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Poder transformador da diversidade é tema de conversa no Festival Path

Cris Faga/Estadão Conteúdo
Imagem: Cris Faga/Estadão Conteúdo

Peu Araújo

Em colaboração com o TAB, em São Paulo

01/06/2019 04h02

O centro da cidade de São Paulo é o mundo concentrado em pouco menos de 30 quilômetros quadrados. É o amálgama de cores, crenças, clichês, nacionalidades, classes sociais, gêneros, sexualidade. Tudo está ali sete dias por semana. Seja no empurra-empurra da estação Sé na hora do rush, seja no semblante nipônico da Liberdade ou na multidão que habita o Copan.

O poder transformador da diversidade, presente no coração da megalópole, é tema de uma das palestras do Festival Path, marcado para este fim de semana em São Paulo.

No centro, tem a pressa executiva, a correria da hora do almoço, os PFs, restaurantes africanos, peruanos, japoneses, chineses, coreanos... É o desconforto das e com as pessoas em situação de rua. É o Uber, o Rappi, o trânsito, o rapa, os motoboys, as bikes, os homens-placas, o caos, o furto, a treta. São os prédios imponentes que tentam resgatar um passado glamouroso, as paredes com seus pixos. O centro de São Paulo é a dura poesia concreta em esquinas muitas vezes esquecidas. É bem mais complexa do que isso e quase nunca chamada de Sampa. É um prédio que cai, um prédio que sobe, um mundo em poucos quilômetros.

O sírio Salim Mhanna posa para foto em sua nova cidade, São Paulo - Reprodução - Reprodução
O sírio Salim Mhanna posa para foto em sua nova cidade, São Paulo
Imagem: Reprodução

É neste quadrilátero, que de cima parece um emaranhado de edifícios, que está a maior concentração da diversidade da capital paulista. A cidade é uma das que mais recebem imigrantes no país. Segundo levantamento da Polícia Federal, 292.288 se mudaram para São Paulo entre 2001 e 2017. Mas como a terra que já foi de garoa recebe essas pessoas, principalmente as que estão em situação de refúgio? São Paulo acolhe ou repele?

"Isso é relativo, porque São Paulo é uma cidade difícil de viver, alguns deles [imigrantes] já me disseram que é uma cidade de moer gente, mas no centro há várias pessoas que falam outras línguas, o deslocamento é mais fácil, a ofertas de serviços públicos é maior", explica a jornalista Maria Nilda Rodrigues. Idealizadora do projeto "Deslocamento Criativo - Conectando refugiados à economia criativa", atua também na gestão de projetos socioculturais.

Sobre a economia e as pessoas em situação de refúgio, ela afirma. "Nós entendemos que os imigrantes precisam ser inseridos nesta agenda da economia, serem vistos como pessoas que contribuem para a economia da cidade. Elas consomem, elas moram, elas produzem, elas trabalham. É gerar oportunidade sem preconceito". E acrescenta. "Os grupos ficam em guetos. É importante abrir os espaços em casas e espaços culturais e pagar pelo trabalho como se paga a qualquer outro, ter mais respeito."

Maria Nilda fala ainda sobre a concentração de imigrantes na zona central da capital paulista. "O centro da cidade acaba sendo um local de referência para muita gente, porque ali há vários grupos, as pessoas se sentem mais seguras, é também um local que gera muito negócio e isso é favorável. Outro ponto é a diversidade que existe ali, quem vem de fora se sente mais acolhido, porque vêm representações semelhantes a eles". Ela pontua ali que há mais pessoas que estão habituadas e outras tradições e culturas.

Maria Nilda Rodrigues criou projeto para ajudar refugiados com a economia criativa - Reprodução - Reprodução
Maria Nilda Rodrigues criou projeto para ajudar refugiados com a economia criativa
Imagem: Reprodução

Uma dessas personagens é o sírio Salim Mhanna. Na cidade, com a esposa e o filho (teve mais um no Brasil) desde 2015, veio para a capital paulista pelas acrobacias do destino - e pela força de uma guerra em seu país. Formado em Comunicação e Arte em Damasco, trabalhou em canais de televisão no Oriente Médio, Japão e na Europa. Ele explica a decisão. "São Paulo é um lugar com muitas oportunidades de trabalho, como o trabalho na área audiovisual, a maioria das empresas de produções."

Não dá para ser inocente também, o centro de São Paulo - que te ensina a ficar em constante atenção aos seus pertences - também pode ser cruel com as diferenças, com as minorias, com o estrangeiro. O videomaker dá seu parecer sobre o ritmo paulistano. "É uma cidade muito difícil, nada é fácil aqui, você tem que correr ou você vai ser esmagado com a tripulação" e faz coro ao discurso da diversidade no centro da metrópole. "Você pode encontrar quase todas as nacionalidades, culturas, quase tudo. O centro aqui é uma pequena cópia do mundo". Neste xerox, Salim se estabeleceu, com o seu Bab, no número 124 da Praça Roosevelt. O bar, que tem um cardápio árabe em constante mudança.

A máquina de moer gente ou de fazê-las brilhar batizada de São Paulo há 465 anos talvez não seja mais a poesia que cruza a Ipiranga com a Avenida São João. Em 2019, São Paulo está mais para os trechos descritos na letra de "Negro Drama", do Racionais MC's. Ela é a garoa que rasga a carne, a "Torre de Babel" cantada por Mano Brown. É também a "São Paulo, agonia que sobrevive em meio às honras e covardias" cantada por Edi Rock. Ela não é fácil, nem para iniciantes pouco voluntariosos. Ela pode ser o copo meio vazio, mas ainda cativa olhares como o de Salim. "Sou apaixonado por essa cidade, me sinto incrível quando ando por aqui, cores ricas, atividades, eventos, política, artes... Eu realmente amo essa cidade."

Salim Mhanna e Maria Nilda Rodrigues são participantes da mesa sobre o poder transformador da diversidade de São Paulo na programação do Festival Path, em São Paulo. O principal evento de inovação e criatividade do Brasil acontece hoje e amanhã e é apresentado pelo TAB.