Como a psicologia explica a popularidade dos filtros 'quem você parece'
Você já descobriu que personagem do Harry Potter é, quantos anos aparenta ter ou quantas bocas vai beijar no carnaval? Se não, provavelmente não passa muito tempo olhando stories de Instagram. Os filtros que fazem esse tipo de "predição" — tudo aleatório, claro — viraram mania ainda no fim de 2019 e não param de se multiplicar.
Tem filtro de joguinho (aquele em que surge uma pergunta na tela e você precisa responder), tem filtro de roleta que faz comparação (com qual animal/personagem da Disney/etc você se parece), tem filtro que te deixa mais velho, mais novo... Os filtros começaram a se multiplicar quando o Instagram permitiu que qualquer usuário criasse um.
A psicologia explica por que a gente gosta tanto de se encaixar e categorias, por mais "bobas" que elas possam parecer. "A curiosidade é algo que vem desde os nossos ancestrais. Talvez o que tenha mudado hoje é o imediatismo das respostas", afirma Cristina Borsari, psicóloga da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. "Está ligado a questões intrínsecas dos seres humanos. Antigamente a gente recorria a oráculos, ao sol, à lua. A humanidade cria identificação com várias coisas e busca verdades", explica ela, que compara essa busca também à astrologia.
Ao mesmo tempo em que buscamos nossa identidade, também queremos que os outros estejam atentos a determinados pontos.
"[Fazer testes] normalmente é uma forma de reafirmar uma imagem que a gente já tem e quer que os outros também tenham da gente. Você faz o quiz dos personagens de 'Friends' já sabendo qual resultado quer", diz Nathalia Piacentini, professora, psicóloga e colaboradora do Laboratório de Pesquisa em Avaliação Psicológica (LPAP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
O Brasil é o terceiro país com mais usuários do Instagram: em 2019 eram 72 milhões de perfis, segundo levantamento da Statista realizado em 2020. Só perdemos para os Estados Unidos, que têm 116 milhões de usuários, e Índia, com 73 milhões. Em média, as pessoas passam quase meia hora — 28 minutos, para ser mais específico — no app diariamente, de acordo com a eMarketer.
Boa parte das nossas vidas é vivida online, então é natural que comportamentos da vida real se reflitam nos apps. E se tem uma coisa da qual dificilmente conseguimos fugir, como seres humanos, é a vontade de pertencer a um grupo, ao mesmo tempo em que reafirmamos nossa individualidade.
"Sempre buscamos identificação", diz Borsari. "E hoje talvez a gente viva numa sociedade com mais superficialidade em relação aos sentimentos. O conhecimento é muito imediato e a gente gosta de respostas rápidas."
Brincar com os filtros de roleta ou mesmo um teste de personalidade online poderia ser, portanto, uma busca instantânea por identificação. Claro que nem sempre há uma motivação psicológica muito profunda por trás do uso dos filtros — pode ser que você só esteja entediado mesmo. Mas diversas pesquisas na psicologia ajudam a explicar nossa obsessão por categorias e aceitar facilmente um rótulo, mesmo sabendo que ele não tem nenhuma base científica.
Qual batata é você?
A psicóloga e pesquisadora norte-americana Jennifer V. Fayard explica, em artigo no Psychology Today, que esse é o efeito Forer (também conhecido como efeito Barnum ou Barnum-Forer): quando indivíduos acreditam que descrições de personalidade se aplicam especificamente a eles (mais do que aos outros), apesar de aquelas afirmações se aplicarem a qualquer pessoa.
Em um estudo da década de 1940, Bertram Forer conduziu um experimento no qual pediu que os participantes completassem um teste de personalidade, e entregou a eles o que disse serem resultados personalizados. No entanto, as descrições eram formadas por frases generalistas que poderiam se aplicar a praticamente qualquer pessoa. A maior parte dos participantes afirmou que o feedback tinha sido bastante preciso.
Em uma pesquisa da publicação norte-americana Insider com a Morning Consult, mais de um terço dos entrevistados disse que usava testes de personalidade para tomar decisões, pelo menos em certa medida. Apesar de a maioria dos respondentes (39,4%) dizer que não usa esses resultados de forma alguma em decisões, um terço ainda é um número expressivo, é e ainda maior entre os jovens, aponta a Insider. Quando questionados se acreditam nos resultados dos testes de personalidade, apenas 12,5% disseram não acreditar nada. "Não muito", "um pouco" e "muito" somam 87,4%.
"Os quizzes de personalidade permitem que as pessoas satisfaçam sua curiosidade sobre elas mesmas e sobre os outros", disse à Insider Bruce Carter, professor de desenvolvimento humano e ciência da família na Universidade de Syracuse, nos Estados Unidos. Isso acontece porque esses testes nos entregam informações que acreditamos ser verdadeiras sobre nossas personalidades ou sobre nossas tendências de agir de determinadas maneiras, observa o professor.
Enquanto escrevia esta reportagem, o jornalista Rafael Capanema publicou em seu blog do UOL um "gerador de cancelamento". Escrevi meu nome para o destino decidir por que eu seria cancelada. "Luiza Pollo foi cancelado(a) por ser impaciente demais." Mandei na hora num grupo de amigas e disse que era a minha cara. Sem nem mesmo saber da minha existência, Carter explica meu comportamento perfeitamente. Ele afirma que, ao receber um resultado que confirma aquilo em que queremos acreditar, fazemos o quê? Compartilhamos. Essa é a fórmula por trás do sucesso dos conhecidos testes à la "que tipo de batata você é" (sim, esse quiz existe), e também dos filtros de roleta.
Comprovação científica
É preciso lembrar que há, sim, testes validados cientificamente, aplicados em consultório por terapeutas como parte de uma avaliação psicológica mais ampla para entender o estado do paciente naquele momento. "O teste pode ou não fazer parte da avaliação psicológica, mas costumo dizer que ele ajuda a dar segurança ao paciente, ou em um laudo, por exemplo, por ter um padrão científico", explica Piacentini.
Ambas afirmam que os pacientes costumam ter expectativas altas quando fazem testes do tipo. Mas é preciso deixar claro que o resultado é uma "fotografia" daquele momento, não um definidor de personalidade imutável. "O resultado representa a pessoa naquele momento. Nós não somos seres estáticos, não somos os mesmos para sempre", diz Piacentini. "Entende-se que somos estáveis, mas dependendo da situação e de reforços externos, posso ser mais extrovertido em um momento e menos em outros, por exemplo."
Essa ansiedade em saber os resultados — que acaba sendo saciada muito mais rapidamente e superficialmente por testes de internet — reflete a necessidade humana de expressar nossa personalidade individual ao mesmo tempo em que fazemos parte de um grupo. Isso pode ser saudável ao gerar relações e conversas, explica Borsari, mas pode ser um problema se usado em exagero. "Respostas que são muito imediatistas geralmente vêm sem uma reflexão do que causou meu comportamento ou por que sou assim", avalia Borsari. Em outras palavras, não vale usar signo nem dizer "fazer o quê, eu sou o Ross" para justificar comportamentos problemáticos e não refletir sobre como mudá-los.
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