Sem estrutura, quarentenas agravam crise do coronavírus
Quando o governo brasileiro anunciou que iria colocar os 58 compatriotas que vinham da China em quarentena, a medida foi vista como uma ação necessária para proteger o país de uma epidemia. Era, numa escala micro, o que já estava sendo feito em outros países.
Quinze dias depois, todos foram liberados. Deu tudo certo. E ficou a sensação de que quarentenas são benéficas e com final feliz. Mas muitas vezes acontece justamente o contrário.
No dia 1º de fevereiro, descobriu-se que um passageiro que havia desembarcado do cruzeiro Diamond Princess seis dias antes estava com o coronavírus. No dia 4, quando o navio se aproximou do porto de Yokohama, o governo japonês proibiu seu desembarque, até que os mais de 3.200 passageiros e tripulantes fossem examinados. Detectaram-se dez casos. O navio foi trancado.
O governo japonês se recusou a montar quarentenas em terra firme. Preferiu mandar equipes médicas para o navio. Passageiros e tripulantes passavam quase todo o dia trancados em seus camarotes, com apenas uma hora por dia para sair ao ar livre.
Mas eles não estavam realmente isolados uns dos outros. O ar condicionado fazia o ar de uma cabine chegar a outra. Em 22 dias, o número de casos superou 720, com quatro mortes.
"Ainda faltam muitas informações para se conhecer bem como esse vírus age, mas está claro que se essas pessoas tivessem ficado ao ar livre e não no ar condicionado, a situação poderia ser melhor", disse Ester Cerdeira Sabino, médica infectologista e ex-diretora do Instituto de Medicina Tropical, da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
Anthony Fauci, diretor da área de doenças infecciosas do Centro de Controle de Doenças dos EUA, disse que a estratégia foi um erro.
Nos EUA, onde 42 cidadãos chegaram do navio já com a doença, as acusações são bem mais graves. Desrespeito aos direitos individuais é um exemplo.
"Não tem justificativa confinar pessoas que estão assintomáticas, a não ser que venham de um local com epidemia, como foi o caso dos brasileiros", explica o médico infectologista Plínio Trabasso, professor da Faculdade de Ciências Médicas e coordenador de Assistência do Hospital de Clínicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Esse não foi um caso único, longe disso. Em Wuhan, epicentro da epidemia, quando o número de casos chegou aos milhares, os doentes moderados e de casos suspeitos foram mandados de volta para casa ou colocados em hotéis.
Mas tanto num caso como no outro não havia estrutura para atender todo mundo. A falta das máscaras cirúrgicas, amplamente noticiada, foi um problema menor.
"Houve falta de oxigênio. E num hotel nunca há a mesma estrutura de um hospital", explica Sabino.
Para uma doença que ataca os pulmões, isso pode transformar um caso moderado num caso grave. E a chance de o paciente morrer passa de 2,5% para quase 25%.
Família morre confinada
O jornal norte-americano Los Angeles Times contou a história de uma família de Wuhan: a enfermeira Liu Fan, que trabalhava no atendimento à epidemia, seu irmão, Chan Kai, diretor de cinema, e seus pais. Quando foi constatado que estavam infectados, foram colocados na sua própria casa, em quartos trancados. Quando o pai piorou, os filhos tentaram levá-lo a um hospital, mas não havia vagas. Ele morreu no dia 3 de fevereiro. A mulher, no dia 8. Chan morreu no dia 14, e sua irmã, algumas horas depois.
Quando seu caso estava muito grave, Chan mandou essa mensagem ao filho, que mora em Londres:
"Fui a hospitais implorando e chorando, mas sou muito pequeno e insignificante... Durante toda a minha vida fui um filho fiel, um pai responsável, um marido amoroso, uma pessoa honesta. Adeus! Para aqueles que amo e aqueles que me amam."
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