o mundo" declarou.

Seja no Brasil, seja no mundo - os três apostam na tecnologia transformando as conexões humanas com os alimentos. "Pela primeira vez não estamos mais comendo porque temos fome, mas porque queremos fazer parte de uma solução. É uma grande mudança, mas acreditamos que é possível transformar o mundo para melhor pelos alimentos", afirma Furtado.