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Trappers da Blakkclout encenam a realidade para evitar a ilegalidade

NGC Thoney - Blakkclout/Divulgação
NGC Thoney Imagem: Blakkclout/Divulgação

Matias Maxx

Colaboração para o TAB, do Rio

11/04/2020 04h00

"Aviso! Todos os adereços apresentados nas imagens a seguir são para fins cinematográficos, portanto não devem ser levados a sério. Esse alerta abre todos os clipes da Blakkclout, selo de trap do Rio de Janeiro.

Os beats crus e contagiantes encaixam perfeitamente na estética realista, quase documental e longe de amadora dos vídeos dos MCs NGC Flacko, do Complexo do Alemão, NGC Borges, da Pavuna e NGC Thoney, do Jacaré. "AK do Flamengo" e "Proibidão 2020", de Borges, mostra o MC travestido de traficante, perambulando por vielas e lajes de uma favela. O resultado é honesto e convincente; a favela e o funk carioca bebem nas mesmas bases sociais e musicais que a dos guetos negros do sul dos EUA e o trap.

Para além das aparências, o objetivo do selo é "mostrar a realidade de quem nasceu e mora nas favelas do Rio, se tornando assim uma nova alternativa de vitória do jovem através do trap" explica Marcus Santos, gerente de produção do selo fundado por Sandiego Fernandes e Michael Jackson, cujo canal no YouTube tem quase 250 mil seguidores, com vídeos que, juntos, contabilizam 40 milhões de visualizações.

"Eu acredito que é o conjunto do que estamos fazendo que atrai as pessoas. Essas letras falam da realidade deles e trazem a estética de uma realidade que todo mundo conhece e ignora." Infelizmente nem todo mundo pensa assim e, vez ou outra, os clipes do grupo são condenados pelos tribunais do Twitter e pelos comentaristas de YouTube. Santos rebate as críticas. "Falar de um tema desses é um ato de coragem e até um risco, mas ali não tem nada distante do que acontece o tempo inteiro. São artistas encenando sobre o que eles veem de vida real. Tentando alcançar sua vitória pela arte que representa o mundo real, ao invés de se envolver nessa vivência de realidade que ilude."

NGC Flacko - Blakkclout/Divulgação - Blakkclout/Divulgação
NGC Flacko
Imagem: Blakkclout/Divulgação

Rafael Amorim, advogado da Blakkstar, selo irmão com uma pegada mais abrangente, complementa. "A agressividade cantada nas músicas é autêntica, derivada de experiências e observações do cotidiano. Não é o movimento artístico que promove essa violência. Por isso a censura e interferência em relação ao conteúdo de uma música, por exemplo, viola a liberdade de expressão, direito assegurado em nossa Constituição. Contudo, é importante que os artistas tenham consciência de que essa liberdade termina quando se fere outros direitos que merecem igual proteção."

Em tempos de pandemia, com agenda de shows zerada, os artistas estão gravando e escrevendo em casa. Enquanto isso, o estúdio do selo na Vila Valqueire segue a todo vapor, preparando em breve o lançamento do "Projeto Underclout", uma oportunidade para novos artistas apresentarem o trabalho no canal. A primeira faixa a ser lançada se chama "Sonho", de Big Rush. C97 e Shock são outros artistas originários das comunidades que já gravaram para o projeto.

Para Marcus Santos, representar artistas tão reais como os NGC's é "apenas tornar real o desejo do artista, incentivar o mais profundo do que querem e apresentar ao mundo. E cabe ao mundo se questionar por que eles estão tendo isso como referência. Como usar esse agora, para transformar o futuro? Como fazer com que a próxima geração de jovens tenha outra realidade a ser retratada? Bem, eles já são inspiração para muitos jovens, não por se envolver com a ilegalidade, mas de encenar a realidade. E isso tem uma diferença enorme."