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Em regime de home office, jovens têm mais dificuldade para manter rotina

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Imagem: Getty Images/iStockphoto

Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

10/05/2020 04h00

Desse futuro nebuloso que a pandemia do novo coronavírus instaurou, uma nova realidade no mercado de trabalho começa a surgir. Se hoje, por obrigação, muitas funções desempenhadas em escritórios passaram a ser feitas em casa, amanhã, o formato do home office deve se solidificar por aqui.

Uma pesquisa da FGV (Fundação Getúlio Vargas) estima que 30% dessa força de trabalho ainda será realizada remotamente, mesmo sem a necessidade de distanciamento social. Sinal de um novo horizonte para as empresas, certamente. Mas, do outro lado, como está a cabeça do profissional que, de uma hora para outra, perdeu a noção de tempo e espaço que guiava sua vida profissional e pessoal?

Um estudo específico, desenvolvido pelo Centro de Inovação da FGV-EAESP, jogou luz na outra ponta e revelou que, para a maioria dos entrevistados, ainda não está tudo bem: 56% dos participantes relataram que a grande dificuldade dessa experiência é justamente manter a rotina equilibrada. Esse desafio é mais evidente entre aqueles que nunca tiveram uma experiência prévia de trabalho em casa, como é o caso de 32,5% dos entrevistados. Uma boa parte (40,7%) teve alguma experiência anterior ao menos em um dia da semana (entre 1% e 20% do tempo).

Com mais ferramentas sendo usadas de forma remota — o Zoom, plataforma de reuniões online, passou a ser usado depois da quarentena por 58% dos entrevistados —, manter a comunicação de qualidade com a equipe de trabalho e clientes foi indicado como o desafio mais fácil de ser enfrentado.

O foco passa longe da tecnologia. "Não é mais uma questão de comunicação, ferramentas e softwares. Na verdade, a dificuldade está relacionada mais à capacidade de manter uma rotina equilibrada — e isso acaba impactando na produtividade", observa o pesquisador do FGVin, o Centro de Inovação da FGV-EAESP, Daniel Gonçalves Lopes, coordenador do levantamento.

A pesquisa, feita entre os dias 13 e 27 de abril com 464 pessoas de todo o Brasil, levou em consideração a pirâmide geracional do país, mas, ao contrário do que se imaginava, são os chamados nativos digitais (nascidos a partir de 1995) os profissionais com mais dificuldade na adaptação.

O estudo também seguiu a proporção de homens e mulheres da população brasileira — e ambos os gêneros estão sentindo as mesmas coisas. Questões como promoções, reajuste de salário e projetos de mudança de emprego ficaram em suspenso. Agora, só existe um pensamento: estaremos empregados daqui a alguns meses? Segundo o levantamento, essa dúvida tem afetado diretamente a concentração no trabalho.

O TAB teve acesso à pesquisa na íntegra. Destacamos os principais números:

56% têm dificuldade alta ou moderada em equilibrar as atividades profissionais e pessoais durante o isolamento social

"As pessoas que tinham um pouco de experiência com home office tiveram resultado melhor em relação à capacidade de manter a concentração e a rotina equilibrada entre trabalho, descanso e lazer", observa o pesquisador.

O desafio só é considerado fácil para as pessoas que já passaram pela experiência (31,2%). Entre aqueles que encaram o trabalho remoto pela primeira vez, apenas 21% disseram não encontrar dificuldade.

Homem trabalha no quarto de sua casa em São Francisco, nos Estados Unidos - Carlos Avila Gonzalez/The San Francisco Chronicle via Getty Images - Carlos Avila Gonzalez/The San Francisco Chronicle via Getty Images
Imagem: Carlos Avila Gonzalez/The San Francisco Chronicle via Getty Images

45,8% disseram que a carga de trabalho aumentou
31% indicaram que permanece igual
23,1% tiveram redução na jornada de trabalho

Segundo o levantamento, a dificuldade em encontrar o balanço ideal nessa rotina em casa tem sido sentida com mais intensidade entre quem relata que teve a carga de trabalho alterada, para mais ou para menos. Aqueles que mantiveram a sua carga de trabalho sem alterações em relação à vida antes da quarentena têm mais habilidade para equilibrar estes momentos.

O aumento na carga de trabalho tem acompanhado a faixa salarial dos entrevistados. Para 52,8% dos participantes que recebem acima de 15 salários mínimos, houve aumento de demanda. Para 51,5% dos que recebem menos de três salários mínimos, houve queda no horário de expediente.

Para Lopes, isso é reflexo de uma migração ainda em estágio inicial. "É o momento em que os líderes precisam se mostrar", observa. "Ainda estamos nesse momento de tomada de decisão. É como um navio que muda de rumo: não se passa a exigir tanto dos níveis mais baixos logo de cara. Se a pesquisa for refeita daqui a um tempo, imagino que estaremos caminhando no sentido contrário."

45,8% não estão confiantes na manutenção dos empregos e têm dificuldade de concentração

O levantamento mostrou que a dificuldade em manter o foco no trabalho está ligada à sensação de temor relativo à estabilidade no emprego.

A dificuldade de concentração é um problema menor para aqueles que não estão nem confiantes e nem desconfiados de que permanecerão empregados (30,9%) e para os que estão confiantes de que continuarão em suas funções (34%).

"Quanto mais confiante você está, mais concentrado você consegue ficar no seu trabalho. No dia a dia, isso é normal, mas se intensifica na pandemia. Você não sabe o que vai acontecer com a empresa e com seu trabalho no dia seguinte", observa o pesquisador.

Procrastinação no home office - iStock - iStock
Imagem: iStock

A geração Z acha difícil:

82,6% manter rotina horária equilibrada
60,9% manter a motivação no trabalho
56,5% manter produtividade e concentração
34,8% manter a comunicação direta

Na outra ponta da pirâmide, aqueles que estão mais próximos da aposentadoria (os chamados Baby Boomers, nascidos entre 1940 e 1960), lidam melhor com o home office, em todas as respostas. Compare.

Os Baby Boomers acham difícil:

42,1% manter a rotina de horários equilibrados
26,3% manter a motivação no trabalho
31,6% manter produtividade e concentração
15,8% manter a comunicação direta

O resultado indica que a relação e a familiaridade com a tecnologia, que definem bem a geração mais nova a entrar no mercado de trabalho, é uma questão menor neste momento. Mais importante é a questão comportamental.

"Não é só idade, é o contexto de sociedade de cada geração. As mais antigas, justamente por saberem lidar melhor com a divisão do profissional e do pessoal, acabam tendo um rendimento melhor de forma remota", observa o pesquisador Daniel Gonçalves Lopes.

Com toda a habilidade no digital, parece que o ritual de sair de casa e ir trabalhar faz falta na vida dos profissionais mais novos. "Isso são gatilhos que ativam o seu modo de trabalho. No trabalho remoto, às vezes, não tem esse gatilho. Há quem use desses gatilhos para apresentar um desempenho melhor, mas, se você não tem, depende muito da sua capacidade de concentração e de motivação", observa.

32,5% das pessoas que trabalham em uma startup acham fácil manter a produtividade

O número é muito maior entre os funcionários de multinacionais (49,6%) e de empresas nacionais (42,7%).

Uma possível explicação para o resultado é que empresas mais tradicionais costumam ter processos de trabalho mais definidos e constantes. "Mais uma vez, não se trata de ter ferramentas digitais ou a experiência com isso. Está mais no contexto da própria estrutura da organização. Em uma startup, as coisas mudam muito rápido, você está trabalhando numa coisa hoje e, amanhã, tem que partir para outra. No momento de crise, isso intensifica", conclui.