Algoritmos e diversidade conectam público e músicos em shows no Path
A região da Avenida Paulista amanheceu neste dia 1º de junho com um céu nublado, de quem ameaça chuva. O trânsito era o habitual, assim como aquela preguiça quase apressada dos sábados. As padarias e lanchonetes espalham o cheiro de café, enquanto os pingados e pães na chapa são produzidos em escala industrial. Na Alameda Santos e em suas adjacentes, pessoas desfilam crachás azuis, brancos e amarelos com alguma pressa, numa rota que envolvia o Maksoud Plaza, o Tivoli Mofarrej, o Club Homs, a Praça Alexandre de Gusmão e o Reserva Cultural. Elas se reconhecem timidamente nos crachás. É a sétima edição do Festival Path, o maior e mais diverso festival de inovação e criatividade do Brasil e que, neste ano, é apresentado pelo TAB.
Um palco montado diante do gramado da Praça Alexandre de Gusmão, pertinho do Parque Trianon, muda a rotina e a paisagem do lugar. No início da tarde, com a chuva já dando as caras e sumindo rapidamente, um homem com seu cartaz anuncia o fim do mundo numa cena que flerta com a surrealidade. Um anjo vestido de branco e outro de preto circulam pela Alameda Santos e o prenúncio se torna mais realista. A ação é para divulgar a série "Good Omens", da Amazon Prime. Ao fundo a DJ Brazook abre os trabalhos musicais e passeia por ritmos eletrônicos nacionais ao longo da tarde.
Às 13h, Potyguara Bardo subiu ao palco com um DJ e um guitarrista. Mesmo com o tempo insistindo no nublado, o público se aglomerou para celebrar sua primeira apresentação. "O público foi muito amoroso, eu fiquei feliz demais. Eu tava muito ansioso para esse show". O cantor do Rio Grande do Norte tem uma relação com a capital paulista por meio de algoritmos. "São Paulo é a cidade que mais me escuta. Aqui tem 10 vezes mais pessoas ouvindo minha música com relação a Natal", afirma.
Potyguara Bardo se apresenta novamente em São Paulo na semana que vem, e tem volta programada à capital paulista para um show em setembro.
Também do Nordeste, o artista visual recifense Solar, que veio à Praça Alexandre de Gusmão para o show de Potyguara, fala da importância desses espaços. "Eu tô aqui para apoiá-la, e a figura "bicha" aqui é interessante, porque é um festival independente e a presença dela, e a nossa, é importante", afirma. Há sete meses em São Paulo, ele define sua relação com a cidade. "Está sendo forte, denso e frio comparado ao Nordeste."
Luisa, também de Natal, chegou ao palco com Os Alquimistas às 15h. Duas guitarras, baixo e beatmakers fizeram com ela uma mistura de ritmos do Norte e Nordeste com música jamaicana. Moradora São Paulo há um ano, ela fala da tecnologia na música que produz. "Os nossos dois álbuns foram feitos em quartos, salas com a galera nerd que nunca teve aula de nada, mas que foi fuçando e fez a parada com muita qualidade", afirma.
Fabriccio, do Espírito Santo, fez sua apresentação em uma cadeira de rodas depois de um acidente de bicicleta que lhe garantiu alguns ossos quebrados no joelho. Seu som, um amálgama de Max de Castro, John Coltrane, Luiz Melodia e Racionais com um discurso de altivez e orgulho negro, foi apresentado por ele com sua guitarra e uma DJ. "Essas referências são um pouquinho das coisas que eu amo, eu gosto do "Samba Raro" [disco do Max de Castro], mas por causa desse álbum eu descobri o Luiz Melodia, por causa dos Racionais eu ouvi John Coltrane, Miles Davis. Eu gosto de passear por aí, porque eu só tô aqui por ter tido acesso a essas coisas", afirma.
Publicitária de Campinas, interior de São Paulo, Helena Figueiredo, 30, define a relação da tecnologia com o palco enquanto Craca e Dani Nega botam o público na dança. "A música, mais do que tudo, é um reflexo do momento tecnológico do mundo. A música acompanha essas mudanças", afirma.
Craca e Dani Nega trouxeram sotaques das periferias paulistanas ao Festival Path e lembraram que "todo baile black tem um pouco de terreiro", canção de outra banda paulistana, o Aláfia. Dani Nega fez um discurso de empoderamento negro, principalmente exaltando as mulheres e acompanhados de bateria, percussão e sopros, a dupla trouxe o anoitecer.
A chuva, de fato, decidiu não cair. O público, lubrificado pela cerveja e pela energia dos shows, está mais solto ao cair da noite. O tempo parece passar depressa quando não se preocupa com o trânsito da Alameda Santos. E nessa onda, o Carne Doce subiu ao palco por volta das 18h. De Goiânia, mas sem ser dupla sertaneja, o grupo trouxe uma aura setentista, com pitadas de psicotrópicos em um show maduro e consistente.
O primeiro dia de shows do Festival Path terminou com o cantor paraense Jaloo. Ele, que estava na plateia desde o primeiro show, conta sua visão como espectador. "Eu amo Carne Doce, amo Luísa e os Alquimistas, amo Potyguara Bardo. Eu tô como fã do festival mesmo, e eu gosto muito de entender o pessoal antes de tocar. Faz parte do meu trampo dar uma olhada em como é que estão as coisas", afirma.
O cantor ainda faz uma previsão de como seria a sinergia com o público. "As pessoas estão afim de onda e eu também tô. Se for pra tá afim de onda, eu sou o mar."
A previsão de Jaloo se fez presente, mas com uma diferença. O mar - que ele disse que era - foi o público que o acolheu depois de um mosh. Enquanto Jaloo navegava nos braços da plateia, ele pedia desculpas pelos seus tênis estarem sujos de lama.
O mundo, pelo menos hoje, não acabou. A chuva não veio e o Path terminou com sete apresentações de altíssima qualidade.
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